A Justiça do Rio começa a julgar nesta terça-feira (18) um processo de violência doméstica e perturbação de tranquilidade contra o ex-assessor especial da presidência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Paulo César do Nascimento Silva. Em junho, ele foi preso dentro do prédio da Anvisa após uma condenação por estupro contra outra mulher.
Na ação que corre no Juizado de Violência Doméstica, Paulo César Nascimento é acusado pelo Ministério Público de ter ameaçado e constrangido uma ex-namorada em Brasilia e em viagem do então casal à cidade do Rio de Janeiro.
O processo cita várias situações constrangedoras às quais a vítima foi submetida no ano de 2020 e também a revolta dele com o fim do relacionamento. Ela obteve medida protetiva de urgência contra o ex-companheiro em Brasília.
Em um áudio anexado à denúncia, o então assessor especial de Barra Torres diz que ela é infantil, insensível por estar jogando o relacionamento fora por causa de um tapa:
“Por favor, eu não quero mensagem de você, nem por mensagens, msn, zap, nada mais. Acabou, chega. Se você está ai com alguém, fica com alguém ai, tá bom. Tá passando uma tarde agradável, então termina sua tarde agradavel. Continue sua tarde agradável, uma noite agradável. Chega, acabou. Pra mim, não dá mais. É muita infantilidade, é muita insensibilidade. Por um tapa, tá jogando uma vida fora. Então fica com a lembrança do tapa. Tchau”.
A audiência de instrução e julgamento está marcada para a tarde desta terça-feira na cidade do Rio. O escritório que representava Paulo César informou nesta segunda-feira (17) que deixou a defesa de Paulo César na semana passada no caso em que ele foi preso por estupro e na ação de violência doméstica. Até está publicação, a GloboNews não havia localizado a nova advogada.
Prisão e exoneração
O ex-assessor especial da presidência da Anvisa foi preso dentro do complexo da agência em Brasília no dia 12 de junho. Paulo César Nascimento da Silva tinha cargo comissionado desde 2019 e atuava nas relações governamentais, visto com frequência no Congresso Nacional. Ele foi exonerado das funções após a prisão e segue detido em Brasília.
Ele foi condenado pelo crime de estupro cometido em maio de 2021. O mandado de prisão foi expedido pela Vara de Execuções Penais do Distrito Federal no dia 7 de junho. A GloboNews enviou um e-mail à Polícia Civil do Distrito Federal e anexou o mandado ao qual teve acesso. Em resposta, a Polícia Civil confirmou “a ocorrência com a natureza cumprimento de mandado de prisão, realizada na segunda, pela DCPI – Divisão de Capturas e Polícia Interestadual”.
O Tribunal de Justiça e a Polícia Civil do Distrito Federal não informaram o motivo da prisão e alegaram que o caso está em sigilo, por isso não poderiam dar mais detalhes sobre o assunto.
Procurada pela GloboNews, a Anvisa confirmou a prisão, mas não deu detalhes do motivo. O órgão informou que os policiais tiveram apoio da administração, mas alegou que a agência “não dispõe e não teve ciência de maiores detalhes, tampouco foi documentalmente notificada, provavelmente em face de aspecto processual personalíssimo, envolvendo o referido colaborador”. A nota diz ainda que “as informações inicialmente obtidas dão conta de condutas e/ou fatos ocorridos em período anterior ao exercício do cargo na Agência”. Apesar dessa informação, a defesa de Paulo César confirmou que o estupro aconteceu em maio de 2021, quando ele já ocupava o cargo de assessor especial do presidente da agência.
Comportamento ‘stalker’
Após a prisão do assessor especial da presidência da Anvisa Paulo César Nascimento da Silva dentro do complexo da agência em Brasília depois de uma condenação por estupro, funcionárias da Anvisa relataram outros casos de abusos cometidos por ele durante suas funções.
Uma das servidoras da Anvisa que aceitou conversar com a GloboNews pediu para não ser identificada, mas afirmou que as abordagens com cunho sexual por parte do assessor especial começaram em 2019, logo após tomar posse, nomeado pelo atual diretor-presidente Antônio Barra Torres. Paulo César da Silva tinha cargo comissionado e atuava nas relações governamentais, visto com frequência no Congresso Nacional. Ele foi exonerado das funções após a prisão.
Segundo essa funcionária, o assessor especial de Barra Torres insistia em abordagens inadequadas com cunho sexual na sede da Anvisa em Brasília, mas também em viagens a trabalho.
“Tem relatos de uma espécie de comportamento, como stalker, de perseguir as mulheres nos corredores, de ficar indo insistentemente nas salas arrumar assunto com as mulheres, que não são assuntos profissionais. Tem histórico de várias mensagens de telefone, um tanto quanto pouco usuais e nada profissionais. E buscava tocar no ombro, na cintura das mulheres, né? Das servidoras. Servidoras deixaram cargos comissionados para evitar contatos com Paulo César. Servidoras foram removidas para ficar mais distantes de Paulo César”, afirmou.
O relato também dá conta que muitas vítimas das investidas não procuraram órgãos de controle da agência com medo de retaliação e perda do cargo e também porque o assessor tinha o hábito de andar armado durante o expediente.
“Há muito medo de formalizar, afinal ele trabalha diretamente com o diretor-presidente. As pessoas têm medo de retaliação profissional e o Paulo César costumava andar armado nas dependências da Anvisa, o que faz as pessoas terem ainda mais medo”, disse.
Questionado se o diretor-presidente tinha conhecimento do comportamento e das denúncias, a servidora revela que uma colaboradora que decidiu relatar os assédios de Paulo César testemunhados por ela foi retirada da função.
“A primeira servidora que levou ao conhecimento dele [Barra Torres] foi exonerada do cargo de comissão na sequência”, disse. A Anvisa nega qualquer exoneração nesse sentido.
Servidores da agência também compartilharam outros relatos de “investidas” por parte do assessor. Algumas colaboradoras afirmam que decidiram bloquear o número de Paulo César para não receberem mais mensagens dele no celular.
O blog da Andréia Sadi teve acesso a uma dessas trocas de mensagens. Nela, o assessor escreve a uma ex-colaboradora da agência: “Estou na AssPar (sigla para assessoria parlamentar). Um drink mais tarde? Será um prazer! Fique tranquila. Eu sou um homem experiente, discreto e reservado. Voce não vai se arrepender… Acredite…”
A mulher agradece o convite e diz que namora. Na resposta, a mulher afirma ainda que ele não era discreto e que seria motivo de piada por parte dos colegas. Segundo a mensagem, muitas pessoas já tinham percebido a “atenção” dada por ele e por isso ela afirma que a situação ficava muito chata porque era nova no setor. Na sequência, Paulo César tenta ligar para o celular dela, e não é atendido.
Presidente admite falha
Em reunião com diretoria e gestores três dias após a prisão, o diretor-presidente da Anvisa Antônio Barra Torres admitiu que a agência falhou ao não ser capaz de receber outras denúncias de casos de assédio sexuais relatados por servidoras à GloboNews.
Na mesma semana da prisão, a Anvisa anunciou a criação do Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio moral e do Assédio sexual. O objetivo, segundo a agência, é “fortalecer as ações, as estratégicas, as orientações e as medidas no âmbito da agência para enfrentamento do assunto, aprimorando as instâncias de apuração e gestão já existentes na Anvisa, quais sejam a ouvidoria, a comissão de ética pública, a corregedoria e a área de gestão de pessoas, para o cumprimento de sua finalidade de tratar, apurar e dar respostas para prevenir e responsabilizar casos de assédio moral e sexual na Anvisa.”
O comitê será composto por um representante de cada uma das diretorias, um representante da área de gestão de pessoas e quatro servidores voluntários do quadro da Agência.