Um homem que trabalhou com o Padre Airton Freire disse, em entrevista à TV Globo, que também foi vítima de estupro na Fundação Terra, criada pelo religioso (veja vídeo acima). Há cinco inquéritos abertos contra o fundador da instituição, que foi denunciado, em maio deste ano, pela personal stylist Sílvia Tavares de Souza pelo mesmo crime.
Sem se identificar, o homem contou que acredita ter sido dopado e, horas depois, acordou na casa de taipa onde o padre dormia, dentro da propriedade da Fundação Terra.
“Teve uma noite que ele colocou alguma coisa na garrafa d’água que ficava em cima de uma mesinha […]. Peguei a garrafa umas 11 e pouca da noite. Tomei a água e deitei na rede. Quando foi [por volta das] 5 e pouca da manhã, eu me acordei numa cadeira, que tem próximo da mesinha, só de cueca. E senti meu corpo, né? A gente sente o corpo da gente diferente. Não lembrei [o que aconteceu]”, disse.
Preso preventivamente desde 14 de julho, Padre Airton foi levado da cela no Presídio Advogado Brito Alves, em Arcoverde, para o hospital particular da cidade, sob escolta policial, na tarde do sábado (22). Na manhã do domingo (23), o religioso de 67 anos foi transferido para o Hospital Português, no Recife, com “princípio de acidente vascular cerebral”, segundo a assessoria de imprensa dele.
O ex-funcionário disse que trabalhava “tomando conta” do padre, por quem tinha uma “consideração de pai”. Segundo ele, o religioso já tinha tentado dopá-lo outras vezes.
“Dormia com ele, dava remédio. Às vezes, ele ficava gritando à noite, como se o demônio estivesse dando nele. Mas acho que era só uma forma de me manipular. Até ele conseguir, né? Porque ele tentou algumas vezes me dopar e eu consegui ver”, contou.
O homem disse também que “outros meninos enlouqueceram” por causa dos abusos praticados pelo padre.
“Eu achava que era uma missão, para mim, fazer com que ele se endireitasse e fosse para o caminho certo, e sendo um verdadeiro servo de Cristo. Mas ele não me ouvia, dizia que eu estava louco, que eu estava com uma ‘legião de demônios’. E eu sabia, sim, que ele fazia isso com outras pessoas, mas achava que era uma missão que Deus estava me dando”, relatou.
Ainda de acordo com o ex-funcionário, há muitas vítimas que não têm coragem de falar, com medo, por falta de condições financeiras e uma “família estruturada” para levar o caso adiante.
“Eu digo, porque eu convivi com ele, não foi ninguém que disse. Eu vivi com ele. Eu achava que era uma missão que eu tinha, de colocar ele no caminho certo. Mas, na verdade, ele se aproveitou disso também, da ingenuidade, do meu lado de querer aprender o lado religioso. Usou isso contra mim e fez uma psicologia reversa, [vamos] dizer assim”, afirmou o homem.
‘Princesinha, estarei na casinha’
Primeira pessoa a denunciar o padre, Sílvia Tavares disse que, horas antes do crime, na noite de 17 de agosto de 2022, recebeu um áudio do religioso em que ele dizia: “Princesinha, às 6h30, estarei na casinha. Tá certo?”.
Naquele dia, a personal stylist participava de um retiro na propriedade da Fundação Terra, conhecida como Fazenda Malhada. Sílvia contou que, às 6h, o motorista Jailson Leonardo da Silva a encontrou no refeitório e falou para ela entrar no carro dele porque os cachorros que viviam no local estavam “soltos”. Ela disse ainda que, antes de entrar na casa de taipa, tirou uma foto.
“Alguma coisa me dizia que… não sei. Alguma coisa me dizia: ‘Bata a foto, bata essa foto’. […] A cena que eu encontrei foi Airton deitado, de bruços, com o lençol de seda. E aí, eu olhei para ele e disse: ‘Padinho’, como eu chamava, ‘aconteceu alguma coisa? Tá precisando da minha ajuda?’. Aí ele chegou e disse: ‘Minha princesa, é o seguinte: eu passei a noite todinha pregando, rezando, principalmente por você, então eu queria uma massagem'”, relatou Sílvia.
Ela contou que respondeu ao padre que não sabia dar massagem, mas ele rebateu dizendo que o que ela fizesse já era “de grande serventia” porque estava “doendo muito”. “As pessoas me dizem assim: ‘Ah, mulher inocente’. Não. Porque, para mim, ele era um santo”, disse Sílvia.
“Eu me posicionei nas costas dele e comecei a fazer a massagem no ombro dele, e fui descendo, fui descendo. Quando cheguei no cóccix, eu percebi que ele estava sem nada. Aí eu pulei da cama. Quando pulei da cama, Jailson pegou a faca, botou no meu pescoço, me deu uma gravata e disse: ‘Quieta, se você colaborar, ninguém morre'”, contou.
Foi nesse momento, segundo Sílvia, que o padre começou a se masturbar e mandou o motorista praticar os abusos.
Relembre o caso
- Em maio, Silvia Tavares de Souza denunciou que foi estuprada pelo motorista de padre Airton, Jailson Leonardo da Silva, a mando do religioso;
- Segundo Silvia Tavares, o estupro aconteceu no dia 18 de agosto de 2022, em uma propriedade da Fundação Terra;
- Desde a denúncia, Padre Airton está suspenso das atividades religiosas;
- Padre Airton foi preso na sede da Fundação Terra, em Arcoverde, após o cumprimento de um mandado de prisão preventiva;
- Os advogados Mariana Carvalho e Marcelo Leal, que defendem Padre Airton, disseram que a prisão “surpreendeu” a defesa, e que vão tentar conseguir na Justiça um habeas corpus.