Visando fortalecer o combate ao tráfico de pessoas, a procuradora do Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT/AL) Marcela Dória apresentou o projeto “Liberdade no Ar” para trabalhadores do Aeroporto Zumbi dos Palmares. Acompanharam a apresentação realizada nesta quarta-feira (9) funcionários da operadora aeroportuária Aena Brasil, companhias aéreas, lojas e prestadores de serviços terceirizados.
Criado pelo Ministério Público do Trabalho, o projeto promove ações de conscientização de trabalhadores e viajantes em terminais de passageiros aeroportuários e rodoviários sobre a existência, os riscos, os indícios e as formas de denunciar o tráfico de pessoas. Além de palestras para funcionários como a ministrada pela procuradora do MPT/AL, a iniciativa conta com a veiculação de vídeos educativos nas telas dos terminais e uma websérie sobre o tema.
Segundo Marcela Dória, o tráfico de pessoas está diretamente ligado ao trabalho escravo contemporâneo. Forçadas a viajar em virtude de situação de vulnerabilidade, como é o caso de crianças e adolescentes, ou atraídas por promessas de oportunidade, as vítimas são levadas a ambientes laborais degradantes e em desconformidade com qualquer legislação trabalhista nacional ou internacional, restando presas por não terem como voltar.
A procuradora do MPT/AL explicou que a promessa de salário incompatível com a qualificação/ função de trabalho e destoante da realidade local e a ausência de assinatura de contrato de trabalho antes do deslocamento são indícios de que a oportunidade de emprego pode ser, na realidade, uma armadilha de arregimentadores do trabalho escravo.
“Os funcionários dos aeroportos devem observar se um dos passageiros fala em nome do outro, se está com o documento do outro ou se há sinais de violência, inclusive verbal. Caso se depare com uma situação suspeita, é preciso agir com empatia e atenção, sem provocar tumulto. E o mais importante: não agir sozinho. Deve-se procurar as autoridades competentes, como os agentes da Polícia Federal”, explicou Marcela Dória, que comanda a Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT/AL.
Testemunhas do tráfico
Após a apresentação do projeto, os trabalhadores presentes relataram episódios de tráfico de pessoas que testemunharam. Um funcionário da companhia aérea Gol disse que notou as agressões de um suposto pai com o filho, a ponto de fazer a criança gritar em virtude da violência. Diante da situação, o trabalhador acionou a Polícia Federal que levou os dois e mais uma mulher que os acompanhava para a Central de Flagrantes. Com o interrogatório e o levantamento de informações, constatou-se que se tratava de tráfico de uma criança.
Já um funcionário da DNATA Brasil, que presta serviços terceirizados para o aeroporto, relatou o caso de um trabalhador de uma companhia aérea que foi atraído por uma proposta vantajosa de emprego fora do país. “Nós o alertamos, perguntamos pelo contrato de trabalho. Isso porque já havíamos sido capacitados para situações assim. No final, acabou comprovado que era mais um episódio de tráfico de pessoas, dessa vez evitada”, relatou o funcionário.
O diretor do Aeroporto Zumbi dos Palmares, Adílson Pereira, comemorou a parceria com o MPT/AL na capacitação dos trabalhadores. “O tráfico de pessoa é um tema extremamente sensível para sociedade. O aeroporto corresponde à porta de saída, portanto o local adequado para falarmos a respeito do assunto. Tivemos hoje a primeira palestra. Teremos outras na sequência para nos aprofundarmos sobre o que pode ser feito para prevenir este crime”, disse o gestor.
O projeto
O projeto “Liberdade no Ar” foi inspirado na história da comissária de bordo estadunidense Shelia Fedrick, que salvou uma menina vítima de tráfico de pessoas, em 2011, após desconfiar do modo como o acompanhante dela a tratava durante o voo da Alaska Airlines, entre Seattle e San Francisco, nos Estados Unidos.
As ações do Liberdade no Ar foram coordenadas pela gerente do projeto, Andrea Gondim, e pela vice-gerente Cristiane Sbalqueiro. Dentre outras entidades, são parceiras do projeto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Internacional de Migração (OIM).
A iniciativa orienta-se pelo Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, conhecido como Protocolo de Palermo (promulgado no Brasil pelo Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004).
Contribui, ainda, para a implementação do III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto nº 9.440, de 3 de julho de 2018), especificamente na meta 6.6, que versa sobre a disponibilização de materiais educativos sobre tráfico de pessoas em plataformas digitais, e meta 6.7, que estimula a realização de campanhas de conscientização e sensibilização nas esferas federal, estadual e municipal.
Websérie
Em julho foi ao ar a segunda temporada da websérie Tráfico de Pessoas no Brasil, realizada pelo “Liberdade no Ar” e pela Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude (Asbrad), com apoio da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Dividida em 18 episódios com debates e pílulas do conhecimento, a websérie teve início em 2022 e foi exibida no canal da Asbrad no Youtube. Os episódios seguem disponíveis no canal.
Legislação
O Brasil ratificou o Protocolo de Palermo, por meio do Decreto nº 5.017/2004. O protocolo é um instrumento legal internacional que trata do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças.
O país também sancionou a Lei 13.344/2016, cujo texto inclui no Código Penal o crime de tráfico de pessoas, tipificado pelas ações de agenciar, recrutar, transportar, comprar ou alojar pessoa mediante ameaça, violência, fraude ou abuso, com a finalidade de remover órgãos, tecidos ou parte do corpo, submetê-la a condições análogas à escravidão, adoção ilegal e/ou exploração sexual.
Como denunciar
As denúncias contra o tráfico de pessoas e o trabalho escravo devem ser feitas por meio do Disque 100 e do Ligue 180, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Casos também podem ser denunciados ao MPT, pelo site www.prt19.mpt.mp.br ou pelo aplicativo MPT Pardal (disponível gratuitamente para Android e iOs).