Para forjar o crime de latrocínio, o professor Leonardo Nascimento Chaves, suspeito de mandar matar a própria esposa, a contadora Kaianne Bezerra Lima Chaves chegou a ajudar os dois executores do crime a carregar os itens roubados da casa para o carro da vítima. É o que aponta o depoimento do adolescente de 16 anos apreendido pela polícia por participação no crime.
Kaianne torturada e assassinada dentro de casa, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, no dia 26 de agosto. Uma das principais linhas de investigação da Polícia Civil é que o marido da vítima, Leonardo, tenha encomendado a morte para obter o valor do seguro de vida da contadora, de R$ 60 mil: R$ 30 mil pela morte e R$ 30 mil adicionais em caso de morte violenta.
A participação de Leonardo no crime foi admitida pelos outros dois envolvidos, o motorista de aplicativo Adriano Andrade Ribeiro e o adolescente de 16 anos, depois que a investigação obteve imagens em vídeo que registravam o encontro dos três no estacionamento de um shopping, momentos antes do homicídio.
No depoimento, o adolescente afirma que, durante o encontro no estacionamento, Leonardo orientou que os dois roubassem as alianças do casal e até mesmo outro anel que Kaianne usava em uma das mãos. Ele também teria indicado onde estava o pedaço de madeira que deveria ser usado para matar a esposa.
Conforme o depoente, Leonardo ajudou os dois a retirar os televisores da casa dos suportes nas paredes e também ajudou a colocar outros itens roubados, como cafeteiras, bebidas alcoólicas e perfumes, no carro de Kaianne.
Após ajudar os dois a colocar as coisas roubadas da casa, Leonardo teria combinado ainda para que os criminosos o amarrassem e o agredissem, para fazer com que ele parecesse uma vítima, assim como Kaianne.
Após reviravolta na investigação do caso, Leonardo foi preso na última quarta-feira (6). A investigação não foi concluída, e outras hipóteses para a motivação do crime não foram totalmente descartadas, disse ao Fantástico o delegado Gustavo Pernambuco.
Brigas por dívidas
Familiares de Kaianne, que tinha 35 anos, afirmam que a contadora já havia tentado se separar de Leonardo após conflitos por causa dos gastos do marido.
Uma parente da vítima, que preferiu não ser identificada, relatou que este seria o único atrito que chegou ao conhecimento da família. Fora isso, o casal demonstrava viver em aparente harmonia.
O único conflito entre os casal, conforme familiares, é que Leonardo gastava muito com coisas supérfluas.
“Segundo ela, ele gastava com muitas coisas assim supérfluas, besteiras, hobbies dele… Tipo colecionar carrinhos em miniatura, jogos eletrônicos. Mas essa foi a briga mais pesada que a gente já teve conhecimento, já teve acesso”, detalhou a parente em entrevista.
A quase separação também foi comentada por Luciano Moura Bezerra, tio de Kaianne. Ele detalha que a contadora tentava controlar os gastos enquanto Leonardo cometia excessos. Ele explica que a família não sabia que gastos eram esses ou a quem ele devia.
Comportamento do suspeito após o crime
Após a morte de Kaianne, familiares relatam que o suspeito participou do velório e do enterro e que continuou em contato com a família da esposa, prometendo dormir na casa da sogra e levando alguns dos pertences pessoais da vítima. Quando foi preso, Leonardo foi capturado após sair da casa da sogra.
Em entrevista, uma das familiares afirmou que, nos momentos iniciais do luto por Kaianne, Leonardo seria a última pessoa de quem os parentes desconfiariam por conta de uma convivência próxima e harmoniosa com ele.
“Assim que aconteceu o crime também, ele foi na casa dos familiares se dizendo muito arrasado, chorando, pedindo perdão por não ter conseguido proteger ela. Dizendo também que foi agredido e mostrando os hematomas. Mas depois, ligando os pontos, a gente percebeu que ele falava mais dele do que dela”, relata a parente.
A mulher também conta que, após as prisões dos dois homens envolvidos no crime, Leonardo não demonstrava interesse em acompanhar o caso. Segundo ela, ele pedia para que os familiares parassem de usar hashtags e marcar autoridades nas redes sociais cobrando a solução do caso.
Os esforços de Leonardo em chamar atenção para si e elementos estranhos na história que contava levantaram as suspeitas do tio de Kaianne. Ele conta que não era próximo de Leonardo e que ficou desconfiado em várias situações, chegando a ser repreendido pela esposa por fazer muitas perguntas.
O tio foi à residência do casal depois que o crime aconteceu. “E ele dizia: ‘Olha, me torturaram. Olha aqui, olha o meu pulso, (a marca) das amarras.’ E realmente tava marcado. Tinha uma marca roxa das amarras, só isso”, conta Luciano.
Um dos motivos para que ele desconfiasse foi quando Leonardo narrou ter ouvido a mulher dando as senhas de dez cartões e depois afirmou que nenhum cartão havia sido levado. Outra inconsistência foi o fato de o casal ter sido amarrado em cômodos diferentes da casa.
“A gente sabe que colocam é os dois juntos. E aí torturam um na frente do outro, que é pro outro ficar com pena e entregar logo tudo. Se o problema era dinheiro, era assim que teria que ser feito, pelo menos é o que a gente vê nos filmes”, comentou Luciano.
De acordo com o delegado Gustavo Pernambuco, Leonardo fez questão de procurar a Delegacia Metropolitana de Aquiraz para realizar o exame de corpo de delito. A motivação poderia ser para deixar comprovado que ele também havia sido agredido na ação.
As investigações também apuraram que Leonardo estava de passagens compradas para ir a Portugal. Ao ser perguntado, ele teria explicado que havia feito um acordo com Kaianne para que, caso um deles dois morresse, o sobrevivente jogaria as cinzas do outro em um lugar de Portugal. Segundo o delegado, a viagem poderia ser uma tentativa de fuga.
Reviravolta no caso
A morte de Kaianne Bezerra começou a ser investigada como um latrocínio, nome usado para roubos seguidos de homicídio.
Na madrugada do sábado, 26 de agosto, dois homens invadiram a residência do casal, amarraram e agrediram os dois. Kaianne foi atingida com um pedaço de madeira e não resistiu aos ferimentos. Ela também levou socos em diversas partes do corpo e foi sufocada com o uso de um travesseiro.
Três dias após o crime, a Polícia Civil prendeu duas pessoas apontadas como executoras do latrocínio. O motorista de aplicativo Adriano Andrade Ribeiro, de 39 anos, foi encontrado com pertences da vítima em um imóvel do bairro Jardim das Oliveiras, em Fortaleza. No mesmo dia, foi feita a apreensão do adolescente de 16 anos em uma residência no bairro Tancredo Neves.
Segundo o delegado Gustavo Pernambuco, diversos fatores levaram à reviravolta no caso, que passou a ter a principal linha de investigação a hipótese de que Leonardo tenha sido o autor intelectual de feminicídio com intenção de obter o dinheiro do seguro de vida.
Ao tentar reconstituir os acontecimentos de antes do crime, os depoimentos dos dois envolvidos e de Leonardo tinham divergências.
Houve desconfiança quanto à facilidade que os dois homens tiveram para entrar na casa, além do excesso de informações que eles tinham para realizar a ação.
Ter as duas vítimas amarradas em cômodos diferentes demonstrou uma dinâmica diferente em relação aos casos de latrocínio.
Como os executores usaram um carro de aluguel com GPS, foi possível identificar que eles estiveram no estacionamento de um shopping antes do crime. As imagens em vídeo revelaram o encontro deles com Leonardo, que durou cerca de dez minutos.
“Ali a gente descobriu que tudo o que estava sendo passado tratava-se de uma farsa, de um teatro que provavelmente foi feito pelo marido da vítima”, detalha o delegado. Ao confrontar os dois homens detidos sobre o encontro com Leonardo, eles confessaram o envolvimento do marido da vítima.
Outro detalhe apurado na investigação foi que o que Leonardo teria prometido aos dois homens envolvidos. No primeiro momento, eles poderiam levar qualquer objeto da residência. Posteriormente, eles receberiam uma parte do seguro de vida de Kaianne.