Nesta terça-feira, após a segunda etapa da Operação Maré, o Governo do Estado informou que “foi devolvida à comunidade” a área de lazer usada por traficantes até para treinamento de criminosos fora do Rio. No entanto, desde agosto, uma emenda parlamentar do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) foi acertada para custear um projeto esportivo no mesmo local. O espaço já tem, inclusive, um banner anunciado “atividades gratuitas” no local com a parceria do Instituto Realizando o Futuro e o Ministério do Esporte.
O convênio entre a ONG responsável pelo projeto e o Ministério do Esporte foi assinado em agosto após a liberação da emenda parlamentar. O deputado Sóstenes Cavalcante acertou dedicar R$ 6 milhões aos responsáveis pelo projeto para custear esse e outros 35 núcleos do instituto no Rio. No Complexo da Maré, as atividades ainda não iniciaram.
Procurado pelo EXTRA, o deputado disse que sequer sabia da utilização do espaço por criminosos no ano passado. Após as imagens divulgadas pelo Fantástico, da TV Globo, o governo federal e estadual firmaram uma parceria que vai envolver 300 homens da Força Nacional e integração das inteligências.
— Minha equipe foi procurada pela associação de moradores dizendo que o espaço estava disponível. Com a documentação certa, nós topamos. No ano passado, nós tocamos um projeto no Campo São Cristóvão. Mas nesse espaço é a primeira vez. Eu nem costumo entrar nas comunidades como deputado, na maior parte das vezes vou como pastor — diz o deputado.
No início do ano, a associação de moradores já havia oferecido o espaço para o funcionamento do projeto Ellos Esporte, financiado pelo deputado em parceria com o Instituto Realizando o Futuro e o Ministério do Esporte. As atividades do projeto ainda não começaram pela demora no repasse da verba, mas devem começar oficialmente na próxima semana.
A equipe se estabeleceu no local no início de outubro. O espaço já tinha sido reformado e o único reparo feito pelo projeto, segundo o coordenador Gustavo Dutra, foi uma pintura no portão. O material de exercícios foi doado, assim como pranchas e outros objetos.
— A presidente da associação de moradores nos disse que esse espaço foi construído por uma empresa, em 2011, para ofertar um espaço de fazer para quem mora na região. Teve um projeto de esportes aqui de 2012 a 2020. Mas ficou sem nenhum recurso depois disso. No início do ano, surgiu a possibilidade de ocuparmos o espaço e aceitamos — diz Dutra.
Segundo ele, toda a responsabilidade pela conservação do espaço é feita pela associação de moradores. O projeto espera receber de 200 a 500 pessoas por mês. O EXTRA procurou a direção do Instituto para saber quanto o projeto vai custar, mas ainda não obteve resposta.
Procurado, o Ministério do Esporte informou, por meio de nota, que “os projetos apoiados pelo Ministério do Esporte buscam beneficiar, preferencialmente, cidadãos que residem em locais periféricos e que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Respeitando as exigências legais, a indicação dos locais e instituições atendidos cabe ao parlamentar responsável pela emenda”.
O ministério informou, ainda, que “o valor referente ao projeto em questão foi repassado à entidade pela gestão anterior do ministério, em agosto de 2023. Até o momento, as atividades previstas para o núcleo esportivo da Maré não foram iniciadas”. A pasta afirmou, por fim, que acompanha o caso e, se for constatada qualquer situação que inviabilize a execução da política pública, pode ser pedida a devolução do recurso.
Investigação de dois anos
A polícia descobriu o centro de treinamento do tráfico durante uma investigação que durou dois anos. Imagens feitas com drones mostraram a movimentação numa área que poderia ser usada para lazer de moradores da Maré.
Instrutores foram flagrados ensinando homens armados com fuzis. Algumas das práticas era semelhantes às usadas pelas forças de segurança. A área onde o treinamento ocorria tem uma quadra e também uma piscina.
A cena de bandidos tendo aulas de guerra levou o governo federal a oferecer o apoio da Força Nacional, que ficará nos arredores do complexo controlado por três grupos criminosos.
De acordo com as investigações, a Maré se tornou abrigo para traficantes de outras favelas. Até chefes de quadrilhas de outros estados foram presos no complexo, onde está instalado um batalhão da PM. E não é só o tráfico que move as quadrilhas que dominam a região. Em julho, uma operação das polícias Civil e Militar no conjunto apreendeu 25 carros roubados, entre eles um Porsche avaliado em R$ 479 mil. Um dos veículos usava uma placa com o nome de uma facção.