Nesta sexta-feira (27), em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “dificilmente” o governo vai conseguir alcançar a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. A declaração, que repercutiu mal no mercado financeiro e em setores do Congresso, demonstra que o governo vem encontrando dificuldades maiores do que imaginava para cumprir sua meta.
O “déficit zero”, ou seja, um equilíbrio nas contas públicas, sem resultado negativo nem positivo, está previsto no arcabouço fiscal, nova regra aprovada neste ano para o controle de despesas governamentais.
Também consta no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), do e no projeto de Orçamento (PLOA) para 2024. As propostas foram enviadas pelo Executivo ao Congresso Nacional e ainda precisam ser aprovadas pelos parlamentares.
“Eu sei da disposição do Haddad, sei da vontade do Haddad, sei da minha disposição. Já dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero”, afirmou Lula.
Em 2023, o déficit deve ficar em torno de R$ 140 bilhões.
Entenda abaixo os obstáculos com os quais o governo está se deparando:
Receitas
A promessa da equipe econômica de zerar o déficit em 2024 depende de um aumento significativo de arrecadação no próximo ano. Serão necessários R$ 168 bilhões em receitas extras .
Em agosto, ao enviar ao Congresso Nacional a proposta de Orçamento para 2024, o governo já apresentou a lista de medidas necessárias para impulsionar a arrecadação
Só que parte delas ainda precisa ser aprovada pelos parlamentares para entrar em vigor. É o caso, por exemplo, do fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio, que pode render R$ 10,5 bilhões ao Executivo no próximo ano.
Além disso, as medidas podem sofrer alterações durante a tramitação no Congresso, levando a uma frustração das projeções iniciais de arrecadação.
Queda de arrecadação
Nesta sexta-feira, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, admitiu que o cenário para as contas do governo em 2024 se tornou “mais desafiador” por conta do cenário externo – que tem reduzido o preço das “commodities” (produtos básicos) e gerado perda de arrecadação federal.
“Estamos fazendo um processo de análise acurada seja das medidas, seja do cenário externo […], para os ministros tomarem as melhores decisões. Não há decisão de alteração [da meta de déficit fiscal zero], mas há um cenário mais desafiador por conta do cenário externo”, declarou Ceron.
Relação com o Congresso
Na última quarta-feira (25), a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que prevê a taxação das offshores (investimentos no exterior) e dos fundos exclusivos (fundos de investimento para pessoas de alta renda) – medidas que compõem o pacote do governo para elevar a arrecadação em 2024.
Porém, houve atraso na votação do projeto — o que, de acordo com parlamentares, estava atrelado à demora nas indicações para a Caixa Econômica e para a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), o que incomodava alguns partidos.
Segundo o blog do Valdo Cruz, a troca no comando da Caixa (anunciada horas antes da votação da matéria) foi suficiente para pacificar neste momento as relações do governo com o Centrão — bloco de partidos que tradicionalmente apoia o governo federal em troca de cargos e recursos do orçamento público.
Mas nada impede uma nova disputa por cargos e, consequentemente, mais atrasos em votações.
Revisão de despesas
Especialistas avaliam que sem corte de despesas, será mais difícil atingir a meta de zerar o déficit em 2024.
Além disso, embora o arcabouço fiscal traga um espaço maior para despesas, ainda pode haver uma compressão dos chamados “gastos livres” dos ministérios, com impacto em políticas públicas. Para evitar esse cenário, também seria importante conter gastos.
Despesas ‘subestimadas’
Segundo projeção do pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes, existem despesas subestimadas na proposta de Orçamento para 2024, por exemplo, os gastos com benefícios previdenciários.
Ou seja, o governo federal precisaria desembolsar no próximo ano mais recursos do que planejado.
A proposta de Orçamento prevê cerca de R$ 914 bilhões para despesas previdenciárias. Na estimativa do especialista, seriam necessários ao menos mais R$ 16 bilhões para essa categoria, considerando o impacto do reajuste do salário mínimo no valor dos benefícios e a fila de pedidos que estão represados.