Uma denúncia alertou que policiais militares torturavam pessoas em situação de rua em Itajaí, no Litoral Norte de Santa Catarina horas antes da ação ilegal que expulsou um grupo da cidade, . O documento foi encaminhado à corregedoria da Polícia Militar, na tarde de segunda-feira (30), pelo Centro de Direitos Humanos de Itajaí (CDHI).
A notificação cita tortura, agressões com barra de ferro e ameaças de morte pelo menos desde 2022. O Comando-geral da PM foi questionado sobre a denúncia, e afirmou que não vai se pronunciar até a averiguação do inquérito instaurado para apurar a ação durante a madrugada.
O episódio que obrigou a população em situação de rua a sair de Itajaí foi flagrado em vídeo. A gravação mostra o momento em que ao menos cinco viaturas da PM escoltam o grupo, que também relatou agressões dos militares, até a divisa de Balneário Camboriú, na mesma região.
O comando da instituição na cidade informou que a ação foi feita à revelia. O governador Jorginho Mello pediu apuração dos fatos, informou a assessoria.
Em depoimentos à NSC TV, as pessoas em situação de rua expulsas da cidade afirmaram que foram obrigadas pelos policiais militares a sair do município, caminhando pela BR-101 na madrugada de terça (31). Cerca de 40 pessoas foram encontradas pela assistência social de Balneário Camboriú, que faz divisa com Itajaí.
Em nota, o CDHI manifestou solidariedade com as vítimas da violência e destacou que, em infeliz coincidência, encaminhou na segunda, ao 1º Batalhão da PM, uma denúncia sobre “supostos atos de tortura praticados por policiais militares na cidade” (leia outro trecho abaixo).
“Recebemos denúncias diretamente de órgãos públicos de saúde municipais sobre a ocorrência de violação dos diretos humanos e fundamentais às pessoas em situação de rua, disse o órgão.
Na manifestação, a entidade também diz que as violências foram registradas por profissionais da saúde que acolheram as vítimas.
Identificamos possível abuso de autoridade, materializado por práticas como golpes com barra de ferro e ameaças de morte, em abordagens que sequer tinham motivação para serem feitas”, informou.
Ainda, conforme o centro, os relatos apontam que as violências acontecem desde 2022 e se intensificaram nos últimos meses de 2023.
Com o caso da ação ilegal da PM vindo à tona, o centro enviou um ofício à promotoria de Justiça e acionou a Comissão de Monitoramento de Violações em Direitos Humanos do Conselho Estadual de Santa Catarina.
“Como colocado por um dos denunciates, estamos diante de uma operação de “limpa”. É um caso de higienismo, discriminação, mediado por crueldade e brutalidade contra uma parcela extremamente vulnerável da populaçãpo itajaiense”, escreveu a entidade.
Conforme a advogada Maria Helena Spronello, integrante da entidade, os casos devem ser investigados pelo Ministério Público do estado juntos. O centro é uma ONG que existe de forma independente desde 1984 na cidade.
Segundo o 1º Batalhão da PM, não havia nenhuma operação oficial em curso na madrugada de terça-feira e a ação foi feita à revelia, sem conhecimento do comando (leia a íntegra da nota no fim do texto). A PM disse que apura o fato, mas não detalhou se agentes foram afastados. Um vídeo mostra viaturas da PM escoltando o grupo.
Nesta quarta, a OAB pediu esclarecimentos sobre a ação de terça e destacou repudiar com veemência o episódio. “violações de direitos básicos da população em situação de rua não condizem com a sociedade que buscamos” (leia a íntegra da nota no fim do texto).
Prefeitura de Balneário Camboriú atendeu grupo
Na ação de terça-feira, que motivou a nota do CDHI, a prefeitura de Balneário Camboriú esclareceu que encontrou o grupo por volta das 3h, quando recebeu informações de que pessoas foram levadas pela PM e abandonadas na BR-101 com sinais de agressão. A abordagem social do município atendeu o grupo.
Procurada pela reportagem, a prefeitura de Itajaí também informou que, ao saber do caso pela imprensa, encaminhou uma equipe para levar as pessoas ao centro pop da cidade, por volta das 8h30. No início da tarde, 18 pessoas estavam no espaço.
O g1 também entrou em contato com o Comando-Geral da PM, que informou que as respostas seriam dadas apenas pelo comando local. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou que recebeu denúncia e analisa o caso.
O que diz a PM
Sobre a informação de que pessoas em situação de rua foram retiradas da cidade de Itajaí sendo conduzidas até a BR 101, o 1º Batalhão de Polícia Militar esclarece que:
1. Não se tratava de uma operação policial institucional e integrante de planejamento prévio, tendo sido feita à revelia e sem conhecimento do Comando do Batalhão;
2. As operações pela Polícia Militar que tem como foco as pessoas em situação de rua são realizadas em conjunto com outros órgãos, em especial a Assistência Social, a fim de assegurar as garantias fundamentais e dar o correto encaminhamento dentro do rol de direitos que estas pessoas possuem;
3. Por fim, ressaltamos que este fato será apurado mediante IPM (Inquérito Policial Militar), para saber os motivos em que tal situação ocorreu; bem como, após a conclusão das devidas investigações, os responsáveis possam ser identificados e devidamente responder perante a legislação vigente a cerca de seus atos.
O que diz a prefeitura de Itajaí
A Secretaria de Assistência Social realizou na manhã desta terça-feira (31) o atendimento do grupo de pessoas em situação de rua que estava às margens da BR-101. Todos estavam em Itajaí e já eram usuários dos serviços assistenciais do município. Dezoito pessoas estavam no local durante a abordagem e foram encaminhadas ao Centro POP para acolhimento, repouso, alimentação, higiene e atendimento técnico com psicóloga e assistente social. Nenhum deles aceitou encaminhamento para comunidade terapêutica ou quis auxílio para contatar familiares para restabelecimento de vínculos. Todos optaram por permanecer em situação de rua.
No primeiro semestre deste ano, a Assistência Social realizou mais de 5 mil atendimentos nas ruas e em outros espaços de acolhimento da cidade. Diariamente, cerca de 140 pessoas em situação de rua são atendidas no Centro POP. Essas pessoas são recorrentes e são acompanhadas pelas equipes para tentar reverter o quadro em que se encontram, em sua maioria com vínculos familiares rompidos e com dependência química. Entre os serviços oferecidos está o atendimento psicológico e assistencial, o encaminhamento para comunidades terapêuticas, o contato com familiares e o encaminhamento quando a família aceita receber a pessoa. Além disso, é fornecido todo o suporte básico para garantir a dignidade dessas pessoas, como espaço para banho, roupas, lanche e espaço para repouso. O local funciona de segunda a sexta, das 6h às 18h.
Além do Centro POP, os educadores sociais da Abordagem Social trabalham de segunda a sexta, das 7h à meia-noite, e nos fins de semana, das 7h às 19h, no atendimento de pessoas em situação de rua para conscientização e encaminhamentos necessários. A abordagem pode ser acionada pelo número (47) 99919-8961.
O que disse a OAB de Santa Catarina
OAB/SC pede esclarecimentos e emite nota oficial sobre Operação clandestina que resultou na agressão a pessoas em situação de rua em Itajaí.
“A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina, por intermédio de sua Comissão de Direitos Humanos, vem a público repudiar com veemência o episódio ocorrido na madrugada de terça-feira, na divisa entre os municípios de Balneário Camboriú e Itajaí, envolvendo cerca de 40 pessoas em situação de rua e policiais militares.
As violações de direitos básicos da população em situação de rua não condizem com a sociedade que buscamos e com a missão institucional da OAB de zelar pela defesa dos direitos humanos e pela ordem democrática. A OAB/SC reitera seu compromisso com a busca pelo acesso de todos os cidadãos às mesmas condições de igualdade, direitos e justiça social.
Nesse mesmo sentido, a OAB/SC presta total solidariedade às vítimas e comunica que está empreendendo todos os esforços necessários para apuração dos fatos e responsabilização dos policiais envolvidos. Enviamos ofício ao Comando da Polícia Militar de Santa Catarina solicitando o acompanhamento institucional do caso.
Este lamentável episódio só reforça a necessidade de voltarmos um olhar mais humanizado à população em situação de rua e nos mostra a importância da promoção permanente de políticas públicas de amparo social adequado a essas pessoas.
Confiante nas instituições, esperamos que haja a necessária apuração dos fatos e punição exemplar dos envolvidos, para que esse humilhante caso não se repita e para que possamos continuar construindo um país justo, democrático e verdadeiramente igualitário”.