A reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado tem preocupado, de forma geral, o setor de serviços. A leitura de entidades da área é que o texto irá impactar de maneira diferente as diversas atividades que compõem o segmento.
O novo parecer, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, manteve a base do texto aprovado pela Câmara, mas apresentou mudanças em relação à versão anterior.
A proposta será votada nesta terça-feira (7) na CCJ.
Entre os trechos preservados, está o que prevê um regime diferenciado de tributação para serviços como o de hotelaria, parques de diversão, parques temáticos, bares, restaurantes e aviação regional. A novidade nessa parte do texto é a inclusão de agências de viagens e turismo.
Continuaram de fora desse trecho as grandes companhias aéreas, que já vinham pleiteando inclusão no regime de alíquota diferenciada. O setor, no entanto, foi mencionado em outra parte da proposta, o que, na visão da associação que representa as empresas aéreas, trata-se de uma “sinalização positiva”.
Na prática, os regimes diferenciados de tributação significam, na maioria dos casos, pagar menos impostos. É por isso que setores da economia buscam entrar nas exceções da reforma tributária.
Em meio às mudanças propostas pela reforma, o g1 conversou com representantes de segmentos e especialistas para entender os impactos nas atividades. Os destaques são:
- Bares e restaurantes, incluídos no texto como exceções, preveem melhora na situação financeira — o que não significa, entretanto, que haverá queda no preço ao consumidor;
- De acordo com a Abrasel, a melhora no ambiente irá apenas ajudar o segmento a se recuperar das perdas com a pandemia e a “manter as portas abertas”;
- Empresas aéreas, por outro lado, projetam aumento de 315% na carga tributária da atividade caso não sejam efetivamente contempladas no regime de exceções;
- Segundo a Abear, o acréscimo de impostos pode resultar em uma alta de R$ 11 bilhões por ano em pagamentos pelas empresas aéreas;
- O impacto, diz a associação, seria um “custo insustentável para o setor” e para quem quer “seguir voando ou acessar o transporte aéreo pela primeira vez”;
- A Central Brasileira do Setor de Serviços calcula alta generalizada, com impactos diferentes para cada segmento — exceto os de regimes especiais.
- Por outro lado, especialista afirma que a nova legislação pode até afetar um pouco os preços dos bens e serviços adquiridos pelas famílias, mas manterá, na média, a tributação atual.
Os impactos sobre bares e restaurantes
A inclusão desses estabelecimentos no regime diferenciado de tributação foi comemorada pelo setor. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, a medida pode representar um alívio em um cenário em que cerca de 50% dos estabelecimentos operam sem lucro.
“É um setor que, hoje, usa 10% de seu faturamento para pagar dívidas que se acumulam desde a pandemia. Se não houvesse essa compreensão — essa decisão de adotar o padrão mundial de reduzir a alíquota —, seria um caos para o setor”, diz Solmucci.
Ele se refere à inclusão de bares e restaurantes em uma alíquota específica, ainda a ser definida em lei complementar — o que deve manter a atividade de fora da cobrança do percentual cheio dos dois IVAs (Impostos sobre Valor Agregado) propostos na reforma.
A alíquota total de cobrança dos IVAs deve ser definida apenas após a aprovação da reforma. A expectativa, no entanto, é que chegue a algo em torno de 27,5%, conforme admitiu Haddad, diante das exceções aplicadas no texto. A divisão dos IVAs será da seguinte forma:
O texto prevê um período de transição de sete anos (entre 2026 e 2032) para unificar os tributos. A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos.
Segundo Solmucci, 40% dos bares e restaurantes têm dívidas atrasadas, sendo que 82% estão devendo impostos federais, por exemplo. Nesse cenário, o otimismo com o texto da reforma é no sentido de recuperar o setor após as perdas causadas pela pandemia. Isso, no entanto, não significa necessariamente que haverá uma queda de preços ao consumidor.
“A expectativa é que gere produtividade, queda no custo de aquisição de itens junto à indústria e que ajude na margem [de lucro], com redução do endividamento”, diz. “Não vejo em um primeiro momento o repasse do preço [ao consumidor], porque estamos operando sem lucro”, disse o presidente da Abrasel.
“[A reforma] vai ajudar a manter o bar que a gente tanto gosta de portas abertas”, conclui Solmucci.
Levantamento da Abrasel com base em dados da Pnad Contínua, do IBGE, aponta que há 5,5 milhões de trabalhadores no setor, além de outros 1,9 milhões de empreendedores.
Impasse para as aéreas
A versão da reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados não agradou a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear).
De acordo com a entidade, a proposta criava uma “distorção” ao tratar todos os modais de transporte público de passageiros com uma alíquota reduzida, exceto o aéreo. No texto, havia citação apenas da aviação regional.
O especialista em Direito Aeronáutico Felipe Bonsenso explica que a aviação regional é aquela que utiliza aeronaves de até 60 assentos em rotas consideradas “secundárias” e de no máximo duas horas de duração.
“São voos que atendem a cidades que não são contempladas pelas grandes rotas aéreas. Ou seja, são rotas que não incluem São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador, por exemplo”, explica. “Há uma certa discussão pois, hoje, basicamente só a [companhia aérea] Azul explora essas rotas, com aeronaves menores”, diz.
A Gol e a Latam são representadas pela Abear, enquanto a Azul não é associada. Questionada sobre os possíveis impactos da reforma, a companhia informou que não irá se manifestar.
O novo parecer apresentado pelo senador Eduardo Braga à CCJ, no entanto, agradou a associação das aéreas.
“O relatório trouxe uma sinalização positiva para o setor aéreo ao incluí-lo no rol de atividades sujeitas ao regime especial de tributação. A alteração é importante, uma vez que permitirá uma discussão mais aprofundada sobre a alíquota e regras de creditamento”, diz a presidente da Abear, Jurema Monteiro.
Um estudo encomendado pelo setor aéreo projeta aumento de 315% na carga tributária da atividade caso não seja contemplada em um regime especial de tributação. O resultado seria um acréscimo de R$ 11 bilhões por ano em pagamentos pelas empresas aéreas.
O receio é que, com isso, haja um repasse para os passageiros, que já vivem um cenário de preços elevados no segmento em comparação com anos anteriores.
O preço médio da passagem de avião atingiu, em 2022, o maior valor na série histórica da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), iniciada em 2011.
Segundo os dados da Anac, a tarifa média no ano passado foi de R$ 644,5. O valor é R$ 113 mais caro que o de 2021, e R$ 126 maior que o de 2019, antes da pandemia. Considerando a média mensal, o preço ficou em R$ 572 em fevereiro de 2023.
A associação das empresas aéreas acredita que, caso não seja contemplada em regime especial pela reforma, as companhias terão que enxugar suas operações. Atualmente, são estimadas mais de 2.200 decolagens por dia no país.
Na prática, conforme disse a presidente da entidade após a aprovação do texto na Câmara, significaria diminuir a frota de aviões e o número de empregos que geram diretamente.
“Nosso pleito é um tratamento isonômico para o transporte coletivo de passageiros no Brasil. É estarmos enquadrados com os demais transportes para que o brasileiro possa escolher ônibus ou avião, conforme preferir.”
Alíquota reduzida e tratamentos diferenciados
O texto em tramitação no Senado estabelece a redução das alíquotas dos dois IVAs para determinados bens e serviços, além de criar outros tratamentos diferenciados de tributação — que devem ser definidos em lei complementar.
Vários setores devem ser beneficiados com alíquotas menores de tributos sobre o consumo. Entre eles:
- serviços de transporte público coletivo urbano;
- medicamentos;
- serviços de saúde;
- serviços de educação;
- produtos agropecuários.
Já profissionais liberais, como advogados, engenheiros e contadores, por exemplo, devem ter uma alíquota diferenciada, de 70% da tributação geral de todos os setores.
O texto analisado pelo Senado define que esses benefícios a setores da economia sejam revisados a cada cinco anos com base em metas de desempenho econômicas, sociais e ambientais, entre outros.