O governo, setores produtivos e economistas divergem sobre impactos da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos. O presidente Lula vetou integralmente o projeto de lei que havia sido aprovado pelo Congresso.
A desoneração da folha permite a empresas de 17 setores substituírem a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5%. Todos esses setores empregam, atualmente, cerca de 9 milhões de trabalhadores.
Entre as 17 categorias beneficiadas pelo projeto estão serviços de tecnologia da informação, call center, comunicação, transportes rodoviários de cargas, rodoviário de passageiros urbano e metroferroviário, indústria de calçados, confecções, têxtil, proteína animal, máquinas e equipamentos e construção civil.
“Empregos prejudicados”
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, afirmou que o veto “implica diretamente na redução de postos de trabalho e vai na contramão da necessidade do país de geração de emprego”, disse.
Tanto a CBIC quanto a Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática (Feninfra) defenderam a derrubada do veto presidencial pelo Congresso.
A presidente da Feninfra, Vivien Mello Suruagy, afirmou que o fim do benefício coloca em risco a sobrevivência das empresas e os empregos dos trabalhadores. A executiva acredita que muitas companhias do setor devem rever planos de investimento e expansão a partir de 2024.
“Apenas na área de abrangência da Feninfra, 400 mil postos de trabalho podem ser fechados em dois anos, sem a continuidade da desoneração. Os custos com a folha de pagamento iriam triplicar e as empresas não teriam como absorver esse aumento”, complementou. O setor de telecomunicações emprega 2,5 milhões de pessoas.
A redução do imposto previdenciário dos 17 setores gerou de 2018 a 2022 a contratação de 1,2 milhão de postos de trabalhos formais, com carteira assinada, segundo Eric Garmes de Oliveira, presidente do Sindicato das Empresas de Cobrança e Recuperação de Crédito no Estado de São Paulo (Secobesp) e CEO da Paschoalotto, uma das empresas líderes de setor de telesserviços (call center) no Brasil.
“Os 17 setores juntos mantêm 9 milhões de empregos diretos, lembrando que a desoneração da folha foi criada para manutenção de empregos e geração de novos postos de trabalho especialmente para os setores da economia que têm mão de obra intensiva, a desoneração de folha atingiu seu objetivo.” diz Eric.
“Cara e ineficiente”
Economista-chefe da Ryo Asset Gabriel de Barros afirma que “existem múltiplos estudos aplicados demonstrando que a desoneração da folha desde a sua concepção é cara e ineficiente”.
“Ao invés de exceções para um grupo de setores econômicos, o mais correto do ponto de vista econômico é que a política seja horizontal, valha para todos, sem exceção”, disse o economista.
Artigo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, que outros setores empregam mais que estes 17. Além disso, aponta que os desonerados cortaram postos formais nos últimos dez anos, na contramão dos demais.
Na Pnad de 2022, nenhum dos setores desonerados figuravam entre os sete que ocupam mais da metade dos trabalhadores no Brasil. Entre os setores que concentram a maioria dos contribuintes da Previdência Social, apenas o sexto (transporte terrestre) tem folha desonerada.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados reitera a visão de que não há dados que apontem o ganho do emprego com a desoneração. Ele destaca, por outro lado, que o ajuste fiscal do governo por meio de arrecadação leva prejuízo à discussão.
“Seria razoável buscar alternativas para desonerar a folha de trabalho que fossem mais efetivas e gerais. O problema é que o governo se colocou numa posição de não poder perder nenhuma arrecadação”, aponta.
Uma análise de Fernando Veloso, PhD em Economia pela University of Chicago e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostrou ainda no ano de 2020 que, embora a ideia de desonerar a folha tenha méritos, a concepção e implementação precisa ser feita com muito cuidado e atenção aos detalhes, para que a desoneração tenha o efeito desejado de estimular contratações formais e um impacto fiscal que não coloque em risco a situação das contas públicas.
Avaliações da política de desoneração da folha de salários introduzida em 2011 indicam, de acordo com Fernando Veloso, que seus efeitos sobre a geração de emprego foram modestos e que o custo de cada posto de trabalho criado foi bastante elevado, segundo Fernando.
O pesquisador do Ibre cita estudos como o de Jonathan Holmes Gruber, professor americano de economia no Massachusetts Institute of Technology, que explica que na redução de encargos previdenciários sobre a folha no Chile houve um aumento de salários, mas sem qualquer impacto no emprego.
Já na Colômbia, em 2012, a desoneração introduziu mudanças legislativas que reduziram a contribuição patronal sobre a folha de 29,5% para 16% ao longo de dois anos, para trabalhadores com salário menor que dez vezes o salário mínimo e empregadores com mais de dois empregados.
Lá esses estudos mostram que essa reforma estimulou a formalização de trabalhadores com baixos salários.
“Correção de distorções tributárias”
Nesta sexta-feira (24), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o veto faz parte de uma “correção de distorções tributárias para recompor base que foi erodida ao longo dos últimos anos”.
Haddad ressalta que a União perdeu 1,5% do PIB com gastos tributários. “Vamos continuar a combater gastos tributários para corrigir o déficit”. Segundo ele, a desoneração vetada envolve R$ 25 bilhões em renúncias fiscais.
O economista e especialista em contas públicas Murilo Viana reitera que pesquisas mostram a baixa efetividade da política, mas diz que isso não tira a legitimidade da demanda dos setores. “São setores com alta intensidade de mão de obra e que, portanto, sofrem impacto substancial”.
O atual modelo de desoneração perde a validade em dezembro deste ano. O projeto prorroga esse modelo até 31 de dezembro de 2027. O texto original previa que a desoneração seria voltada apenas ao setor privado.
O projeto também inclui a desoneração da folha de pagamento de municípios com menos de 142,6 mil habitantes. Eles podem ter a contribuição previdenciária reduzida de 20% para 8%, variando de acordo com o Produto Interno Bruto (PIB) per capita.