No cenário marcado pela resistência dos remanescentes do Quilombo dos Palmares, as comunidades quilombolas do Baixio do Tamanduá e Alto do Tamanduá, situadas nos municípios de Santana do Ipanema e Poço das Trincheiras, respectivamente, abriram suas portas para receber a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco no primeiro dia de uma atuação integrada que visa levar políticas públicas às comunidades tradicionais no semiárido alagoano.
As raízes dessas comunidades remontam aos tempos da destruição de Palmares, ainda no século XVII, por Domingos Jorge Velho, o bandeirante que caçava escravizados fugitivos. Sobreviventes do Quilombo dos Palmares formaram os quilombos Jorge, Alto do Tamanduá e o Baixio do Tamanduá, que mais recentemente recebeu a certificação pela Fundação Palmares.
A Equipe Comunidades Tradicionais, coordenada pelo antropólogo do Ministério Público Federal Ivan Farias, contou com a participação do procurador da República Érico Gomes, um dos coordenadores da FPI, que destacou a importância desse contato com as populações quilombolas como indutor de políticas públicas. E nesta incursão, os componentes da equipe mergulharam na realidade dessas comunidades. Foi identificada uma série de desafios que impactam diretamente a qualidade de vida dos quilombolas.
Baixio do Tamanduá – A precariedade no abastecimento de água é uma constante, sendo necessário que as famílias carreguem baldes de água por longos trajetos várias vezes por dia, com sorte alguns conseguem transportar com carroças. A escola, distante 30 minutos da comunidade, é um desafio para a comunidade que sonha com a reabertura da escola na comunidade, uma vez que crianças muito pequenas, algumas com apenas 3 anos de idade, precisam enfrentar esse trajeto diariamente. E mais, mesmo existindo adultos analfabetos, a comunidade não dispõe de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O posto de saúde da comunidades do Baixio do Tamanduá presta atendimento básico e conta com equipe volante, enfrentando dificuldades na marcação de exames de média e alta complexidade.
A falta de oportunidades de emprego na região leva os jovens a se submeterem a trabalhos degradantes em outras localidades, visto que a falta de qualificação e oportunidades limita suas opções. Aqueles que são agricultores e que gostariam de trabalhar na própria lavoura carecem de apoio técnico para a agricultura, uma vez que a região tem a escassez de água como marca.
No Baixio, a ausência de infraestrutura básica é evidente: falta de água encanada, ruas sem pavimentação, coleta de lixo inexistente, iluminação pública precária e carência de opções esportivas para a população. Diferentemente dos quilombos em Poço das Trincheiras, o Baixio enfrenta um quadro desafiador.
A Equipe Sede de Aprender concentrou suas visitas em escolas da região. Na Escola Ismael Fernandes de Oliveira, em Santana do Ipanema, a falta d’água é um desafio diário, enfrentado pela comunidade que depende de carros-pipa para suprir suas necessidades básicas. O deslocamento com água, realizado por baldes carregados na cabeça por longas distâncias, é uma realidade.
Na Escola Municipal Alexandre Fernandes, em Poço das Trincheiras, a situação é crítica, com a reforma paralisada, infiltrações, goteiras, e uma lista extensa de problemas estruturais. A comunidade precisa da retomada das obras com urgência.
Alto do Tamanduá – Por outro lado, o Quilombo Alto do Tamanduá, certificado desde 2006, destaca-se pela população engajada e pelo apoio da Prefeitura local. Ainda há muitos desafios a serem enfrentados, mas a comunidade exibe uma realidade mais estruturada, com a cultura afro-brasileira e quilombola integrada à grade curricular da escola local, como constatou, com satisfação, a Equipe Sede de Aprender.
As demandas do Alto do Tamanduá incluem moradias para 14 famílias que ainda vivem em casas de taipa, cursos profissionalizantes para os jovens, postos de saúde 24 horas e a resolução de questões básicas como a falta de água encanada em todas as residências.
Maicon Marcante, representante do Iphan na Equipe Comunidades Tradicionais, destacou a força e consciência dos quilombolas do Alto do Tamanduá, ressaltando a importância de políticas públicas que fortaleçam essa comunidade, onde foram encontrados exemplos de patrimônio cultural que vem sendo preservado, como as benzedeiras e as festas de reisado, dança do quilombo e a primeira banda de fanfarras quilombola de Alagoas.
Ivan Soares, antropólogo do MPF e coordenador da equipe, expressou a simbologia de encontrar uma comunidade orgulhosa de suas raízes e tradições, mesmo diante dos desafios históricos impostos aos negros no Brasil. “O nome escolhido para a associação de remanescentes de Zumbi dos Palmares diz muito sobre o orgulho desse povo. Apesar dos séculos de perseguição, eles resistem e se orgulham de seu passado”, ressaltou Soares.
A visita da FPI a essas comunidades quilombolas não apenas revelou desafios urgentes, mas também ressaltou a resiliência e determinação dessas comunidades em preservar suas tradições e lutar por um futuro mais digno. A atuação integrada da FPI busca agora canalizar esforços para enfrentar esses desafios e promover mudanças positivas nessas comunidades.
Composição – A Equipe 10 [Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural] possui a missão de identificação e mapeamento dessas comunidades e sua cultura visando sua proteção e preservação por serem as comunidades tradicionais os principais agentes de proteção do meio ambiente. Composição: Ministério Público Federal (MPF), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto do Meio Ambiente (IMA), Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT) e Batalhão Ambiental da Polícia Militar (BPA).
Já a Equipe 13 [Sede de Aprender] é um projeto criado no âmbito do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), em 2021, para aferir a qualidade da água, verificação de alternativas ambientais e fiscalização da aplicação dos recursos públicos nas unidades de ensino de Alagoas. Na FPI, o projeto é composto pelo MPAL, Instituto do Meio Ambiente (IMA), Tribunal de Contas do Estado (TCE/AL), SOS Caatinga e Batalhão Ambiental da Polícia Militar (BPA).