Laudo cita ‘corpo prejudicado’ e não identifica causa da morte de líder indígena que fez denúncia na ONU

Tymbek Arara teria se afogado no dia 14 de outubro, duas semanas depois de denunciar na ONU invasão de Terra Indígena para extração de madeira. Liderança recebeu escolta da Força Nacional dias antes de morrer.

Laudo necroscópico realizado pela Polícia Científica do Pará não identificou o que causou a morte do líder indígena Tymbek Arara, cujo corpo foi encontrado no Rio Iriri, na Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca, a aproximadamente 250 km do município de Altamira.

A morte ocorreu em 14 de outubro. Tymbek teria se afogado duas semanas depois de denunciar na Organização das Nações Unidas (ONU) invasão da TI para a extração ilegal de madeira. Ele recebeu escolta da volta de Belém até a aldeia Arara, do dia 2 até 7 de outubro.

Reprodução

Tymbek Arara, durante viagem à ONU, na Suíça

g1 teve acesso ao documento feito no dia 16 de outubro, dois dias depois do corpo ser encontrado. A causa da morte é classificada como “desconhecida”.

O perito responsável indica que o corpo da liderança estava “prejudicado” e, por isso, não era possível constatar no exame a causa da morte.

O manuseio do corpo esteve entre as críticas de indigenistas que atuam com o povo Arara em relação à investigação (leia mais abaixo). O corpo teria ficar 5 horas sob o sol antes de ser transportado na caçamba de uma caminhonete da Polícia Civil até Altamira, onde fica a unidade da PF que investiga o caso.

Trecho do laudo necroscópico de Tymbek Arara — Foto: ReproduçãoTrecho do laudo necroscópico de Tymbek Arara — Foto: Reprodução

Pelo avançado estado de decomposição do corpo, o médico legista dispensou a solicitação de exames complementares. Cabelo, íris e córnea (olhos) e até mesmo a definição da cor do indígena no registro é indicada como “prejudicada” pelo estado no qual o corpo se encontrada.

O laudo indica que os pulmões de Tymbek estavam colapsados, mas não define esta como a causa de sua morte.

Há duas possibilidades iniciais para a morte de Tymbek: no dia anterior à morte, ele saiu de barco para beber com ribeirinhos – não indígenas. Na volta, Tymbek teria se jogado por vontade própria no rio e se afogou ou teria sido jogado pelos ribeirinhos e não submergiu, falecendo.

laudo cita um boletim de ocorrência da Polícia Civil do Pará com uma outra possibilidade para a morte. Nele, o líder indígena “teria saído em uma embarcação, e a embarcação teria afundado” e o indígena, “se afogado”.

O abuso do álcool é uma das questões apontadas por indigenistas como problema levado pelos não-indígenas às aldeias, em especial às de contato recente. Os Arara passaram a conviver fora da aldeia em 1987, enquanto a homologação da TI Cachoeira Seca ocorreu apenas em 2016.

Investigação questionada

Entidades que atuam com o povo Arara questionam a investigação desde o início. A Polícia Federal abriu investigação para apurar a morte de Tymbek, contudo, só esteve na Comunidade Maribel (vila de não-indígenas dentro da TI) mais de um mês depois da morte.

Segundo apurado pelo g1, os investigadores conversaram com indígenas que estiveram na aldeia. Na época em que a morte foi noticiada, a PF afirmou que não comenta investigações em andamento.

Mapa da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará — Foto: Arte/g1Mapa da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará — Foto: Arte/g1

Conforme relatado em documento do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), vinculado ao SUS e ao Ministério da Saúde, o corpo de Tymbek permaneceu por cinco horas sob o sol à espera do Instituto Médico Legal do Pará.

Depois da chegada dos profissionais, foi colocado em um saco e transportado, debaixo do sol, na caçamba de uma caminhonete da Polícia Civil do Pará até a cidade de Altamira.

Na segunda semana de novembro, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) cobrou novidades da investigação no Ministério dos Povos Indígenas, na última semana.

Segundo o coordenador jurídico da entidade, Maurício Terena, há uma aparente “omissão” e que as autoridades “não estão dando a devida atenção para esse caso”.

“O que ficou nítido é que, das próprias autoridades públicas, existe uma obscuridade em relação a isso [o que aconteceu com Tymbek]. O que está no posto é que houve uma negligência em relação às investigações”, disse Terena ao g1.

Além do Ministério dos Povos Indígenas, comandado pela ministra Sonia Guajajara, a Apib solicitou que o Ministério Público Federal acompanhe as investigações.

No dia 3 de novembro, o MPF do Pará afirmou ao g1 que foi “informado pela Polícia Federal que há um inquérito em andamento sobre o caso”, mas que não vai se pronunciar antes da conclusão das investigações.

Denúncia na ONU

Na ONU, Tymbek discursou durante a sessão do Conselho de Direitos Humanos. Ele era o linguista dos Arara, etnia de contato recente com os não-indígenas, e fazia a comunicação oficial de seu povo com o mundo exterior — como em reuniões políticas em Brasília contra o Marco Temporal, por exemplo.

“Somos um povo de contato inicial, viemos aqui para exigir que se respeite nossa vida e nosso território. Sofremos muitas invasões. A demarcação só ocorreu 30 anos depois do contato com os não indígenas, em 2016”, discursou o indígena.

A terra em que vivem os Arara é alvo de ação predatória para a obtenção de madeira. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram desmatados 697 km² de floresta na TI Cachoeira Seca entre 2007 e 2022.

Estimativas apontam para a presença de 2 mil invasores na Terra Indígena Cachoeira Seca, enquanto a etnia Arara não passa de 200 integrantes.

Enquanto esteve em Genebra, na ONU, Tymbek recebeu áudios atribuídos a fazendeiros locais, segundo uma pessoa que o acompanhou.

“Tanto ele quanto o cacique receberam áudios, nenhum dizendo ‘Vou te matar’, mas ‘Ah, você está aí? Que bom que está defendendo sua terra’. ‘Vocês não têm medo?’, ‘O que estão fazendo aí?’ E eles ficavam dando perdido, dizendo que era para apresentar a cultura Arara”, relata ao g1 uma pessoa que esteve com Tymbek na ONU.

 

Ao voltar ao Brasil, a Força Nacional fez a escolta de Tymbek e do cacique Arara desde o desembarque no Pará até a chegada na aldeia. Depois, os agentes foram embora. A liderança morreu cerca de dois dias depois.

Fonte: g1

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