O Conselho Universitário (Consu) da Unicamp aprovou, nesta terça-feira (28), a outorga do título de ‘doutor honoris causa’ aos músicos do Racionais MCs. A concessão era uma das reivindicações propostas na “Carta Antirracista” elaborada em 2022 por estudantes e professores da disciplina “Tópicos Especiais em Antropologia IV: Racionais MC’s no Pensamento Social Brasileiro”.
De acordo com a Unicamp, Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, integrantes dos Racionais, foram reconhecidos como “intelectuais públicos que dialogam com o pensamento social brasileiro”.
“A honraria também ressalta sua atuação política no combate ao racismo e às violências sociais existentes no país, destacando a crítica social incluída em sua produção”, destacou o Consu.
‘Distinção máxima’
O título de “doutor honoris causa” é a distinção máxima prevista no estatuto da Unicamp e, desde a fundação da Universidade Estadual de Campinas, pelo menos 31 personalidades já receberam a honraria da universidade estadual, entre elas, os professores Paulo Freire e Antonio Candido, o poeta Mário Quintana, o economista Celso Furtado e o arquiteto Oscar Niemeyer. Dois grupos podem ser contemplados:
- pessoas que tenham contribuído, de maneira notável, para o progresso das ciências, das letras ou das artes;
- pessoas que tenham beneficiado, de forma excepcional, a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Universidade.
A discussão sobre a concessão do título era analisada por um grupo formalizado pela reitoria em 1º de setembro, sendo avalilado na sequência pelo Consu, órgão máximo de deliberação composto por docentes, técnicos-administrativos e representantes dos estudantes.
“Esses são intelectuais públicos que somente existem em seu conjunto e, a partir dele, os quatro enunciam poéticas, projetos estéticos e projetos políticos desde 1988 a respeito do Brasil. Dialogam e lutam com o pensamento social brasileiro, confrontam o racismo e as violências sociais que nos constituem enquanto sociedade, incitando a atitudes antirracistas e solidárias de negros e não negros, periféricos e não periféricos, visando a mudanças sociais profundas. Destarte, o título só fará sentido se concedido ao conjunto”, destaca trecho do parecer.
Leitura obrigatória
Em novembro de 2022, os Racionais MC’s fizeram uma aula aberta na Unicamp. O livro “Sobrevivendo no inferno” é leitura obrigatória no vestibular da universidade estadual desde a edição 2020.
“Os Racionais MC’s extrapolam a fala do gueto, sem abandoná-lo. Não se restringem à crônica cotidiana, mas a revelam. Interpretam o Brasil a partir de outro lugar, por tempo demais percebido como objeto de reflexão e não como sujeito da própria reflexão. Os Racionais MC’s se colocam ao lado dos grandes intérpretes do Brasil, e não só: suas letras e canções dialogam com uma história de luta contra a escravidão, o racismo e a tremenda desigualdade que acompanham a experiência da diáspora negra”, destaca os docentes no documento de proposição do título.
Origem da carta
As reivindicações da “Carta Antirracista” surgiram após a suposta ofensa racial praticada por um professor da Faculdade de Engenharia Mecânica durante aula na Unicamp em 2022. Outro pedido foi a criação de um serviço para acolher e fazer tratativas institucionais sobre denúncias de racismo.
À época em que o caso veio à tona, a Unicamp mencionou em nota acreditar que o diálogo e a multiplicação de medidas educativas são o melhor caminho para a resolução de conflitos e “necessário amadurecimento” institucional da universidade.
Além disso, frisou que a transformação de currículos na direção da abordagem do racismo, e de incorporação de saberes advindos das culturas chamadas “periféricas” tem sido “fortemente discutida” em várias instâncias e unidades. A instituição mencionou ainda que tem dado grande espaço e apoio à organização de eventos artísticos e acadêmicos que levem para a instituição “a voz de culturas que permaneceram por muito tempo à sua margem, como a indígena e a afro-brasileira”.
Estudantes assistem aula de disciplina sobre Racionais MC’s na Unicamp — Foto: Jaqueline Lima Santos/Arquivo Pessoal