Quase 30 cirurgias por turno, mudança de estado e ‘câncer falso’: quem é o médico preso suspeito de causar 42 mortes e lesões

Justiça decretou prisão preventiva após conclusão dos três primeiros inquéritos. Ainda restam 39 investigações de homicídio e 114 de lesão corporal envolvendo o cirurgião.

Suspeito de causar mortes de 42 pacientes e lesões em outros 114, o médico João Batista do Couto Neto, foi preso na tarde desta quinta-feira (14), em um hospital de Caçapava, no interior de São Paulo.

Divulgação / Polícia Civil

João Couto é preso em hospital

Relatos de antigos pacientes e ex-colegas do médico dão conta de que Couto chegava a realizar quase 30 cirurgias por turno de trabalho, fazia procedimentos desnecessários e deu um diagnóstico de câncer raro falso.

Couto teve a prisão preventiva decretada após ser indiciado pela Polícia Civil por homicídio doloso (quando há intenção de matar) em três inquéritos, no fim de novembro. Segundo o titular da 1ª DP de Novo Hamburgo, ainda restam 39 investigações de homicídio e 114 de lesão corporal envolvendo o cirurgião. Ele foi preso enquanto atendia em um hospital no interior de SP. Entenda abaixo.

Ao g1, o advogado de Couto, Brunno de Lia Pires informou que a prisão é “absurda e imotivada” e que vai entrar com pedido de habeas corpus. Leia a manifestação na íntegra abaixo.

Relatos de ex-pacientes

João Couto foi preso em hospital de São Paulo — Foto: Reprodução/RBS TVJoão Couto foi preso em hospital de São Paulo — Foto: Reprodução/RBS TV

“Engoliu palito de dente”

Um paciente de 52 anos, que prefere não ser identificado, afirma que um pequeno desconforto no umbigo o levou ao consultório de João Couto Neto em um hospital em Novo Hamburgo. O tratamento de hérnia umbilical teve o acréscimo de uma retirada de pedra na vesícula. O homem foi liberado no mesmo dia. No entanto, em casa, ele disse que a recuperação foi um dos piores momentos da sua vida.

“Eu passei muito mal, uns dois dias, muito mal. Era vômito, vômito. Dor, muita dor. Dor que eu não desejo pra ninguém”, afirma.

Ele voltou ao hospital e foi submetido a uma nova cirurgia pelo médico. A companheira do paciente desconfiou da justificativa dada por Couto. O cirurgião teria sugerido que um palito de dente engolido poderia ter causado a lesão.

“Me perguntou se ele tinha o hábito de mastigar palito de dente, que ele poderia ter engolido um palito e ter furado. Eu disse que ele não tinha esse hábito”, conta.

Foi então que eles decidiram mudar de médico e de hospital. “Eu me desesperei, perdi a total confiança, até porque eu já ouvia de funcionários lá dentro me incentivando a trocar, porque a fama dele dentro do hospital não era boa”, diz a companheira do paciente.

“Tinha um câncer muito raro”

A motorista Simone Ferreira Campos afirma que foi operada há 11 anos pelo médico para retirar um nódulo no intestino.

“Retirou do meu intestino, segundo ele me falou quando eu voltei da anestesia, 10 centímetros para cima do nódulo e 10 centímetros para baixo do nódulo do meu intestino, pois eu teria um câncer muito raro que ele não saberia como tratar”, conta.

No entanto, após uma biópsia, foi comprovado que a paciente não tinha câncer.

“Veio como endometriose. Então, não tinha nenhum tipo de câncer, nenhum problema do meu intestino”, diz.

Fazia quase 30 cirurgias por manhã

Uma técnica de enfermagem que trabalhou no mesmo hospital que João Couto diz que o número de cirurgias diárias que o médico fazia chamava a atenção da equipe.

“Ele fez em uma manhã, 27 cirurgias, uma manhã só. Não é possível, porque teria que ficar parado esperando um paciente atrás do outro na mesma mesa. Não tem como, até porque a aparelhagem não é suficiente para isso, a instrumentação não é suficiente para isso”, afirma a profissional, que prefere não ser identificada.

Paciente de médico João Couto Neto no RS — Foto: Reprodução/RBS TVPaciente de médico João Couto Neto no RS — Foto: Reprodução/RBS TV

Indiciamentos

De acordo com Tarcísio Kaltbach, os indiciamentos são decorrentes de apurações envolvendo a morte de dois homens e uma mulher. Segundo o titular da 1ª DP de Novo Hamburgo, ainda restam 39 investigações de homicídio e 114 de lesão corporal envolvendo o cirurgião.

“Procedimentos complexos, farta documentação a ser analisada, laudos a serem recebidos pelo Instituto Médico Legal (IML)”, explica o delegado.

 

Desde outubro deste ano, não há medida cautelar que impeça que João Couto volte a realizar cirurgias e intervenções invasivas. Havia uma decisão da Justiça, prevendo a proibição por 120 dias, cujo prazo expirou. “Embora não haja mais restrição, ele optou por não realizar [cirurgias], ao menos por ora”, sustenta o advogado do médico.

Em fevereiro deste ano, João Couto se registrou no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp). Na ocasião, o Cremesp confirmou estar ciente de que o médico enfrentava uma suspensão em sua licença, mas que “é obrigado a efetuar o registro do médico” por se tratar de uma restrição parcial.

João Couto deve passar por uma audiência de custódia em São Paulo, conforme o delegado Tarcísio Kaltbach. “Provavelmente o judiciario de lá irá contactar com o juiz de NH que expediu a prisão”, diz. Ainda de acordo com Tarcísio, a finalização de novos inquéritos contra Couto depende de laudos a serem enviados pelo Departamento Médico Legal de Porto Alegre.

Nota da defesa

Com surpresa a Defesa recebeu a notícia da decretação da prisão preventiva do médico João Couto Neto. A decisão não se reveste de qualquer fundamento fático ou jurídico e constitui clara antecipação de pena, com a finalidade de coagir e constranger o médico. Impetraremos ordem de habeas corpus o mais breve possivel para fazer cessar a absurda e imotivada prisão.

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