A proposta do vereador Rubinho Nunes (União Brasil), ex-integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), de abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue ONGs que fazem trabalho social na região da Cracolândia, no Centro de São Paulo — especialmente o Padre Júlio Lancellotti e o movimento A Craco Resiste — causou polêmica.
Vereadores reagiram ao suposto acordo feito entre bancadas partidárias da Câmara Municipal para instalar a CPI. Rubinho protocolou o pedido de CPI em 6 de dezembro de 2023 e colheu assinaturas de ao menos 23 parlamentares favoráveis à proposta.
No entanto, após repercussão do caso, quatro nomes anunciaram nesta quinta-feira (4) que não vão mais apoiar a CPI.
➡️ Quem é Julio Lancellotti?
Júlio Renato Lancellotti, de 75 anos, é um padre que coordena a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo – organização de amparo às pessoas em situação de rua.
Ele é pároco na Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca, Zona Leste de São Paulo. Diariamente, distribui alimentos, peças de vestuário e itens de higiene pessoal para pessoas em situação de rua.
Nas redes sociais, apresenta-se como “defensor dos direitos humanos”. Em 2021, ele quebrou a marretadas blocos de paralelepípedos instalados em viadutos em São Paulo, cujo objetivo era impedir pessoas em situação de rua de se instalarem nos locais.
Em 2023, virou nome de lei: o governo federal regulamentou a Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe a aporofobia (medo e rejeição aos pobres) por meio da “arquitetura hostil”.
➡️ O que se sabe sobre a CPI contra ONGs?
Um pedido para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue ONGs que fazem trabalho social na região da Cracolândia — especialmente o Padre Júlio Lancellotti e o movimento A Craco Resiste — foi protocolado na Câmara Municipal em 6 de dezembro de 2023 pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil).
O requerimento de Rubinho é um dos 45 pedidos de CPIs feitos pelos vereadores nesta legislatura. Ele colheu assinaturas de ao menos 23 parlamentares favoráveis à proposta.
Para a CPI “furar” a fila das demais proposições, é preciso haver um acordo entre todos os parlamentares da Casa. No entanto, vereadores contrários ao pedido negaram a existência de algum acordo para facilitar a votação da proposta.
➡️ Qual o objetivo da CPI?
Rubinho diz que a comissão tem a “finalidade de investigar as Organizações Não Governamentais (ONGs) que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento aos grupos de usuários que frequentam a região da Cracolândia”.
Segundo o vereador, “a atuação dessas ONGs não está isenta de fiscalização, sendo necessária a criação de uma CPI, até porque, algumas delas frequentemente recebem financiamento público para realizar suas atividades”.
“Uma CPI pode avaliar a eficácia dos programas oferecidos pelas ONGs, determinando se elas estão alcançando os resultados desejados”, diz o requerimento, que foi assinado por ao menos 23 vereadores, do total de 55.
Apesar de o documento não mencionar nominalmente Júlio Lancellotti, Rubinho utilizou suas redes sociais para atacar o padre. “Vou arrastar ele para cá em coercitiva, nem que seja algemado”, afirmou o vereador. “Eu vou fazer um raio-X, vou fazer um exame nas entranhas desse sujeito, todo mundo vai saber o que tem por trás do Lancellotti”, disse.
➡️ A CPI já existe?
Não. Para que uma CPI seja instaurada, três requisitos devem ser cumpridos:
Para ser protocolado, o requerimento de CPI deve ser assinado por, no mínimo, um terço dos vereadores (19 parlamentares, no caso da capital, que tem 55 vereadores);
Para a comissão poder “furar a fila” das demais proposições, é preciso haver um acordo entre todos os parlamentares da Casa;
Na sequência, o requerimento deve passar por duas votações no plenário da Câmara e conseguir ao menos 28 votos favoráveis (mais de 50% dos vereadores)
Apesar de o requerimento de Rubinho ter sido assinado por 23 parlamentares, ainda não alcançou as últimas duas etapas do processo.
➡️ Quem são os vereadores que assinaram o pedido de CPI?
Foram ao menos 23 assinaturas no documento registrados no site da Câmara Municipal. Mas o g1 identificou que o nome do vereador Xexéu Tripoli (PSDB) aparece duas vezes no documento. Além disso, quatro vereadores retiram apoio à CPI. Veja os nomes:
Rubinho Nunes (União Brasil)
Adilson Amadeu (União Brasil)
Sandra Tadeu (União Brasil) – retirou apoio
Thammy Miranda (PL) – retirou apoio
Fernando Holiday (PL)
Isac Felix (PL)
Xexéu Tripoli (PSDB) – retirou apoio
Fábio Riva (PSDB)
João Jorge (PSDB)
Gilson Barreto (PSDB)
Beto do Social (PSDB)
Rute Costa (PSDB)
Bombeiro Major Palumbo (PP)
Sidney Cruz (Solidariedade) – retirou apoio
Rodrigo Goulart (PSD)
Danilo do Posto de Saúde (Podemos)
Dr. Milton Ferreira (Podemos)
Jorge Wilson Filho (Republicanos)
Sansão Pereira (Republicanos)
Dr. Nunes Peixeiro (MDB)
Rodrigo Goulart (PSD)
Não identificado
Não identificado
➡️ É possível retirar a assinatura da CPI?
Não. Apesar de retirarem o apoio, os vereadores não conseguem retirar a assinatura.
➡️ O que Lancellotti disse sobre a iniciativa?
O padre Júlio Lancellotti disse, nesta quinta-feira (4), que “criminalizar trabalho com população de rua e dependência química é tentar tirar o foco da questão da Cracolândia”.
Em entrevista à GloboNews, o coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo ironizou a tentativa do vereador Rubinho Nunes (União Brasil) de investigá-lo pelo trabalho social na distribuição de comida e roupas para as pessoas famintas da região central da cidade.
“A gente tem que entender o problema na complexidade que ele tem. Quando dizem que a Cracolândia existe por causa de mim, eu sempre penso: ‘se eu morrer hoje ou amanhã, a Cracolândia vai desaparecer?’. Se eu sou a causa, é tão fácil de resolver. É só eu morrer que acabou a Cracolândia. Não tem mais…”, declarou.
“Criminalizar algumas pessoas sempre é uma forma de não enfrentar o problema do tamanho que ele é. A gente criminaliza, ofende e trata de uma forma negativa a pessoa, a gente tira o foco da questão. A questão que nós temos que enfrentar é como lidar com a dependência química, com as cenas de uso, com essa questão que é tão grave no Centro de São Paulo e de outras cidades”, completou.
“Essa criminalização é uma forma de não enfrentar com clareza e profundidade a questão que está em foco na Cracolândia. (…) A gente não pode perder o contexto que São Paulo é a vitrine do mercado imobiliário. É a vitrine de especulação imobiliária. E a especulação imobiliária tem um inimigo número 1, que são as pessoas em situação de rua. Uma população que aumentou exponencialmente em São Paulo”, apontou.
➡️ O que disse o presidente da Câmara de SP?
Ao blog da Andréia Sadi no g1, o presidente da Câmara Municipal de SP, vereador Milton Leite (União Brasil-SP), disse não ver perseguição na proposta de criação de uma CPI. Ele afirmou que vai aguardar o retorno do recesso na Câmara em fevereiro para se reunir com o Colégio de Líderes, quando será debatido se haverá o prosseguimento da instalação da comissão.
Segundo o presidente da Casa, do que tomou conhecimento até o momento, “não há viés político” na proposta do vereador Rubinho Nunes (União Brasil). “Se há fatos, não importa quem seja investigado. A investigação é como outra qualquer”, disse Milton.
➡️O que diz o prefeito de SP?
Segundo interlocutores de Ricardo Nunes (MDB), o prefeito ficou sabendo pela imprensa sobre a proposta da CPI. Ligou para o Padre Júlio na quarta à noite e para o arcebispo Dom Odilo na manhã desta quinta (4). Nas duas conversas, a ideia era tranquilizá-los.
Nas conversas, Nunes também disse que a Câmara só volta do recesso em fevereiro e que até lá será feito um trabalho com os vereadores da base. O entendimento, no entanto, é que isso não é uma questão da Prefeitura, mas gerou um desgaste porque em vez de PT e PSOL mirarem o União Brasil e MBL, estão usando como combustível para ataques contra o Ricardo Nunes.
“Não estou entendendo a repercussão, pois não tem nada de concreto. A Câmara está em recesso. Todas as decisões lá são colegiadas, um vereador sozinho não pode tomar decisões”, disse.
“Não entendi a repercussão porque não tem o nome do Padre Júlio no documento, estão em recesso, não foi aprovada a CPI. Fui vereador e é comum protocolarem várias CPI e sequer é apreciada. Nesse momento não tem nada de concreto. Se tivesse sido aprovada, tivesse aprovado uma convocação. Mas não tem nada. Enfim, só por esse motivo objetivo que achei estranho”, completou.