‘Vergonha nacional’: Geraldo Alckmin relembra 8 de Janeiro e ressalta papel de instituições para preservar a democracia’Vergonha nacional’: Geraldo Alckmin relembra 8 de Janeiro e ressalta papel de instituições para preservar a democracia
Onde o senhor estava no dia 8 de janeiro?
Eu estava na missa. No dia 8 de janeiro, à tarde, foi a posse do bispo de São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo. Recebi um bilhete do Capitão (Pedro) Lamoso (assessor da Vice-Presidência) dizendo: “Olha, está tendo um problema grave em Brasília, invasão de prédios públicos”. Achei que era um pouco exagero da segurança e terminei a missa. Quando saí é que eu fui verificar as notícias e a gravidade. Voltei ainda naquela noite para Brasília.
Quando o senhor se deu conta da gravidade?
Quando cheguei em Brasília, já era mais tarde. Fui para o hotel, porque era uma semana depois da posse, então estava hospedado lá ainda. No outro dia de manhã é que fomos ver os problemas. E é impressionante, no Supremo Tribunal Federal foi coisa gravíssima. O 8 de Janeiro foi uma vergonha nacional.
Como foi a sua conversa com o presidente Lula?
Ele me ligou. O presidente estava em Araraquara (SP). Eu falei que ia voltar para Brasília. Estivemos juntos no outro dia (9 de janeiro). Foi um momento importante, porque todos os Poderes se uniram. Todo o Executivo, a Suprema Corte, o Legislativo, com os presidentes da Câmara e do Senado, e depois vieram também os governadores, as entidades de prefeitos. A resposta foi rápida e muito firme na defesa da democracia.
Qual foi a reação dele?
Ele, como todos nós, estava horrorizado com o que tinha ocorrido. Havia muita manifestação, mas não se imaginava chegar ao ponto onde chegou. Tenho colocado que o presidente Lula salvou a democracia brasileira, porque se eles perdendo a eleição fizeram isso, imagine se tivessem ganhado. Patriota é quem defende a democracia e instituições independentes. O contrário disso é golpista. E golpe é crime contra a pátria e a democracia. É preciso investigar quem, inclusive, financiou esses atos, propagou fake news, estimulou a mentira, o descrédito da urna eletrônica e das instituições da República. Mas eu diria que mudou a página. Percebe-se nitidamente que muita gente que estava ali, meio desinformada, viu a gravidade do que ocorreu e como foram induzidas a cometer atos criminosos. Mas eu entendo que a democracia brasileira mais uma vez se fortaleceu.
Qual foi a sua sensação ao ver o Planalto destruído?
Não ficou nada que não tivesse sido virado de ponta cabeça. Foi um ato de uma violência, de uma covardia impressionante. É um episódio que tem que ficar registrado na História para nunca mais se repetir. Muito ódio estimulado. A democracia tem que ter conflito. É normal. Na democracia, quem ganha governa e trate de governar bem. Quem perde fiscaliza. E trate de fiscalizar bem. No mundo inteiro tem governo e oposição. Mas não precisa matar o outro por causa disso. Não tem sentido, em razão do debate político, desacreditar as instituições, o processo eleitoral, a democracia e fazer fake news. Quem não quiser disputar eleição, não dispute. Não é possível o presidente que se elegeu várias vezes deputado pela urna eletrônica, elegeu um filho senador com a urna eletrônica, se elegeu presidente da República com a urna eletrônica, elegeu outro filho deputado federal com a urna eletrônica, outro filho vereador com a urna eletrônica, a hora que perde, a urna é falsa.
É natural que haja pontos de vista divergentes. Se não, seria partido único. O confronto é natural. Agora, eu diria que essa polarização mais raivosa diminuiu muito. Isso é um fenômeno mundial. Não é só nosso. Pode ver na Argentina, na Europa. Há dificuldades de se formar maioria (no Legislativo). As eleições são disputadas. Agora, tem que ter civilidade e espírito democrático. Quem não acredita na democracia não deve disputar eleição. Eleição você ganha, eleição você perde. Isso faz parte do processo democrático. Eu diria que o 8 de Janeiro foi o momento de incivilidade, de barbárie, mas passou e eu acho que serve de lição para aprimorarmos o processo democrático.
Antes do 8 de Janeiro, havia algum temor de que os acampamentos em frente aos quartéis pudessem resultar nos atos golpistas?
Eu acho que não. Mas, depois de todo o ocorrido, a conclusão é que estava em marcha uma tentativa de golpe, estimulando pessoas, que acabaram sendo usadas muitas vezes. Foi grave. É um dia de vergonha nacional. E é muito triste o que aconteceu no dia 8 de janeiro. Mas a resposta foi rápida e firme.
O presidente sempre teve respeito pela Defesa, pelas instituições, pelo Exército, pela Marinha, pela Aeronáutica, pelo Estado Maior das Forças Armadas e sempre entendeu que são instituições de Estado. Ele sempre viu nas Forças Armadas um aspecto de avanço tecnológico, de avanço da ciência, e a possibilidade de fazermos um uso dual das patentes, das marcas, dos avanços científicos para poder o país se desenvolver mais.
Logo depois do 8 de Janeiro, o presidente falou que tinha desconfiança em parte dos militares. Isso foi superado?
Sim. As Forças Armadas são profissionais e têm deveres constitucionais. Infelizmente, alguns procuraram envolvê-las, mas está totalmente superado. Ficou um alerta da importância de separar política partidária de instituições de Estado.
O comandante do Exército, general Tomás Paiva, conseguiu despolitizar as tropas?
Eu sou admirador do general Tomás. Desde lá atrás, já achava que era um bom nome. O Exército está em ótimas mãos. As Forças Armadas têm um papel importante, ainda mais em um país das dimensões continentais do Brasil.