Das memórias que carrega de quando ainda era criança, Thalita Zampirolli mantém o amor pelo Carnaval até hoje. Aos 33 anos, a rainha de bateria da Unidos de Padre Miguel, escola da Série Ouro do Rio de Janeiro, se recorda do tempo em que se trancava no quarto, ainda em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, pintava o corpo com muita purpurina e amarrava uma toalha na cabeça para apresentar seu personagem de soberana carnavalesca. Ainda que, então, sem um reino.
E, mal sabia ela que o sonho de uma infância e inspiração para a vida viraria uma realidade: a empresária e atriz reina, pelo segundo ano, como rainha de bateria na Sapucaí e consolida seu nome como uma das mais famosas mulheres transsexuais do Brasil.
“Lembro com muita alegria do Carnaval ainda quando criança. Ficava acordada até tarde vendo os desfiles na TV. Imitava a Globeleza, pegava tinta e pintava o meu corpo todo, jogava purpurina em mim, pegava a toalha e colocava na cabeça, fingindo ser um cabelão. Era muito divertido. Enquanto minhas amigas queriam ser paquitas, eu queria ser rainha de bateria”, relembra.
Com o samba à sua disposição, depois que estreou no cargo no ano passado, Thalita transformou sua história em reinado e folia.
“Olho para trás, me vejo dançando na frente do espelho e penso: ‘Eu consegui, eu venci!’. Sempre fui muito sonhadora, mas também muito determinada. Nada vem de mão beijada, ainda mais para mulher transsexual”, diz.
E completa: “Me sinto realizada por ter chegado até aqui sem precisar ferrar com a vida dos outros, minha conquista é real. Fico feliz de levantar a minha bandeira mais uma vez, agora no maior espetáculo da terra, e ser fonte de inspiração para a minha comunidade. Gosto sempre de dizer que nós podemos tudo: podemos ocupar qualquer espaço, desde que a gente se prepare para tal. Não existe um limitador para uma mulher trans“, afirma.
Mulher e resistência
A presença de Thalita Zampirolli como figura de destaque no Carnaval do Rio de Janeiro e também a sua sobrevivência em um país que mata, em média, 12 pessoas trans e travestis por mês, segundo relatório de 2023 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), é um exemplo de resistência. O que ela enxerga como a oportunidade de abrir caminhos para que outras pessoas se inspirem em sua história.
“Sou um corpo político que sobrevive e que, mesmo fazendo ‘barulho’, ainda é respeitado. Sei o quanto representatividade importa, porque também me inspirei em pessoas para me construir. No início, lutei muito contra o preconceito e aprendi a me posicionar de uma forma que as pessoas me respeitassem”, opina.
“Gosto sempre de mostrar que a mulher trans tem a capacidade de estudar, trabalhar e estar em todos os ambientes, como todas as pessoas. Somos pessoas normais, merecemos respeito. Fico feliz em mostrar o quanto somos capazes, mas vejo que isto ainda é muito pouco diante o que acontece no dia a dia de uma mulher trans que não é famosa e que não tem os recursos que tenho. A violência está aí todos os dias, humilhando e matando pessoas da minha comunidade. Ainda não temos muito o que comemorar, infelizmente”, completa.
Thalita Zampirolli a ganhou fama em 2013, quando seu nome começou a virar notícia nos principais portais de entretenimento do Brasil. Entre um affair famoso e outro, ela fez o seu nome. Hoje, ela mora nos Estados Unidos e investe na carreira de atriz. Mas sem deixar de se entender com o passado, de outros Carnavais, que ficou para trás.
“Nunca quis ser conhecida por ser a affair, ficante, namorada, esposa ou sei lá o que de fulano. Sempre achei que tinha capacidade de chegar aonde eu quisesse por mérito próprio e isso aconteceu. O passado ficou no passado. Hoje, tenho meus salões de beleza nos Estados Unidos, sigo estudando para me aprimorar como atriz – recentemente fiz um filme em Hollywood – e sou rainha de bateria de uma grande escola de samba. Minha vida está tranquila, organizada, meu futuro já está garantido. Só preciso que Deus siga me abençoando com saúde para continuar fazendo por mim e pela minha família. Posso falar que venci”, comemora.
Quase R$ 1 milhão em cirurgias
Ao longo de seu processo de amadurecimento enquanto mulher, e de redesignação sexual, Thalita Zampirolli investiu (e investe) alto. Com alguns procedimentos estéticos e cirurgias, ela coleciona uma lista. E os gastos seguem no mesmo sentido que, segundo ela, somam quase R$ 1 milhão.
“Fiz prótese de silicone na mama, rinoplastia, mentoplastia, refinamento vaginal e transplante capilar. Já por estética, faço botox, preenchimento labial e massagens. É um custo bem alto, não fico contando. Mas creio que já devo ter gastado quase R$ 1 milhão com intervenções cirúrgicas e estéticas. Até porque, alguns procedimentos cirúrgicos já fiz mais de uma vez. Os estéticos, muitas vezes, são de seis em seis meses, que faço nos Estados Unidos. No mais, requer cuidado. Não se pode fazer em qualquer lugar, com um profissional qualquer. Sempre busco os melhores profissionais do mercado, eles não cobram pouco e não aceitam parceria”, revela.
“Até deveria ter limites (risos), mas não tenho. Vou me empolgando, vou querendo mais pedras, mais brilho. Quando vejo, já gastei horrores. Amo o Carnaval e, como rainha de bateria, tento me apresentar da melhor forma possível para estar à altura da minha escola, e para agradar a minha comunidade e todos os foliões que amam esta grande festa.”
Rainha come 25 ovos por dia
Já para sobre a preparação para brilhar na folia deste ano, Thalita também garante que força de vontade não vai faltar. Além da academia, ela confessa que come 25 ovos cozidos por dia e conquistou a marca de 3% de gordura corporal.
“Treino todos os dias há mais de dez anos e sempre contei com auxílio de um personal trainer. Sempre gostei de me cuidar e sempre fiz isto com muita responsabilidade, buscando orientações de profissionais do ramo. Faço musculação, aeróbico e massagem corporal. Quando vai se aproximando o Carnaval, intensifico mais os treinos e dou uma segurada maior na alimentação. Porque como tudo que gosto, mas com moderação, com equilíbrio. Não vivo sem um cachorro-quente (risos)”, finaliza.