Nota técnica do Departamento de Estudos Econômicos do Conselho de Administração de Defesa da Concorrência (Cade) sugere que um dispositivo da lei de igualdade salarial entre homens e mulheres não seja aplicado.
A lei, sancionada em julho do ano passado, estabelece que as empresas que descumprirem terão que pagar multa equivalente a dez vezes o valor do salário da pessoa discriminada. O texto também estabelece tratamento igualitário em razão de raça e etnia.
De acordo com o documento, a recomendação é para que a regra, contida na lei, que determina que empresas com 100 ou mais empregados publiquem relatórios de transparência salarial para comparar a remuneração entre homens e mulheres, seja suspensa ou cancelada.
Segundo análise do Departamento, a obrigação de publicação de relatórios com dados sobre remuneração dos trabalhadores pelas empresas “pode configurar a publicação de dados concorrencialmente sensíveis e, dessa forma, contribuir para a adoção de condutas concertadas anticompetitivas, como a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes, ou mesmo, formação de cartéis”.
“Sugere-se, também, que tais dispositivos sejam reavaliados no sentido de que, caso se entenda necessário manter a publicação dos relatórios pelas empresas em seus próprios sites, os mesmos não contenham informações capazes de sinalizar aos demais agentes do mercado a política de remuneração da empresa para os seus empregados individualmente ou para determinado cargo ou função”, acrescenta o Departamento do Cade.
E propõe, ainda, ao Ministério do Trabalho e Emprego que, caso haja publicação de dados ou relatórios, “que sejam também tomadas medidas de cautela para evitar a divulgação de informações que possam facilitar condutas colusivas entre agentes de um determinado mercado, que podem gerar efeitos nocivos tanto ao ambiente concorrencial, quanto no mercado de trabalho”.
Ministro do Trabalho questiona recomendação
Nesta sexta-feira (15), o ministro do Trabalho e do Emprego, Luiz Marinho, questionou a nota técnica do Cade, para quem o “papel do Cade é outro”. “Não entendi porque o Cade tem que se meter nisso”, declarou.
“Acionaram até o Cade ontem. Um pedido de consideração do governo para suspender… Não entendi porque que o Cade tem que se meter nisso. Papel do Cade é outro. Mas até o Cade em São Paulo foi acionado e mandou uma ponderação, que o governo segure e tal. Não há disposição nenhuma nossa de não divulgar o relatório da igualdade salarial, para dar transparência. Não vejo nenhum prejuízo que as empresas, que os empresários e que especialmente as entidades empresariais vêm falando. Seja na Lei de Proteção de Dados, estamos rigorosamente respeitando a lei de proteção de dados”, disse o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
Segundo ele, o governo está focado em para acabar com o processo de discriminação entre homens e mulheres no mercado.
“A mulher tem o direito de ter a mesma remuneração se tiver as mesmas características e o mesmo tempo de função. Diferença no tempo de função pode justificar a diferença de salário. Não vai ganhar menos porque é mulher, mas por conta do tempo de trabalho. Assim como a mulher pode ganhar mais pelo tempo também”, acrescentou Marinho.
Posição do Cade
Por meio de nota à imprensa, o Cade informou que seu presidente, Alexandre Cordeiro Macedo, não determinou a elaboração do referido estudo. Esclareceu ainda que nenhuma diretoria do Cade se manifestou sobre o tema “e, sim, um órgão interno da autarquia”.
“O Departamento de Estudos Econômicos do Cade elaborou uma Nota Técnica sugerindo a alteração de um ponto específico do Decreto 11.795/2023, que é o §3° do artigo 2º, e jamais recomendou que o governo recuasse sobre igualdade salarial”, informou o Cade.
O Conselho ressaltou, ainda, que a nota técnica “não reflete necessariamente a posição oficial do Tribunal do Cade ou da Superintendência-Geral do Cade”. “A referida manifestação ainda será discutida internamente por outras áreas técnicas e pelo Tribunal, com a intenção de contribuir para o debate em prol da política pública”, acrescentou.
Por fim, o Cade também declarou que “não tem competência para tratar de política trabalhista”. “Sua competência é transversal na economia brasileira, contudo restrita as questões concorrenciais, conforme consta da Lei de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011”, concluiu.
CNI e CNC questionam lei na justiça
Nesta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo (CNC) entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação contra trechos da lei que obriga o pagamento de salários iguais para homens e mulheres na mesma função.
As entidades afirmam que não estão questionando a isonomia prevista na norma, mas que a norma desconsiderou “hipóteses legítimas de diferenças salariais fundadas no princípio da proporcionalidade”, como a antiguidade na empresa.
“Observe-se que, no caso, a diferenciação imposta pela expressão aqui reputada inconstitucional não encontra respaldo nos critérios constitucionais de busca pela isonomia material ou formal, uma vez que alinha, de forma abstrata, os valores dos salários (ignorando as circunstâncias de equidade que atrairiam e justificariam, concretamente, as desequiparações)”, diz o texto.
Nesta sexta-feira (15), o ministro Luiz Marinho afirmou ter confiança de que o Judiciário irá respaldar a nova leigislação.