O empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, motorista do Porsche que matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, após bater no carro dele, disse em seu interrogatório à Polícia Civil que saía de uma casa de poker com um amigo e que trafegava “um pouco acima do limite” de 50 km/h para a via quando ocorreu o acidente.
O depoimento de Fernando foi dado na tarde de segunda-feira (1º) na delegacia que investiga o caso, mais de 36 horas depois do acidente, ocorrido na madrugada o domingo (31), na Avenida Salim Farah Maluf, na Vila Andrade na Zona Leste de São Paulo.
A batida entre o automóvel de luxo e o veículo do motorista por aplicativo foi gravada por câmeras de segurança.
Apesar disso, Fernando não soube dizer aos policiais qual era a velocidade que o Porsche estava no momento do acidente. Segundo um casal que estava em outro veículo, um Hyundiai HB20, o Porsche azul, dirigido pelo empresário, o ultrapassou em alta velocidade, depois perdeu o controle, batendo no Renault Sandero branco, guiado por Orlnaldo. O homem e a mulher já foram ouvidos pela investigação.
Ornaldo chegou a ser socorrido por uma ambulância dos Bombeiros, mas não resistiu e morreu no Hospital Municipal do Tatuapé. O motorista tinha 52 anos e estava sozinho no veículo.
Segundo a Polícia Militar (PM), que atendeu a ocorrência, Fernando fugiu do local do acidente com a mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade. O motorista não fez o teste do bafômetro e nem havia dado a sua versão para o que aconteceu. A passou a procurá-lo para ser ouvido.
Mas Fernando só falou com a investigação nesta segunda, quando compareceu espontaneamente à delegacia acompanhado de seus advogados e de sua mãe. Em seu depoimento, que a reportagem teve acesso, ele negou ainda que tivesse bebido na casa de poker.
O 30º Distrito Policial (DP), no Tatuapé, chegou a pedir a Justiça a prisão temporária do motorista do Porsche, mas a solicitação foi negada. A delegacia alegava que Fernando fugiu do local do acidente e estava em alta velocidade e que precisaria ser preso porque a sociedade pedia sua prisão. Mas a Justiça negou o pedido argumentando que o motorista já havia se apresentando na delegacia e dado depoimento.
Fernando foi indiciado pela polícia para responder em liberdade pelos crimes de homicídio por dolo eventual (quando assume o risco de matar), lesão corporal e fuga do local de acidente. A defesa dele, feita por um escritório particular de advocacia, divulgou nota à imprensa informando que seu cliente não bebeu e que o acidente foi uma “fatalidade”.
Em seu interrogatório na delegacia, o empresário, que tem 24 anos, contou aos policiais que chegou com um amigo, de 22 anos, por volta das 23h de sábado no clube de poker na Rua Marechal Barbacena, no Tatuapé. Disse ainda que seu amigo ingeriu bebida alcoólica, mas não estava dirigindo. Depois falou que ele e o colega ficaram no local até 2h de domingo. Em seguida foram embora.
No trajeto para levar o amigo para a casa dele, Fernando relatou que trafegava com seu Porsche pela Avenida Salim Farah Maluf, no sentido a Radial Leste, quando “viu a luz de freio de um veículo a frente ascender e ao tentar desviar” colidiu com ele.
Câmeras gravaram batida
Pelas imagens, é possível ver quando Fernando acelera o carro de luxo e bate na traseira do veículo de Orlando, que havia pisado nos freios e desacelerado. O Porsche ergue o Sandero, que é arremessado até a calçada. O veículo do motorista por aplicativo ainda bate num poste de iluminação.
Ainda, segundo o motorista do carro de luxo, ele “apagou”, perdeu os sentidos e desmaiou após a batida, não se recordando do que aconteceu.
Quando foi perguntado pelos policiais qual era a velocidade que ele dirigia o Porsche, Fernando respondeu que “estava um pouco acima do limite permitido, porém, não chegava ser muito acima também”. Segundo o empresário, ele não conseguia dizer “quanto” estava marcando o velocímetro.
A Polícia Técnico-Científica vai analisar as imagens para determinar qual era a velocidade do Porsche no momento da batida com o Sandero. O laudo pericial irá informar se o carro de luxo estava com velocidade acima do limite para o trecho.
Além de negar que tenha consumido bebida alcoólica, Fernando falou que não estava guiando sob efeito de drogas. Disse ainda que só recobrou a consciência depois que acordou deitado na avenida. Depois contou que viu seu tio e sua mãe no local.
O empresário também negou a versão da PM de que tenha fugido do local do acidente com a sua mãe. Disse que foi o “último a sair do local com sua mãe” e que seu amigo e o Ornaldo já tinham “sido socorridos”. O colega foi levado para o Hospital São Luiz do Tatuapé. Não há confirmação se ele teve alta médica. O rapaz também será ouvido pela investigação.
E que, segundo Fernando, pelo fato de “sentir muitas dores”, os policias militares autorizaram a mãe dele a levá-lo a um hospital para ser atendido. O motorista ainda alegou que não foi para uma unidade hospitalar porque sua mãe passou a receber “ameaças pelo celular”, sem dizer quais foram elas.
Motorista fugiu, diz PM
Os policiais militares contaram na delegacia que a mãe avisou que levaria Fernando ao Hospital São Luiz no Ibirapuera, na Zona Sul, porque o filho estaria ferido na boca. Mas quando os agentes foram ao local para ouvir a versão do motorista do Porsche e fazer o teste do bafômetro, para saber se ele dirigia sob efeito de bebida alcóolica, não o encontraram. A mulher que o levou também não estava no local.
Diante disso, a Polícia Civil considerou que Fernando fugiu.
A Polícia Militar informou ainda que irá apurar se os policiais militares erraram ao permitir que Fernando deixasse o local do acidente com a sua mãe para ir supostamente a um hospital, o que não ocorreu. A Ouvidoria da Policia pediu para a Corregedoria da PM apurar o caso e também quer saber se os agentes usavam câmeras corporais para pedir as imagens.
Policiais civis ouvidos pela reportagem disseram que os policiais militares demoraram quase cinco horas para comunicar o acidente com morte na delegacia. Segundo os agentes da Polícia Civil, os PMs deveriam ter feito o teste do bafômetro no local, não procurar o motorista num hospital para fazer isso.
‘Sentimento de injustiça’, diz filho da vítima
“Um sentimento de injustiça gigantesco dentro de mim”, escreveu nesta segunda em seu Instagram, Luam Silva, filho de Ornaldo.
Em sua rede social, o jovem ainda escreveu que fica se “perguntando porque o mundo é tão injusto de levar” seu pai.
“O sentimento que eu carrego e de profunda tristeza e angústia“, comentou Luam. “Eu quero que a justiça seja feita.”
Ornaldo foi velado e sepultado na tarde desta segunda no Cemitério Bonsucesso, em Guarulhos, Grande São Paulo.
O Renault Sandero branco EXP, ano 2017, guiado por Ornaldo, custava em torno de R$ 40 mil. A traseira do automóvel ficou destruída pelo Porsche.
O Porsche azul 911 Carrera GTS, ano 2023, que era guiado por Fernando, está avaliado em mais de R$ 1 milhão. O veículo é de propriedade da empresa da família do motorista.