Novos vídeos de câmeras de segurança, obtidos pela Polícia Civil, mostram o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho chegando com seu Porshe e um amigo à rua onde foi a uma casa de pôquer, na Zona Leste de São Paulo, antes do acidente que matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana.
Os amigos chegaram ao estabelecimento por volta das 23h de sábado (30). O acidente ocorreu perto das 2h30 do último domingo (31). Fernando tem 24 anos, o amigo, 22. Ornaldo tinha 52.
Em outras imagens, que também estão com a investigação, Fernando e o amigo aparecem já na madrugada de domingo conversando com mulheres e deixam a casa de pôquer, na Rua Marechal Barbacena, no Tatuapé. O empresário e o amigo saem com o carro de luxo, enquanto são seguidos pelo outro veículo, onde estão as garotas.
Depois outras câmeras gravaram quando o Renault Sandero branco de Ornaldo passa pela Avenida Salim Farah Maluf, que tem limite de velocidade de 50 km/h. Aí surge o Porsche Carrera azul, que bate na traseira do carro que estava desacelerando à sua frente. Essas cenas já eram conhecidas da polícia.
A casa de pôquer fica a 1,4 quilômetro distante do local do acidente. Em média, o percurso pode ser feito em cerca de 5 minutos.
Imagens novas, feitas por testemunhas, que também foram incluídas recentemente no inquérito policial, registraram o motorista do Porsche e seu amigo momentos após a batida no Sandero. Os dois veículos aparecem amassados, parados próximo a um poste e uma calçada.
Os vídeos mostram detalhes do Sandero e um homem, do lado de fora do carro, olhando para dentro do veículo, vendo que Orlando continuava lá. O Porsche também aparece. É possível ver um dos ocupantes tentando sair com a ajuda de uma pessoa. Em seguida, os dois ocupantes do carro de luxo aparecem sentados e cercados por um grupo de pessoas, que conversam com eles.
Na quarta-feira (3), policiais apreenderam, na casa de pôquer, computadores em cumprimento a mandado de busca e apreensão. A investigação quer saber se as câmeras do estabelecimento gravaram Fernando dentro do local e saber se ele tomou bebida alcoólica e depois dirigiu.
Segundo a polícia, o sistema de câmeras do estabelecimento armazena as imagens durante três horas e, em seguida, começa a sobrepor um novo conteúdo.
De acordo com as investigações, o consumo de bebida alcoólica no estabelecimento é liberado, sem necessidade de comanda ou recibo.
Conforme informações do delegado do caso, a proprietária da casa de pôquer apresentou os alvarás que comprovam que o local funciona de forma legal.
O depoimento de Marcus Vinícius, que acompanhava Fernando no carro de luxo, ainda é aguardado. No entanto, a polícia informou que ele passou por uma cirurgia, está internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e deve prestar depoimento assim que for possível.
CNH recuperada
Fernando havia recuperado sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) 12 dias antes do acidente, segundo a Polícia Civil de São Paulo.
O empresário teve a CNH suspensa em 5 de outubro de 2023 e ficou 152 dias proibido de dirigir após estourar o limite de multas permitidos. Pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a pontuação máxima permitida por lei é de 40 pontos. Acima disso, a carteira de habilitação é suspensa, e o motorista precisa passar por reciclagem.
Entre as infrações cometidas por Fernando para ter a “suspensão do direito de dirigir” por pouco mais de cinco meses está ao menos uma multa por excesso de velocidade. De acordo com policiais, o empresário passou de carro no ano passado num radar em Cascavel, no Paraná, com velocidade 50% acima do limite permitido para a via.
Por causa da suspensão da CNH, Fernando foi obrigado a passar por uma “reciclagem para infratores”. O jovem de 24 anos fez o curso entre 7 e 16 de novembro de 2023. Em 19 de março de 2024, ele recuperou a CNH e o direito de voltar a dirigir.
‘Sinais de embriaguez’, diz testemunha
Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, o motorista do Porsche dirigia em alta velocidade, tinha sinais de embriaguez, voz pastosa e estava cambaleando. Um homem e uma mulher que viram o acidente prestaram depoimentos nesta terça-feira (2) no 30º Distrito Policial (DP), Tatuapé.
De acordo com as testemunhas, Fernando e o amigo, que também estava no Porsche e tinha sinais de embriaguez, “em nenhum momento” prestaram socorro à vítima do Sandero.
As duas testemunhas afirmaram que a namorada e a mãe de Fernando, mais outras mulheres que compareceram depois do acidente, queriam retirar o motorista do Porsche e o amigo do local. A testemunha afirmou que ela, além outras pessoas que foram ver o que aconteceu, não deixaram.
Motorista não fez bafômetro
Ornaldo foi socorrido por uma ambulância dos Bombeiros. Acabou levado com parada cardiorrespiratória ao Hospital Municipal do Tatuapé, onde não resistiu e morreu. Ele tinha diversas fraturas pelo corpo.
O amigo do motorista do carro de luxo foi levado pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ao Hospital São Luiz do Tatuapé.
A Polícia Militar (PM), que atendeu a ocorrência, informou que liberou Fernando do local do acidente após a mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, dizer aos policiais que levaria o filho para o Hospital São Luiz do Ibirapuera, na Zona Sul, porque o rapaz estaria com um ferimento na boca.
Mas quando a PM foi depois ao hospital para tentar fazer o teste do bafômetro em Fernando, para saber se ele dirigia sob efeito de álcool, e ouvir sua versão para o acidente, não encontrou ele e nem a mulher. Por esse motivo, a Polícia Civil entendeu que ele fugiu.
Fernando passou a ser procurado pelos policiais, mas acabou se apresentando na segunda-feira (1º), um dia após o acidente, na delegacia, onde acabou indiciado por homicídio por dolo eventual (quando se assume o risco de matar), lesão corporal e fuga.
Testemunhas que estavam em outros carros contaram à PM que o Porsche estava em alta velocidade, os ultrapassou, e o motorista perdeu o controle e bateu no Sandero.
Justiça negou prisão
O 30º DP chegou a pedir à Justiça a prisão temporária do motorista do Porsche, mas a solicitação foi negada. A delegacia alegou que Fernando havia fugido do local do acidente, estava em alta velocidade e que precisaria ser preso porque a sociedade pedia sua prisão.
A Justiça negou o pedido argumentando que o motorista já havia se apresentado na delegacia e dado depoimento. E que “gravidade” e “clamor público” não podem justificar a decretação para prender alguém. A polícia pretende pedir a prisão preventiva de Fernando após a conclusão do inquérito.
Em seu interrogatório, Fernando negou que tenha bebido e afirmou que trafegava seu Porsche “um pouco acima do limite” de 50 km/h para a via quando ocorreu o acidente. Disse que “viu a luz de freio de um veículo à frente acender e ao tentar desviar”, colidiu com ele.
O empresário não soube dizer aos policiais, no entanto, qual era a velocidade em que estava: “porém, não chegava ser muito acima também”.
A Polícia Técnico-Científica vai analisar as imagens para determinar qual era a velocidade do Porsche no momento da batida com o Sandero. O laudo pericial do Instituto de Criminalística (IC) irá informar se o carro de luxo estava em velocidade acima do limite para o trecho.
Fernando negou ainda que tenha fugido do local. Sua mãe, Daniela, a mãe de Fernando, também foi ouvida pela investigação. Ela confirmou que pediu autorização a PM para tirar o filho do local do acidente porque ele estava ferido e não havia ambulância para levá-lo. Mas que desistiu após receber ameaças por causa do acidente envolvendo seu filho.
A Polícia Militar informou ainda que irá apurar se os policiais militares erraram ao permitir que Fernando deixasse o local do acidente com a sua mãe para ir supostamente a um hospital, o que não ocorreu. A Ouvidoria da Polícia pediu para a Corregedoria da PM apurar o caso e também quer saber se os agentes usavam câmeras corporais para pedir as imagens.
A Polícia Civil, por sua vez, analisa se irá indiciar Daniela pelo crime de fraude processual pelo fato de a mãe de Fernando, segundo a investigação, ter impedido o motorista do Porsche de fazer teste do bafômetro e ter mentido ao dizer que o levaria a um hospital, mas não o fez.
Defesa cita ‘fatalidade’
A defesa dele, feita por um escritório particular de advocacia, divulgou nota à imprensa informando que seu cliente não bebeu e que o acidente foi uma “fatalidade”.
Fernando é sócio de uma construtora e estudou engenharia numa universidade particular em São Paulo. Ele tem seu nome citado no quadro de sócios de uma das empresas da sua família, a incorporadora Sastre Empreendimentos Imobiliários. E também aparece como único sócio da FF Andrade Serviços Administrativos.
Há cinco anos, Fernando foi aprovado em uma universidade privada da capital paulista, o Mackenzie, onde cursou engenharia civil por algum tempo. Segundo a instituição de ensino, ele não está matriculado lá desde 2021.
“Um sentimento de injustiça gigantesco dentro de mim”, escreveu nesta segunda em seu Instagram, Luam Silva, filho de Ornaldo. Ele foi velado e sepultado no Cemitério Bonsucesso, em Guarulhos, Grande São Paulo.