Há um ano, a família da juiz-forana e estudante de medicina, Larissa Moraes de Carvalho, aguarda respostas sobre o caso da filha, de 31 anos, que ficou em estado vegetativo após uma parada cardiorrespiratória, durante internação para uma cirurgia ortognática, procedimento para corrigir alterações de crescimento dos maxilares.
A paciente deu entrada na Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora no dia 16 de março de 2023 e, desde então, teve a vida totalmente alterada. Ricardo Carvalho, pai da Larissa, contou que a cirurgia era indicada por dentistas desde que ela era pequena.
“Ela procurou vários profissionais, foram três anos em cima de pesquisas para saber qual seria o melhor profissional. A Larissa cursava medicina, então conversou com os professores também”, explicou.
Ricardo lembrou que a filha estava confiante no dia do procedimento. “Sabíamos que seria uma cirurgia longa, com anestesia geral, mas, mesmo enquanto fiquei aquelas horas ansioso esperando, não pensava em coisas horríveis”.
O caso foi levado ao Ministério Público de Minas Gerais e, em setembro de 2023, o promotor Jorge Tobias de Souza determinou a abertura de investigação pela Polícia Civil.
Além da Santa Casa de Misericórdia, o médico que participou da cirurgia e a anestesista são réus no processo. O g1 tentou contato com a defesa deles, mas não obteve retorno.
Já a unidade de saúde informou que não vai se pronunciar sobre o assunto. O escritório que cuida da defesa da instituição foi procurado, mas a reportagem não conseguiu contato com os advogados. O Conselho Regional de Medicina (CRM) também foi contatado por e-mail, mas não retornou.
A Polícia Civil abriu um inquérito policial para apurar o caso e depoimentos já foram colhidos. Outros detalhes não foram repassados.
Parada cardiorrespiratória depois da cirurgia
Ricardo diz que, depois da cirurgia, viu a filha na maca sendo levada em direção ao quarto pelas enfermeiras. “O olho dela estava virado, mas achei que era normal, por conta da cirurgia. Fui andando na frente, para poder abrir a porta do quarto para elas entrarem, mas não pude entrar porque elas pediram que eu ficasse do lado de fora”.
Ele lembra que ligou para a esposa para avisar que Larissa já tinha saído da cirurgia, quando viu outras pessoas entrando no quarto.
“Quando abri a porta, vi uma pessoa fazendo massagem cardíaca na minha filha. Depois o enfermeiro veio me tranquilizar dizendo que ela estava bem, os batimentos já tinham retornado”.
Conforme a família, o prontuário médico da jovem indica que ela teria saído da sala de Recuperação Pós-anestésica (RPA) às 17h45, sendo direcionada ao quarto do 9º andar da unidade, chegando lá por volta das 18h02, já em parada cardiorrespiratória. Neste percurso de 17 minutos, segundo familiares, ninguém havia identificado que algo estava errado com a paciente.
Após a parada cardiorrespiratória, Larissa ficou um mês no CTI, pegou pneumonia e infecção urinária. Depois foi encaminhada para um quarto, onde ficou internada até março deste ano. Desde então, está em tratamento domiciliar, em estado vegetativo.
Segundo o pai, ela é uma pessoa com total dependência.
“Temos enfermeiros 24 horas por dia, ela precisa fazer fisioterapia e fono todos os dias, é alimentada e medicada por sonda. Também não tem o controle das necessidades fisiológicas e precisa usar fralda”.
Família contrata perícia particular
Na ação do Ministério Público, o promotor solicitou a apresentação da íntegra do prontuário médico de Larissa e o áudio da gravação da reunião realizada com a diretoria da Santa Casa, além da cópia do procedimento ao Conselho Regional de Medicina para conhecimento e adoção de eventuais providências.
A família tenta também imagens dos procedimentos realizados. “Tentei marcar reunião com o hospital para entender o que aconteceu, eles desmarcaram e remarcaram. Pedi as imagens das câmeras para saber o que havia acontecido, mas não me entregaram”, explicou o pai de Larissa.
Eles também contrataram duas perícias particulares. Em uma delas, o médico Dr. Hugo Ricardo Valim de Castro cita:
Descrição cirúrgica sem detalhes, de maneira que não é possível avaliar se todos os passos foram seguidos de acordo com as técnicas adequadas;
Preenchimento inadequado do boletim anestésico e da ficha de recuperação pós-anestésica;
Transporte intra-hospitalar em desconformidade com o preconizado pelo Conselho Federal de Enfermagem – pelas informações fornecidas, não é possível confirmar que a paciente esteve durante todo o transporte acompanhada por um profissional;
Assistência inadequada à PCR, sem identificação do ritmo de parada, etapa preconizada na assistência intra-hospitalar à parada e essencial para determinar a realização ou não de desfibrilação e infusão ou não de antiarrítmicos;
Investigação e manejo pós-PCR inadequado, sem a realização de exames mandatórios e com controle de temperatura e glicemia inadequados.
Ele concluiu que “evidenciam-se falhas em diferentes pontos da assistência médico hospitalar prestada, desde o acompanhamento anestésico até os cuidados pós-PCR, que contribuíram para o desfecho neurológico observado”.
Já segundo o relatório da médica contratada Dr.ᵃ Janice Rodriguez de Almeida indica que há indícios de condutas erradas no atendimento prestado à Larissa.
Nos documentos, os profissionais citam que o procedimento contou com falhas relacionadas ao período de observação pós-anestésica. A paciente teria sido monitorada por apenas 20 minutos, contrariando as recomendações da Sociedade de Anestesiologia, que indica observação de uma hora para cirurgias extensas como a que ela fez.
Uma preocupação também está relacionada aos gastos do tratamento, que, até o início de março, ultrapassavam R$ 270 mil, incluindo despesas como medicamentos, fraldas e outros itens necessários, bem como com a contratação de outras terapias de reabilitação.