“A minha pinta faz parte de mim e é linda, nunca pensei em tirar”, começa Mariana Mendes, que nasceu em Patos de Minas, em Minas Gerais, uma cidade com pouco mais de 15 mil habitantes. Ela, que hoje está com 31 anos, tem uma pinta de nascença, de tamanho médio, no rosto. A característica, em questão, é um nervo, chamado de “melanocítico congênito”, consequência da proliferação de células benignas que derivam de melanócitos durante a vida intrauterina.
“Eu nasci com a pinta em um formato muito parecido com o que ela ficaria pelo resto da minha vida. E, nos primeiros dois meses, já estava totalmente desenvolvida e não teve transformações desde então. Ela apenas acompanhou meu crescimento. Ao contrário do que alguns pensam, ela não me traz nenhum malefício e eu consigo fazer o autoexame para saber se tem algum relevo, mudança de cor ou de tamanho. Para você ter ideia, a minha dermatologista se preocupa mais com as minhas sardas, que são muitas, do que com a pinta. A chance de eu ter qualquer problema com ela é baixo”, comenta.
Por ser uma característica de nascença, Mariana revela que encarou a situação com a naturalidade que merece. A sua família, em especial a mãe, sempre fez questão de não fazer a pinta se tornar um tabu para ela ou os que estivessem ao redor.
“Estudei sempre na mesma escola e crescer com esses amigos ajudou muito. A minha mãe também foi peça crucial. Quando alguém comentava que eu era feia ou falava sobre a pinta de maneira negativa, ela sabia lidar e passar por cima da situação. Cresci ouvindo ela me elogiar. Se diziam que o meu rosto estava sujo, ela fazia questão de responder que era justamente a pinta que me tornava única. Na adolescência, eu estava mais preocupada com a roupa que eu usaria do que com o meu rosto. A pressão estética que eu sentia, não era relacionada à pinta”, conta.
Crescer envolta de amor e acolhimento fez com que Mariana não ligasse para comentários maldosos, mas isso não impediu que ela os recebesse. “As pessoas não são boazinhas às vezes, mas percebo que falta informação. Já passei por muita coisa. Perguntaram se eu estava passando carvão na cara ou que eu vivia em um Carnaval fora de época. Em um evento, estava ao lado de outras duas meninas que também tem pintas de nascença, então m rapaz se ofereceu para tirar uma foto nossa no local e, rindo, ele perguntou se uma panela de pressão tinha explodido no nosso rosto. Na hora, o questionei: ‘Qual a graça?’. E ele ficou parado, sem entender nada. Tudo isso é desconfortável, mas não deixo me afetar.”
“Falar sobre o assunto na internet é uma forma de dizer que existimos”
Na juventude, Mariana se descobriu no mundo da moda. Foi quando se mudou de Patos de Minas para Juíz de Fora, aos 18 anos, para estudar. “Morei lá durante oito anos e depois voltei para Minas. Agora, estou há dois anos em São Pailo. Na faculdade, eu fazia alguns trabalhos como modelo, mas nada profissional. Depois, comecei a crescer no meio, aos poucos.”
“Hoje, tomo muito cuidado com as marcas que me relaciono. Algumas querem genuinamente falar de representatividade na moda. Outras só usam a pauta da diversidade para gerar mídia em cima. E é horrível se sentir usado. Por sorte, trabalho com muitas pessoas que realmente entendem o que estão fazendo e a importância disso tudo”, fala. Mas tudo se tornou ainda mais intenso na vida de Mariana em 2018, após ter sido descoberta nas redes sociais por um jornalista do The Sun.
Na ocasião, Mari foi abordada pelo profissional, que notou a forma positiva com que ela lidava com a pinta, e topou falar para um veículo de imprensa sobre autoestima, algo que nunca havia feito antes. O que ela não imagina era a forma com que esse conteúdo sairia da bolha.
“Foi bem inesperado. Eu era estilista, o meu Instagram era super pessoal. De início, achei que o conteúdo sairia no blog pessoal desse rapaz, e não no The Sun. Então, foi um choque quando recebi dele o link da publicação no portal. De repente, a minha entrevista viralizou de um jeito absurdo, fui assunto até no Japão, China, índia, e, claro, aqui no Brasil. Pouco tempo depois, fui no programa da Fátima Bernardes e a história alavancou ainda mais.”
Atualmente, Mariana tem 176 mil seguidores apenas no Instagram, onde se tornou inspiração e representatividade. “Depois de ter sido reconhecida, larguei o trabalho de estilista e me tornei modelo e influenciadora digital. Nas redes, conheci a história de outras meninas que também tem pinta de nascença e entendi que cada um lida com isso de um jeito. Às vezes, parece que só nós passamos por determinada situação, mas não é verdade. Acolhimento é isso. Falar sobre o assunto na internet é uma forma de dizer: ‘Olha, nós existimos’, e de ajudar quem ainda está em processo de aceitação. Está tudo bem ser diferente, agora cabe a nós questionar os padrões. Imagina se todo mundo fosse igual, padronizado? Que chato seria.”
“Nunca pensei em tirar”
Aos 6 anos, Mariana passou por duas sessões de laser, um tratamento que a ajudaria a esconder a pinta. Quem a levou foi sua mãe, depois de conversar com alguns médicos, mas ela decidiu parar o tratamento cedo. “A minha mãe é uma pessoa muito consciente. Ela pensou que seria muito melhor que eu decidisse, quando crescesse, se queria ou não tirar a minha pinta, e que essa decisão não cabia a ela. O tratamento foi interrompido antes mesmo que fizesse algum efeito.”
Já mais velha, ela conta que nunca teve dúvidas: em nenhum momento tirar a pinta passou pela sua cabeça. Para ela, isso significa deixar de ser quem é. “Eu me acho linda assim. Nunca me imaginei sem a minha pinta e não a trocaria por uma cicatriz. As pessoas vivem me perguntando: ‘Quando você descobriu que tinha uma pinta?’. E isso não faz sentido. Nasci assim e nunca pensei em uma versão minha em que ela não estivesse no meu rosto.”
“O padrão de beleza insiste que a gente se encaixe em um ideal de perfeição. Por isso mesmo tento levar esse discurso para a maior quantidade de pessoas. Quero que elas tenham informação e que se vejam em mim”, diz.
Questionada sobre o que é beleza, Mari é enfática: “Beleza é você acreditar em quem você é, e ser feliz desse jeito. É entender que o nosso corpo é como a casa que a gente mora e temos que cuidar dele. E quanto mais movimento a minha vida, mais enxergo tudo de maneira positiva. Só tenho a agradecer ao meu corpo”, finaliza.