O funcionário de uma clínica particular de reabilitação para dependentes químicos que foi preso acusado de torturar e matar um paciente em Cotia, na Grande São Paulo, confessou o crime à Polícia Civil. Matheus de Camargo Pinto, de 24 anos, afirmou ainda que, além dele, outras pessoas participaram das agressões contra Jarmo Celestino de Santana, 55 anos, que morreu.
A reportagem teve acesso ao que Matheus disse em seu interrogatório na Delegacia Central de Cotia.
O caso repercutiu após Matheus filmar Jarmo com as mãos para trás, amarradas e presas, enquanto ele aparece sentado numa cadeira dentro da clínica Comunidade Terapêutica Efata. Na mesma filmagem aparecem ao menos quatro rapazes rindo da situação.
O funcionário também confirmou ter agredido a vítima numa mensagem de voz. As imagens e o áudio foram compartilhados nas redes sociais e viralizaram.
“Cobri no cacete, cobri… chegou aqui na unidade… pagar de brabo… cobri no pau. Tô com a mão toda inchada”, diz Matheus na gravação, segundo a delegacia que investiga o caso.
Acompanhe o que aconteceu com o paciente, segundo o funcionário:
Ainda segundo o que Matheus falou na delegacia, os agentes da empresa que levaram Jarmo à Comunidade Terapêutica Efata o agrediram durante o trajeto. O paciente chegou a ser amarrado por eles, que foram buscá-lo na casa onde morava com a mãe. A família decidiu interná-lo compulsoriamente porque o homem era usuário de entorpecentes e agredia a mulher. Os parentes escolheram a clínica pela internet.
“Os próprios agentes que removeram Jarmo o agrediram no momento de deixá-lo na clínica”, informa um dos trechos do interrogatório de Matheus.
Matheus contou ainda que Jarmo chegou “transtornado psicologicamente” na clínica e que os donos do estabelecimento, o enfermeiro Cleber Fabiano da Silva e Terezinha de Cássia de Souza Lopes da Conceição, o ajudaram a conter o paciente, na noite da última sexta-feira (5).
Segundo Matheus, “foi necessário uso de força” e Jarmo acabou “arremessado ao solo”. O funcionário da clínica, que é ex-dependente químico e estava trabalhando havia duas semanas no local, falou que segurou os braços do paciente. De acordo com ele, Cleber, que também é enfermeiro, segurou os joelhos do homem, enquanto Terezinha segurou a cintura dele.
A defesa de Cleber e Terezinha informou ao g1 que seus clientes não estiveram na clínica quando Jarmo foi agredido porque ambos estavam de folga no dia. E que só souberam das agressões depois pela polícia.
De acordo com o interrogatório de Matheus, Jarmo acordou “surtado” no sábado (6), “querendo agredir os outros internos”. A clínica tinha pouco mais de 20 pacientes naquela ocasião. Para contê-lo, o funcionário disse ter entrado em “luta corporal com ele”.
No meio da manhã, como o paciente começou a quebrar os objetos do quarto onde estava, Matheus e outros dois monitores foram até lá para imobilizá-lo. Para isso, ocorreram “novas agressões físicas”, dessa vez, “com maior ímpeto”.
Matheus contou ainda que aplicou um golpe chamado “mata-leão” em Jarmo, que consiste em dar uma chave de braço no pescoço da pessoa, a deixando com dificuldades para respirar. “Entretanto ele saiu da contenção sem sequelas”, alegou o funcionário.
Após essa série de agressões contra Jarmo, Matheus disse que o quarto onde o paciente estava foi limpo. E que a equipe da clínica foi providenciar a transferência dele para outra unidade de tratamento para usuários de drogas.
Já no domingo (7), Matheus disse que foi dar café para Jarmo e que puxou o braço dele, deslocando o seu ombro. E que, por esse motivo, o paciente foi levado para o Pronto-Socorro de Vargem Grande Paulista, onde foi medicado e retornou à clínica.
Na segunda-feira (8), o funcionário disse que foi levar o café da manhã para Jarmo, que falava que “iria embora” dali. À tarde, Matheus falou que voltou ao quarto para dar o almoço ao paciente, que estava caído no chão. E que quando o tocou, ele “não respondia”.
Diante disso, Jarmo voltou a ser socorrido e levado para o hospital em Vargem Grande Paulista, onde sua morte foi confirmada. Segundo os médicos, o paciente apresentava lesões compatíveis com marcas de agressões físicas.
Na terça-feira (9), Matheus passou por audiência de custódia na Justiça, que converteu a prisão em flagrante dele em preventiva, para que fique detido sem prazo para sair.
O funcionário já teve outras passagens criminais anteriores há alguns anos. Entre elas: prisão pro resistência contra policiais militares e agressão contra uma mulher.
O g1 não conseguiu localizar a defesa de Matheus para comentar o assunto.
“Eu não participei da agressão, em momento nenhum. Se eu soubesse da agressão, eu teria intervido com certeza. Essa não é a minha prática e todos os meus alunos presentes que estão na clínica e ex-alunos podem testificar isso aí: que eu nunca adotei esse tipo de situação. Nunca teve uma cena dessa tortura”, afirmou Cleber nesta quarta-feira (10) em entrevista à TV Globo.
Polícia investiga mais pessoas
A polícia investiga se outras pessoas tiveram envolvimento direta ou indireta na tortura e na morte de Jarmo. “Apuramos se mais alguém participou diretamente das agressões ou foi omisso ao não impedir que elas acontecessem”, falou o delegado Adair Marques Correa Junior, da Delegacia Central de Cotia.
Os policiais aguardam o resultado do exame necroscópico de Jarmo, que irá apontar a causa da morte do paciente. “A vítima foi dopada por medicamentos. Essa medicação em excesso pode ter sido a causa da morte da vítima”, disse o delegado.
Ainda nesta terça, a Prefeitura de Cotia informou que a clínica de reabilitação era clandestina. Uma equipe da Vigilância Sanitária esteve no endereço, interditou o local e atestou que a clínica particular não tem nenhum tipo de autorização para funcionamento.
A advogada Terezinha Cordeiro de Azevedo, que defende os interesses dos donos da clínica informou, no entanto, que, segundo os proprietários, o estabelecimento não é clandestino, está regularizado e tem autorização para funcionar.
Donos responderam por maus-tratos em 2019
O casal Cleber Silva e Terezinha Conceição, proprietários da Comunidade Terapêutica Efata, já responderam criminalmente por maus-tratos contra quatro adolescentes internados em outra unidade terapêutica gerida por eles, em 2019. A defesa deles negou essa acusação e alegou que seus clientes são inocentes.
Na denúncia, o Ministério Público (MP) apontou que eles ofereciam apenas alimentação básica aos jovens — como sopa, salsicha e ovo —, além de obrigarem os adolescentes a trabalharem como ajudantes de pedreiro para que pudessem ganhar doces e cigarros em troca.
No entanto, o g1 apurou que o crime de maus-tratos prescreveu. Em outras palavras, a Justiça declarou a extinção da punibilidade em razão da prescrição dos crimes. Ou seja, o Estado perdeu o direito de aplicar a pena por conta da inércia ao longo de determinado tempo.