Há mais de 20 dias, conflito fundiário entre indígenas e produtores rurais tem deixado moradores da área rural de Douradina (MS) sob tensão. Em novo confronto, durante a noite desse domingo (4) e a madrugada desta segunda-feira (5), outras seis pessoas ficaram feridas na disputa armada pela terra chamada de Panambi-Lagoa Rica.
Dos feridos mais recentes, cinco são produtores rurais e uma vítima é indígena. As vítimas sofreram ferimentos superficiais e não quiseram ser encaminhadas ao atendimento médico.
No sábado (3), cinco indígenas da etnia guarani kaiowá foram feridos com tiros de armas letais e de munição de borracha. Os atacados no sábado foram encaminhados ao Hospital da Vida, em Dourados. Ao g1, a instituição informou que apenas um indígena segue internado aguardando avaliação neurológica.
A Força Nacional, o Batalhão de Choque e a Polícia Militar estão no local de conflito. De acordo com os representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a situação está controlada no momento e militares estão de prontidão.
Contexto: o conflito segue desde o dia 13 de julho, quando um indígena foi baleado na perna por uma bala de borracha. Enquanto indígenas afirmam serem donos ancestrais da área, fazendeiros alegam serem proprietários legais da terra. Polícias Militar e Federal, representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), militares da Força Nacional e promotores do Ministério Público Federal (MPF) foram ao local de conflito. Mesmo com diversas reuniões, nenhum acordo foi firmado entre as partes.
O confronto mais recente começou na última sexta-feira (2). Segundo a Força Nacional, a tensão iniciou quando um mecânico ficou preso em um bloqueio indígena na região. Os agentes foram acionados para intervir. Segundo a Polícia Militar, o mecânico estava apenas perdido e a situação foi resolvida pacificamente.
Entretanto, no sábado (3), produtores rurais se reuniram e invadiram com caminhonetes o acampamento dos indígenas na área em disputa. Em Boletim de Ocorrência, os fazendeiros disseram que um grupo entre 20 e 30 indígenas teria ateado fogo em um monte de palha, e as chamas se espalharam pela vegetação de uma propriedade rural. Ao ver o fogo, os produtores se reuniram para retirada dos indígenas.
O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal investigam o uso de armas letais e brancas (facas, arcos e flechas) por parte dos indígenas e dos produtores rurais.
Em nota, o MPF afirmou que vai “apurar eventuais infrações penais ocorridas durante o conflito entre indígenas guarani kaiowá e produtores rurais da região. […] O confronto, cujas circunstâncias ainda estão sendo apuradas, resultou em seis pessoas feridas, uma delas com gravidade. Entre os feridos, uma pessoa foi atingida por uma arma letal, possivelmente um revólver, cujo calibre está em processo de identificação”. Leia a nota na íntegra mais abaixo.
Nas redes sociais, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que os indígenas que estão na área de conflito são ameaçados por supostos capangas armados. O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) confirma que dois indígenas foram feridos por armas com munição de borracha nestes últimos dias de conflito.
Área em processo de demarcação
A coordenadora geral do departamento de mediação e conciliação de conflitos fundiários do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Daniela Alarcon, esteve em Douradina ao longo da semana. A representante do ministério destaca a atuação para prevenir confrontos.
A terra reivindicada pelos indígenas é reconhecida desde 2011, são 12 mil hectares reconhecidos como terra ancestral. A terra não foi demarcada, por causa do processo. Porém, não há nenhuma determinação de reintegração de posse por parte da Justiça”, apresenta Daniela.
A área do conflito passa pelo processo de demarcação de terras indígenas. Segundo a representante do MPI, a União reconheceu o perímetro de cerca de 12 mil hectares a partir de estudos interdisciplinares em 2011. Entretanto, o processo de demarcação ainda não foi finalizado, pois há ações na justiça que impedem seu andamento.
“Mesmo não sendo concluída a demarcação, as etapas de delimitação e análises das contestações foram superadas, com a publicação do relatório de identificação e delimitação da área, que é uma etapa fundamental. No momento, ações judiciais impedem que o processo termine. Não é uma invasão. O Estado brasileiro já estudou e indicou que esta área é de ocupação tradicional.”
Leia a nota do MPF na íntegra:
“O Ministério Público Federal (MPF) vai instaurar Inquérito Policial (IPL) para apurar eventuais infrações penais ocorridas durante o conflito entre indígenas Guarani Kaiowá e produtores rurais da região. Equipes do MPF foram até a comunidade indígena Panambi Lagoa Rica, no município de Douradina (MS), para coletar informações detalhadas sobre o ocorrido.
No local, o MPF conversou com as partes envolvidas – indígenas e produtores rurais – e realizou uma análise pericial na área, coletando projéteis, incluindo balas de borracha. O confronto, cujas circunstâncias ainda estão sendo apuradas, resultou em seis pessoas feridas, uma delas com gravidade. Entre os feridos, uma pessoa foi atingida por uma arma letal, possivelmente um revólver, cujo calibre está em processo de identificação.
Há relatos conflitantes sobre o incidente. Os indígenas afirmam que foram provocados pelos fazendeiros, enquanto os produtores rurais alegam que houve um avanço dos indígenas além da área previamente acordada.
A situação está sob controle, e o MPF espera que o governo federal intervenha para solucionar a questão da demarcação de terras, visando uma resolução pacífica e definitiva do conflito”.