A Polícia Civil investiga o que causou a morte de uma menina de 3 anos, em agosto deste ano, em Ribeirão Preto (SP). Sophia da Silva Fernandes completaria 4 anos nesta sexta-feira (13). Ela ficou internada por nove dias na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas (HC-UE) até ter a morte encefálica confirmada.
A instituição levou o caso às autoridades por causa dos sinais apresentados por Sophia ao dar entrada na unidade. Ela tinha graves lesões cerebrais, o que levou os médicos a suspeitarem de um episódio de violência. A mãe alega que Sophia sofreu uma queda acidental.
A Polícia Civil já ouviu os depoimentos dos pais da criança e dos avós maternos e paternos. Até o momento, a investigação conduzida pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) não apontou suspeitos. O processo está sob sigilo.
Nesta sexta-feira (13), a EPTV, afiliada da TV Globo, teve acesso com exclusividade ao laudo do Instituto Médico Legal (IML). O documento descarta um acidente e aponta a possibilidade de a menina ter sido agredida.
Nesta matéria, o g1 lista o que já se sabe sobre o caso.
O que aconteceu com Sophia?
Após dar entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Ribeirão Preto no dia 1º de agosto, a menina foi transferida para a Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas (HC-UE) devido à gravidade do estado de saúde.
Segundo o boletim de ocorrência, ela tinha um “quadro agudo grave de rebaixamento de nível de consciência e descerebração. Não havia histórico de trauma importante ou sinais infecciosos e de uso de substâncias”.
No HC-UE, Sophia foi submetida a uma cirurgia de emergência para aliviar a pressão do cérebro por causa de um grande hematoma intracraniano. No entanto, foi necessária uma amputação do encéfalo.
O diagnóstico médico foi de hemorragia subdural aguda devido a traumatismo, que é quando há acúmulo de sangue entre o crânio e o cérebro causado por um impacto na cabeça. Uma análise oftalmológica também apontou que Sophia tinha hemorragia na retina dos dois olhos, sugestivas de trauma de grande energia.
A menina teve a morte encefálica confirmada no dia 9 de agosto.
Quem estava com Sophia quando ela foi socorrida?
Sophia foi levada pela mãe e pelo padrasto à UPA, onde recebeu o primeiro atendimento. A mulher, de 20 anos, disse que colocou a menina para tomar banho por volta das 7h e que foi à cozinha preparar um café. A porta do banheiro ficou aberta.
Alguns instantes depois, o companheiro dela, padrasto de Sophia, viu a menina caída no chão.
Segundo a mãe, ela estava com a cabeça encostada do lado direito e sentada de frente para a porta.
O casal contou que chamou um carro de aplicativo e seguiu para a UPA. Eles não chamaram uma ambulância porque pensaram que o socorro poderia demorar. Segundo o casal, a menina ainda respirava normalmente, não falava, mas dava sinais de que queria vomitar.
Aos médicos, a mãe de Sophia alegou que ela sofreu uma queda enquanto estava sozinha no banheiro. A mulher disse que a menina não tinha o hábito de permanecer só durante o banho.
A avó materna de Sophia disse que foi informada pela filha de que a neta havia passado mal na véspera da internação após comer uma banana.
Quem acionou a polícia?
Diante do quadro apresentado por Sophia e da versão apresentada pela mãe, os médicos do HC-UE notificaram as autoridades por suspeitarem que a menina havia sido vítima de algum episódio de violência.
O Ministério Público requereu a instauração de inquérito no dia 6 de agosto, quando Sophia ainda estava internada, e a Polícia Civil abriu investigação para apurar os crimes de maus-tratos e lesão corporal.
O que diz o pai da menina?
O auxiliar de mercadoria Felipe Gomes Fernandes está separado da mãe de Sophia desde dezembro de 2023. Ele mora em Serrana (SP) e alega que, ultimamente, encontrava dificuldades para ver a menina por causa da ex-companheira.
Segundo Felipe, os dois mantiveram um relacionamento conturbado por quatro anos e chegaram a morar com os avós dele em Maracaí (SP). No início deste ano, a jovem voltou com a filha para Serrana, onde os pais dela vivem e passou a morar com eles.
Felipe afirma que, até julho deste ano, Sophia estava sendo cuidada pela avó materna em Serrana e estudava em uma creche municipal. Com as férias escolares, ele e a ex combinaram que iriam contratar uma babá, porque a sogra trabalha fora, e a despesa seria dividida entre eles dois.
O rapaz diz que pagou pelos 15 dias da babá, mas que quando chegou a vez da ex, ela pegou a menina na casa da mãe e a levou para morar com ela na casa da atual sogra, em Ribeirão Preto, e com o atual companheiro, que ela conheceu em abril deste ano.
A menina não estava frequentando a escola quando foi internada.
Em depoimento à polícia, o pai alegou que a ex tinha um comportamento “bruto” com a filha e que isso era alvo de brigas quando os dois estavam juntos. Segundo Felipe, ela dava “palmadas fortes” na menina e ele a alertava de que poderia machucar a criança, mas era retrucado com a argumentação de que a mãe estava educando a filha.
O que apontou o laudo do IML?
Um laudo elaborado pelo IML descartou que um acidente motivou as lesões que culminaram na morte de Sophia. O documento indica a possibilidade de que os ferimentos na cabeça da criança tenham sido causados por agressões.
No laudo, o médico legista aponta, no entanto, que:
- Acidentes por queda doméstica de crianças pequenas envolvem “baixa energia por apresentarem baixa velocidade e pelo peso das crianças”, o que não seria o caso;
- há “desproporção entre a criança e um adulto que seria o provável agressor” e que o trauma foi “por meio cruel”;
- a morte ocorreu por causa externa, tendo como mecanismo um edema encefálico grave após hematoma subdural agudo por traumatismo crânio encefálico.
A perícia destaca, ainda, “que a mãe não teve reações compatíveis com a gravidade do quadro clínico da filha” no primeiro atendimento com assistentes sociais, psicóloga e equipe médica.
“Apresenta postura evasiva e apatia, expressando afeto dissociado diante do contexto de internação da filha e da gravidade do quadro clínico”, aponta o documento.
O que diz a mãe de Sophia?
A mulher nega qualquer agressão contra a filha. Apesar de admitir que a filha era bagunceira, ela disse à polícia que tinha como hábito colocar a menina de castigo para corrigi-la, mas não de bater. A versão é corroborada pelo atual companheiro dela.
Diante da divulgação do laudo, a defesa mantém a versão de que possa ter havido um acidente doméstico.
“A mãe insiste que não houve nenhum fato anterior que justificasse essa lesão. Ainda é possível ver que lá no laudo se trata de uma lesão interna, não tinha nenhuma aparência externa de que a criança tivesse sofrido a agressão. Então isso já confirma o que pensávamos desde o início, de que não havia nenhuma lesão aparente, e isso veio confirmado no resultado do laudo”, argumenta o advogado da mãe, Wagner Simões.
O que acontece agora?
Procurada, a delegada Patricia de Mariani Buldo, titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) em Ribeirão Preto, preferiu não comentar o assunto.
O juiz da Vara da Infância e Juventude de Ribeirão Preto, Paulo César Gentile avalia que há materialidade para afirmar que Sophia foi morta.
“O laudo necroscópico é uma evidência inconteste de que essa morte não foi acidental, essa menina muito provavelmente, de acordo com o laudo, não morreu em função de uma queda. O laudo de maneira bem objetiva, bem concreta, aponta que ela morreu em função de uma energia muito grande aplicada sobre o corpo, ou seja, ela pode ter sido vítima de um chacoalhão, de um empurrão, de alguém que a tenha jogado no chão, de maneira que existem evidências muito relevantes, muito palpáveis de que essa criança foi morta e não se acidentou.”
De acordo com o magistrado, a investigação deve ser conduzida para identificar um suspeito.
“Cabe agora à Polícia Civil continuar, dar sequência e concluir o trabalho investigativo, para verificar quem eventualmente matou essa criança, por que o fez e como o fez. Isso tudo é trabalho agora da polícia, que com certeza deve estar a bom caminho nesse sentido. Uma vez concluído o trabalho da polícia, encerrado o inquérito policial, essa peça investigativa vai ser encaminhada para o Ministério Público, ao promotor que atua na Vara do Júri, para ele formar o seu convencimento e eventualmente dar início a uma ação penal”, afirma Gentile.