Após quase três décadas de disputas judiciais, o Supremo Tribunal Federal (STF) intermediou um acordo histórico entre indígenas Guarani Kaiowá e produtores rurais de Mato Grosso do Sul, devolvendo às comunidades originárias a Terra Indígena Ñande Ru Marangatu.
O acordo, formalizado em audiência que durou quase sete horas nessa quarta-feira (25) no STF, prevê a indenização dos produtores pelas benfeitorias realizadas no local e pelo valor da terra nua, pondo fim a um dos conflitos fundiários mais longos do estado.
A área em questão, localizada no município de Antônio João, abrange aproximadamente 9 mil hectares e inclui propriedades de grandes fazendas, como Morro Alto, Primavera, Piquiri Santa Cleusa, Itá Brasília, Barra, Cedro, Fronteira, Pérola do Vale, Itaguassu, e lotes rurais da Vila Campestre.
O acordo estipula a indenização dos proprietários tanto pelas benfeitorias quanto pelo valor da terra nua, somando um total de R$ 144,8 milhões. Deste montante, R$ 27,8 milhões correspondem à indenização pelas benfeitorias, conforme avaliação realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2005, com atualização pela inflação e pela taxa Selic. Esse valor será pago pela União por meio de crédito suplementar.
Além disso, a União destinará R$ 101 milhões para indenizar os proprietários pela terra nua. O governo de Mato Grosso do Sul também contribuirá com R$ 16 milhões, que serão pagos aos produtores rurais por meio de depósito judicial.
De acordo com o acordo firmado entre as partes, após o pagamento das indenizações referentes às benfeitorias, os produtores rurais terão o prazo de 15 dias para desocupar a área. Cumprido esse período, a comunidade indígena poderá ingressar no território de maneira pacífica, conforme previsto no entendimento. As benfeitorias realizadas pelos produtores, avaliadas pela Funai, permanecerão no local e já foram incluídas no montante indenizatório pago pela União.
O acordo, que agora segue para a aprovação do colegiado do STF, marca o início de uma nova fase de diálogo e reconciliação entre indígenas e produtores. Marcelo Bertoni, presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), celebrou o desfecho, ressaltando o trabalho incansável da entidade ao longo dos anos e a importância do entendimento para resolver injustiças históricas.
A disputa, que acontece há pelo menos 30 anos, é um marco para Mato Grosso do Sul e reuniu representantes da União, Governo do Estado, produtores rurais e indígenas. “[…] Que este seja o primeiro de muitos outros casos a serem resolvidos para que juntos possamos colocar um ponto final na injustiça causada aos indígenas e aos produtores rurais”, destaca o presidente da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni.
Além dos termos financeiros, foi incluída no acordo uma cerimônia fúnebre em homenagem a Neri da Silva, um jovem indígena que perdeu a vida durante os confrontos na região. A cerimônia ocorrerá no sábado, 28 de setembro, com o apoio da Funai e segurança da Força Nacional, e contará com a presença de 300 membros da comunidade indígena.
A celebração do acordo também prevê a extinção, sem resolução de mérito, de todos os processos em tramitação no Judiciário que discutem os litígios envolvendo o conflito da demarcação da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu.
Conflitos
Em setembro, a tensão e a violência aumentaram significativamente na região. No dia 12, pelo menos dois indígenas da comunidade Nhanderu Marangatu foram feridos durante um confronto com a Polícia Militar. Segundo a PM, o conflito teve início quando os policiais impediram um grupo de 20 indígenas de ocupar a sede de uma das fazendas em disputa. De acordo com o relato policial, os indígenas teriam atacado os agentes, que reagiram.
Menos de uma semana depois, em 18 de setembro, um novo confronto resultou na morte de Neri Ramos da Silva, de 23 anos, atingido por disparos. Esse foi o segundo embate em um curto intervalo de tempo na mesma área. A Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que a presença da Polícia Militar no local visava cumprir uma decisão judicial, que determinava a manutenção da ordem e a segurança na propriedade rural, bem como garantir a livre circulação de pessoas entre a rodovia e a sede da fazenda.