A América do Sul está ficando mais quente, seca e inflamável. Isso é o que mostra um novo estudo publicado nesta quinta-feira (25) na prestigiada revista científica “Communications earth & environment“.
E por trás desse aumento, há uma explicação clara: as mudanças climáticas. Ainda segundo a pesquisa, é esse o processo que está intensificando os períodos de seca e aumentando a temperatura no subcontinente, resultando em condições mais propensas a incêndios florestais em várias regiões.
No estudo, que traz números até 2022 (entenda mais abaixo), os pesquisadores analisaram dados de temperatura, precipitação e ocorrência de incêndios nos últimos 40 anos em toda a América do Sul e encontraram evidências de que esses eventos se tornaram mais frequentes e severos, especialmente no norte da Amazônia, no nordeste do Gran Chaco (que abrange o Pantanal) e na região do Lago Maracaibo, na Venezuela.
📈 Veja o quanto aumentou:
- Nesses locais, entre 1971 e 2000, condições quentes, secas e inflamáveis geralmente ocorriam por menos de 20 dias por ano.
- No entanto, nas últimas décadas, essas condições aumentaram para até 70 dias por ano, uma taxa que representa mais do que o triplo de dias com condições do tipo.
“A mudança climática é, sem dúvida, o fator mais importante que explica essa tendência”, diz ao g1 Raul Cordero, autor do estudo e professor da Universidade de Groningen, na Holanda.
“A mudança climática faz com que os eventos extremos aumentem em frequência, e esse aumento extraordinário no risco de incêndios na América do Sul é mais um exemplo disso”, acrescenta.
Veja o mapa abaixo, que compara o período entre os anos 1971-2000 e 2001-2022 e mostra o seguinte:
- 🔴 quanto mais tons avermelhados, mais dias por ano registraram condições simultâneas de calor, seca e incêndios;
- ⚫ já quanto mais tons pretos, menos dias do tipo foram registrados nessa comparação;
- ⚪ por fim, tons brancos representam áreas com pouca ou nenhuma mudança significativa na duração dessas condições.
Ainda segundo o estudo, quando são comparados os períodos entre os anos 1971-2000 e 2001-2022, é visto que somente o número de dias quentes aumentou em cerca de 60 dias por ano na Amazônia e na região da Bacia de Maracaibo.
Já no Pantanal, embora o aumento de dias quentes não tenha sido tão significativo, o que os pesquisadores constataram foi que a região apresentou um dos maiores aumentos no número de dias secos por ano em toda a América do Sul.
Além disso, durante o mesmo período, foi identificado que as precipitações anuais na região, assim como em Maracaibo, caíram cerca de 100 mm e 200 mm, respectivamente.
No estudo, os pesquisadores destacaram, porém, que a quantidade de chuva nessas áreas ainda é alta (mais de 1000 mm por ano).
Mas, paralelamente a isso, foi observado que as condições secas aumentaram em mais de 50 dias por ano nessas duas regiões. E um fator importante nesse processo foi justamente o impulso das mudanças climáticas.
“O fator chave no Pantanal (e em grande parte do Gran Chaco) que explica o aumento no risco de incêndios intensos é a queda nas precipitações. Felizmente, a região ainda mantém precipitações relativamente altas, de modo que os efeitos nos ecossistemas locais associados à redução das chuvas são relativamente limitados”, alerta Cordero.
Este ano, como mostrou o g1 com exclusividade, o Brasil enfrenta a maior seca da sua história, com aproximadamente um terço do território em situação de seca intensa.
No Pantanal, as alterações climáticas aumentaram em cerca de 40% o número de incêndios florestais observados em junho. Além disso, a crise climática elevou em até 20 vezes a chance de condições meteorológicas que contribuíram para a intensificação dos incêndios na Amazônia Ocidental entre março de 2023 e fevereiro de 2024.
Desde agosto, somente no Amazonas, todos os 62 municípios do estado estão em emergência ambiental devido à estiagem severa e o aumento de focos de incêndio na região. Segundo a Defesa Civil do estado, 330 mil pessoas já sofrem com os impactos da seca que atinge o estado e isola comunidades no interior.
Em Manaus, o Rio Negro, que é um afluente do Rio Amazonas, está a menos de dois metros da seca histórica de 2023.
Cordero diz que essa situação atual do país está de acordo com o estudo, que prevê temporadas de incêndios cada vez mais intensas.
El Niño e La Niña
O estudo de Cordero aponta ainda que o El Niño-Oscilação Sul (ENSO) influencia a ocorrência de condições extremas na região. A constatação não é bem uma novidade, mas reforça que o fenômeno climático tem um impacto significativo no clima de toda a América do Sul.
Isto é, como tanto o El Niño e a La Niña influenciam as temperaturas no Pacífico, elas afetam em muito o clima da região.
Por exemplo, a seca intensa no Gran Chaco coincidiu com a La Niña de 2020 a 2022, enquanto a Amazônia teve um período seco durante o El Niño de 2015.
Além disso, foi constatado que, quando ocorre o El Niño, o risco de incêndios aumenta no norte da Amazônia, enquanto a La Niña eleva esse risco na parte central da América do Sul.
⛈️☀️️ El Niño X La Niña: O El Niño é a fase positiva do fenômeno El Niño-Oscilação Sul (ENOS), com aquecimento das águas do Pacífico Equatorial. Isso traz verões mais quentes e invernos menos rigorosos no Brasil. Já a La Niña é a fase negativa, com resfriamento das águas, resultando em chuvas no Norte e Nordeste e tempo seco no Centro-Sul. Entre essas fases, há também a fase neutra, com efeitos climáticos menos claros.
Para Ana Paula Cunha, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), essa atual seca de 2023-2024 tem um fator ainda mais agravante: o aumento das temperaturas do Atlântico Tropical Norte, também relacionado às mudanças climáticas.
Isso altera o comportamento das zonas de convergência, que poderiam trazer chuvas para o Norte, agravando a seca.
“O aumento desses eventos de seca e calor está ligado, primeiramente, ao aquecimento global, que provoca o aumento das temperaturas dos oceanos e, consequentemente, mudanças nos padrões de chuvas no Brasil. Em segundo lugar, a remoção da cobertura vegetal agrava a situação, pois altera as trocas de calor e água entre a superfície e a atmosfera, prolongando a estação seca e elevando as temperaturas”, diz Cunha.
No começo deste mês, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) afirmou que há 60% de probabilidade de surgirem condições de La Niña no final deste ano.
A atual estimativa aponta que houve uma “redução” da probabilidade de ocorrência do fenômeno. Em junho, era de 70% a chance de o La Niña se consolidar entre agosto e novembro, segundo a OMM.
A agência da ONU alertou, porém, que o aquecimento do planeta em longo prazo permanece.