Um vídeo que circula nas redes sociais, gravado pela body cam de um policial militar, mostra o momento em que o agente atira duas vezes no peito de um homem em surto psicótico que corre na direção dele segurando uma marreta.
Na sequência, o homem com a marreta, identificado como Maciel, cai na rua e, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), chega a ser socorrido por uma ambulância, mas não resiste aos ferimentos e morre em um hospital.
O caso ocorreu no último domingo (13) na Rua Giuseppe Boschi, no Jardim Miriam, região da Cidade Ademar, Zona Sul de São Paulo. Nas imagens, o policial, que não teve o nome divulgado, justifica sua reação, dizendo que atirou para se defender porque o homem iria agredi-lo com a marreta.
“A gente não sai de casa pra sofrer agressão”, diz o PM para uma mulher que aparece na frente de uma casa. Ela responde: “Tá certo”. “Não tinha escolha”, reforça o policial militar , que temia ser atingido e morto por um golpe de marreta (leia abaixo outros trechos do que é dito no vídeo gravado pela câmera corporal do agente).
A pasta da Segurança divulgou nota informando que o caso foi registrado pelos PMs que estavam no local na Polícia Civil e na própria Polícia Militar como “morte decorrente de intervenção policial e resistência” (leia nota abaixo).
O policial que atirou tinha ido ao local com o colega numa viatura da PM atender uma ocorrência envolvendo um homem armado com uma marreta em surto psicótico que estaria colocando outras pessoas em risco.
Procurados pela equipe de reportagem, a Ouvidoria da Polícia, que fiscaliza e recebe denúncias sobre a atividade policial em São Paulo, e o Instituto Sou da Paz, que faz estudos sobre o uso de armas na segurança pública, viram o vídeo e informaram que o ideal seria o policial usar primeiramente uma arma de choque ao invés de uma arma de fogo para conter o homem em surto.
Especialistas em segurança defendem o uso da arma que emite eletricidade para tentar reduzir a letalidade policial.
A Defenda PM, associação de oficiais militares do estado de São Paulo em defesa da Polícia Militar, também assistiu a filmagem e teve o entendimento de que o policial militar agiu em legítima defesa. A mesma opinião foi compartilhada por José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública (veja abaixo que cada um dos representantes dos órgãos disseram sobre o caso).
O g1 tenta identificar o homem morto e contatar seus familiares.
Body cam gravou reação
Trechos do diálogo durante a ação que terminou com o homem em surto baleado:
PM – Entra aí. Entra lá, .
PM – Opa, Maciel. Tudo bem? Afasta Maciel. Afasta. Afasta, afasta
Após isso, o homem vai para cima do policial militar segurando a marreta e o agente atira duas vezes no peito dele e pede uma ambulância ao Centro de Operações da Polícia Militar (Copom).
PM – Copom, (inaudível) para informar (inaudível) para informar, Copom. Indivíduo aí (inaudível) com martelo, QSL [entendido]?
PM – Copom, indivíduo alvejado, QSL? Aciona o resgate.
Copom – É [Rua] Giuseppe Bochi…
PM – Indivíduo veio pra cima da equipe com martelo, QSL, Copom? Indivíduo alvejado aí no tórax. Han, não teve jeito…
PM – Pega o martelo ali dele, ó… Não tinha escolha. Ó (inaudível) não deu tempo de pegar.
É possível escutar uma mulher chorando e alguém pedindo “calma” a ela.
PM – Cadê a mulher da casa?
PM – Chama eles aí… Não teve escolha. Veio pra cima da gente com martelo.
Mulher – Tá certo…
PM – A gente, a gente veio aqui fazer o nosso serviço, mas infelizmente…
Mulher – … Tudo certo…
PM – … A gente não sai de casa pra sofrer agressão. Dá uma martelada na nossa cabeça aí, a gente pode morrer. A gente não queria fazer isso… cêis viram, a gente não quer fazer. É a última escolha…
DHPP e PM investigam caso
Pelo fato de envolver uma ação com morte cometida por um agente vinculado à Secretaria da Segurança Pública, haverá duas investigações, segundo a pasta:
Uma investigação será feita pela Polícia Militar, para apurar, na esfera administrativa, a conduta do agente e saber se ele agiu corretamente, seguindo os protocolos da corporação para situações como essa.
Outra investigação sobre o mesmo caso seguirá no Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, que vai apurar criminalmente se o policial agiu em legítima defesa, como diz no vídeo.
“O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial e resistência no DHPP e é investigado pela PM por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). Na ocasião, um homem em surto psicótico resistiu a abordagem policial e partiu para cima de um dos agentes na posse de uma marreta. Houve intervenção e o homem foi atingido. Ele foi socorrido ao hospital, mas não resistiu”, informa trecho da nota divulgada pela SSP.
“A marreta foi apreendida e a perícia, acionada. As investigações prosseguem, incluindo a análise de imagens, para esclarecer os fatos. Todas as circunstâncias envolvendo o caso são alvo de apuração de ambas as polícias”, complementa a pasta da Segurança no comunicado.
Ouvidoria da Polícia
“A imagem é uma triste, mas enfática confirmação de uma doutrina de segurança pública que trabalha com a orientação da letalidade. Se fosse adotado um procedimento não-letal neste caso, como, por exemplo o uso de tonfa [cassetete] ou mesmo Taser [marca de uma arma de choque virou sinônimo para identificar o aparelho], o resultado seria claramente outro. É preciso garantir a segurança dos agentes, mas nunca ao preço de vidas que poderiam ser poupadas”, disse Claudio da Silva, ouvidor da Polícia.
Sou da Paz
“As imagens e a investigação ajudarão a apurar a atuação do policial. Será necessário entender por qual motivo ele estava tão separado do parceiro, também será preciso entender se dispunha de alternativa menos-letal, como armas de incapacitação neuromuscular. Caso soubessem, que lidavam com um indivíduo em surto e sem arma de fogo, esta deveria ser a opção que os PMs deveriam ter a mão”, disse Bruno Langeani, gerente da área de Justiça e Segurança do Sou da Paz.
“Pelo vídeo disponível me parece que o policial, apesar de afastado da viatura e do seu parceiro (que aumentariam sua proteção e alternativas táticas disponíveis), estava bastante atento ao seu entorno, percebeu de antemão a aproximação da ameaça, verbalizou corretamente para o agressor se manter afastado e diante da clara ameaça de ser agredido com uma marreta, efetuou dois disparos, como preceitua o método da PM”, falou Bruno.
“Ou seja, ainda que possa ter havido falhas anteriores, naquele momento o policial acabou reagindo rápido e usando a opção disponível. Sendo este o caso, este é um exemplo de como a câmera corporal pode ajudar a esclarecer casos de uso de força letal, inclusive inocentando policiais que seguiram a lei e os procedimentos e orientações da própria corporação”, afirmou o gerente do Sou da Paz.
Defenda PM
“Se o policial está no local e o indivíduo vem para cima dele com um martelo, e ele pede para o indivíduo parar, o indivíduo não para, ele está diante de uma injusta agressão. E uma injusta agressão iminente, ele está vindo para cima dele”, disse o coronel Elias Miler da Silva, presidente do Conselho Deliberativo da Defenda PM.
“Se o indivíduo está em cima de você, e ele vem com um martelo, com um porrete, com um machado, com uma faca, e você tem um revólver, não dá tempo nem de você dar um tiro de advertência. Então, muitas vezes, se ele tá em cima de você, só te resta dar um tiro”, falou o coronel.
“Se você der um tiro e ele cair e você parar de atirar… perfeito. Aí você vai analisar o moderadamente porque você parou de atirar. Então numa análise preliminar, o policial agiu em legítima defesa”, afirmou Elias. “Se o policial tivesse o Taser [marca de uma arma de choque] ali e com distância aceitável, ele poderia tentar com o choque deter. Então vai ter que analisar se ele tinha Taser, se não tinha, se tinha espaço para isso, se não tinha…”
“Numa análise a grosso do modo, ele atirou, o indivíduo vinha com o martelo pra cima dele e atirou. E se ele atirou na região do corpo, não atirou na cabeça, então ele atirou para reter. E de imediato chamou socorro para a pessoa”, concluiu o coronel.
Ex-secretário Nacional de Segurança
“Aparentemente o policial agiu corretamente. Ele já estava com a arma na mão e o agressor se deslocou rapidamente em sua direção e não haveria tempo de trocar por uma pistola Taser [arma de choque], caso houvesse”, disse José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública do governo Fernando Henrique Cardoso.
“Uma agressão por tijolo, barra de ferro ou faca coloca policial sob risco e essa reação de dois tiros é treinada como procedimento regular. Aparentemente foi legítima defesa, a conferir no decorrer do inquérito”, disse o especialista.