Caso do bolo: nota fiscal de compra de arsênio em nome de suspeita foi encontrada em celular

Deise Moura dos Anjos está presa temporariamente após três pessoas consumirem bolo envenenado. Sogro da suspeita, que faleceu em setembro, também morreu por ingerir substância, segundo a Polícia.

Paulo Luiz dos Anjos e Zeil dos Anjos em foto nas redes sociais; ao lado, o processo de exumação do corpo de Paulo — Foto: Reprodução/Redes sociais e RBS TV

A suspeita de ter matado quatro pessoas da mesma família comprou arsênio pela internet, de acordo com a Polícia Civil. A imagem de uma nota fiscal obtida com exclusividade pela RBS TV, mostra o nome de Deise Moura dos Anjos como destinatária, e a identificação do produto como arsênio.

O documento estava salvo no celular da suspeita, apreendido durante a investigação.

A polícia confirmou, durante uma coletiva de imprensa na sexta-feira (10), que Deise comprou arsênio quatro vezes em um período de quatro meses. Uma das compras ocorreu antes da morte do sogro – que faleceu por envenenamento – e as outras três, antes da morte de três pessoas que consumiram o bolo envenenado, em dezembro. O veneno teria sido recebido pelos Correios.

A Polícia Civil afirma que há “fortes indícios” de que Deise tenha praticado outros envenenamentos e não descarta novas exumações. A RBS TV apurou que a suspeita envolve o pai de Deise. José Lori da Silveira Moura morreu aos 67 anos, em Canoas, em 2020, supostamente por cirrose. Devido ao comportamento ‘frio’, a polícia busca esclarecer outros casos de morte de pessoas próximas a ela.

“A gente não tem dúvida de que se trata de uma pessoa que praticava homicídios e tentativas de homicídios em série, e que durante muito tempo não foi descoberta, e durante muito tempo tentou apagar provas que pudessem levar a atribuição de culpa a ela”, afirmou a delegada regional do Litoral Norte do RS, Sabrina Deffente.

O arsênico, que é o composto trióxido de arsênio, tem a venda proibida no Brasil como raticida. O uso como agente quimioterápico é restrito.

Em nota, a defesa da suspeita Deise Moura dos Anjos, presa temporariamente, alega que “as declarações divulgadas ainda não foram judicializadas no procedimento sobre o caso” e que “aguarda a integralidade dos documentos e provas para análise e manifestação”.

Destaque com o nome de suspeita em documento encontrado pela Polícia Civil — Foto: Reprodução/RBS TV

Polícia diz que sogra era alvo

Segundo o delegado responsável pelo caso, Marcos Veloso, a sogra da suspeita, Zeli dos Anjos, era o principal alvo dos envenenamentos.

“O principal alvo dela era a Zeli. Ela estava no dia 2 de setembro, quando ela fez o café com leite em pó e tudo mais, junto com seu marido, e também estava no local em que Zeli fez o bolo em Arroio do Sal e ela também consumiu o bolo e também foi para o hospital”, diz.

A polícia já confirmou que Deise levou o leite em pó para a casa dos sogros. A polícia tenta entender como a farinha, usada para fazer o bolo de Natal, parou na dispensa de Zeli dos Anjos.

Amiga relatou problemas entre nora e sogros

Uma amiga próxima à família de Zeli, que preferiu não se identificar, disse que conversou com Tatiana Denize Silva dos Santos, a segunda vítima do bolo envenenado, três dias antes dela falecer. Entre os tópicos, estava o mau relacionamento entre a nora, Deise, e os sogros, Zeli e Paulo.

“Relatei essa desconfiança, relatei a questão das ameaças que ela fez para Zeli, que a Tati me falou. Do Paulo também. Ela disse ‘eu quero que tu morra’ numa discussão”, afirmou. “Então, lá, ela explicou tudo isso, contou algumas histórias, contou a história da mensagem que a Deise mandou para a Zeli, dizendo que ainda vai ver toda a família dentro de um caixão”, complementa.

A morte do sogro

Depois do caso do bolo ser revelado, a polícia passou a investigar se Deise Moura dos Anjos teria envolvimento também na morte de Paulo Luiz dos Anjos, que morreu em setembro, supostamente por intoxicação alimentar.

A polícia exumou o corpo, e exames constataram que ele ingeriu arsênio antes de morrer. O sogro de Deise morreu de infecção intestinal após consumir bananas e leite em pó levados à casa dele pela nora.

Após a morte do sogro, um áudio enviado por Deise revela o mau relacionamento com a família.

“A gente tá muito nervoso, muito ansioso, um pouco depressivo depressível também. Ele era um pai maravilhoso, um avo muito querido e a minha sogra é uma peste”, diz.

“Acho que precisamos rezar mais, aceitar mais e não procurar culpados onde não há. Só os momentos que Deus nos reserva, isso sim, não têm volta. Nem polícia nem perícia que possa nos ajudar a desvendar”, revela uma mensagem enviada por Deise à sogra.

Em outra mensagem enviada à sogra, Deise lista motivos que poderiam ter causado a morte de Paulo:

“Não sei, acho que eu não faria nada, pois poderia ter sido várias coisas: intoxicação alimentar, negligência médica, a banana contaminada pela enchente, ou simplesmente a hora dele… Sei lá.”
Em outra mensagem apresentada pela polícia, enviada para uma pessoa com quem mantinha relacionamento, Deise desabafa:

“Se eu morrer, cuide do meu filho e reze bastante por mim, pois é bem provável que eu não vá para o paraíso.”

Sogra de mulher suspeita de envenenar bolo tem alta

O relatório preliminar da extração de dados dos celulares apreendidos, ao qual o g1 teve acesso, apontou ainda buscas feitas na internet por termos como “arsênio veneno”, “arsênico veneno” e “veneno que mata humano”. As informações constam da representação da Polícia Civil pela prisão temporária da suspeita.

➡️ Qual é a origem da contaminação?
O Instituto Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul detalhou o processo das análises que detectaram a presença de arsênio na farinha do bolo que causou as mortes das três mulheres.

Ao longo de uma semana, 89 amostras foram analisadas, e em apenas uma, a da farinha, foi encontrado arsênio. O composto estava em uma concentração 2.700 vezes maior que a encontrada no bolo.

Para encontrar a origem da contaminação, foi utilizado um equipamento de fluorescência de raio-X. O material tem uma série de bancos de dados para a identificação de metais usados, principalmente no solo, mas também em ligas metálicas como joias.

Ao fazer o escaneamento das amostras, o equipamento mostrou uma lista de concentração de quais metais poderiam estar presentes nessas análises. Segundo Lara Regina Soccol Gris, chefe da Divisão de Química Forense do IGP, o arsênio encontrado foi o material mais presente na farinha.

“Nós testamos o próprio bolo com esse equipamento. Já acusou muito positivo, digamos assim, pro bolo. E para farinha, então, foi uma concentração muito superior”, explica.

O IGP também analisou o material coletado nas três pessoas que morreram. Maida e Neusa, irmãs de Zeli, e Tatiana, sobrinha da idosa. Os exames mostraram uma alta concentração de arsênio no estômago, no sangue e na urina das vítimas.

No estômago de Tatiana, a perícia identificou a concentração de 384 mil microgramas de arsênio por litro, sendo assim a maior de todas. Isso significa que a concentração estava 11 mil vezes acima do que poderia ser considerado uma contaminação acidental.

Os envenenados

De acordo com a Polícia Civil, sete pessoas da mesma família estavam reunidas em uma casa, durante um café da tarde, quando começaram a passar mal. Apenas uma delas não comeu o bolo. Zeli dos Anjos, que preparou o alimento, em Arroio do Sal e levou para Torres, também foi hospitalizada.

Entenda quem é quem no caso do bolo em Torres

Três mulheres morreram com intervalo de algumas horas. Tatiana Denize Silva dos Anjos e Maida Berenice Flores da Silva tiveram parada cardiorrespiratória, segundo o hospital. Neuza Denize Silva dos Anjos teve como causa da morte divulgada “choque pós-intoxicação alimentar”.

A mulher que preparou o bolo, Zeli dos Anjos, recebeu alta do hospital nesta sexta-feira (10). Segundo o delegado Marcos Vinícius Veloso, ela foi a única pessoa da casa a comer duas fatias. Uma criança de 10 anos, que também comeu o bolo, foi liberada na semana anterior.

Nota da defesa da suspeita

As declarações divulgadas na coletiva de imprensa ainda não foram judicializadas no procedimento sobre o caso, assim a Defesa aguarda a integralidade dos documentos e provas para análise e manifestação.

A Defesa já realizou requerimentos e esclarecimentos no inquérito judicial, referentes aos andamentos da investigação, aguarda neste momento decisão judicial.

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