Entre as pessoas com pendências financeiras, 57% são casadas ou estão em união estável. Os dados são de uma pesquisa sobre o perfil do inadimplente da SCPC Boa Vista, referente ao 3º trimestre de 2014. Entre os entrevistados pelo estudo, 46% são casados e 11% estão em união estável.
Os solteiros representam 32% das pessoas com nome na lista de devedores. Separados e divorciados, 9% e viúvos, 2%. Os homens também são maioria entre os inadimplentes, representando 61%.
O economista Flávio Calife, da SCPC Boa Vista, conta que esse é um padrão que se repete em levantamentos de perfil de inadimplentes. “A maioria dos solteiros ainda vive com alguém, os pais por exemplo. Com as contas de uma nova casa, muitas vezes demora para entender o orçamento, e sem dúvida custos a mais acabam dificultando os pagamentos”, diz.
‘Chefes de família’
A pesquisa aponta que 72% dos inadimplentes se declaram “chefes de família” na casa onde moram. Calife explica que essas pessoas “acabam arcando com a maior parte das contas”. O economista aponta que é “natural” que um integrante da família assuma mais responsabilidade financeiras e, logo, “acabe sofrendo as consequências dessa responsabilidade”.
É o caso do vendedor paulistano Marcelo, de 36 anos, que preferiu não ter seu sobrenome divulgado pela reportagem. Casado há 14 anos e pai de dois filhos, ele conta que ficou inadimplente por causa de um negócio próprio que não deu certo e, também, pelo descontrole com o orçamento. “Eu demorei para perceber o que estava acontecendo porque tinha fé de que o negócio iria melhorar. Foi aí que se acumulou tudo”, lembra ele, referindo-se às contas que ficaram no caminho. “Entre pagar uma conta de luz da empresa e uma da minha casa, eu pago a da minha casa”, diz.
O caso do publicitário Henrique Camacho, de 26 anos, também paulistano, é diferente. Casado há pouco mais de um mês, ele entrou na situação de inadimplência quando ainda era solteiro, com dívidas de cheques e mensalidades da faculdade. Por problemas de saúde na família, ele precisou deixar o emprego e acabou comprometendo seu orçamento. Agora, a prioridade financeira passou a ser o novo lar. “Eu deixei de correr atrás das minhas coisas para correr atrás de outras como ‘casal’, cuidar do casamento, da casa. E cuidar também para não sujar o nome dela”, diz ele, referindo-se à esposa.
A pesquisa da SCPC aponta que 55% dos inadimplentes afirmam que não são os únicos na casa onde moram que trabalham. Já a parcela de devedores que são as únicos na família que trabalham é de 36%. Calife aponta que, entre os casais, “mesmo os dois trabalhando, uma divisão de contas acaba pesando mais sobre um dos cônjuges”. “Normalmente quem ganha melhor acaba assumindo mais dívidas e acaba sendo o responsável maior pelo endividamento da família e, eventualmente, pela inadimplência.”
Essa é a situação de Marcelo. Sua esposa começou a trabalhar fora há três meses. “Já começou a dar uma ajuda, de algumas continhas já conseguiu me livrar”, diz o vendedor. A situação de Henrique é parecida, pois, com rendimento maior que o da mulher, ele assume uma parcela maior das dívidas da casa.
Mês ‘sobrando’ no final do salário
Quando percebem que o salário vai chegar ao fim antes que todas as pendências do mês estejam quitadas, as pessoas normalmente “escolhem” deixar de pagar as contas que podem gerar menos prejuízos, segundo Calife.
“A inadimplência com financiamento de imóveis, por exemplo, é muito pequena por conta da garantia de que, hoje, é mais fácil as pessoas perderem esses bens. As leis garantem a possibilidade de o credor tomar o bem. As pessoas dificilmente deixam de pagar parcelas de imóveis. Deixam de pagar, por exemplo, um crediário, uma conta de luz, de água, e depois renegociam.”
Segundo a pesquisa, apenas 3% dos inadimplentes que chegaram a essa condição por causa de boletos deixaram de pagar financiamento de imóveis. Já os boletos bancários (contas de concessionárias) e os crediários representam, juntos, 78%.
Marcelo passou a priorizar o financiamento do apartamento onde mora com a família depois de ter problemas com o parcelamento. “Recentemente deixei de pagar três prestações do apartamento. Foi ajuizado. Tive que recorrer a empréstimo de parentes”, lembra.
Para evitar a inadimplência, Calife explica que o primeiro passo é entender o orçamento familiar e conversar com o parceiro para identificar quais gastos podem ser cortados.
“O importante é que [o casal] tenha consciência de quais são os gastos, e não só os fixos. Às vezes a pessoa se esquece de contar quanto gasta para comer fora de casa aos finais de semana, por exemplo. Tudo tem que ter um valor médio.”
Marcelo reconhece que, mesmo com as dificuldades de um negócio que não prosperou, a falta de controle do orçamento foi uma das grandes causas de seu endividamento. “Você vai pegando empréstimos no banco acreditando que no mês que vem a situação muda, e com isso vai contraindo dívidas. A gente parcela tudo que está devendo, aí vem um mês ruim e não consegue honrar o parcelamento, renegocia a nova cobrança. Vira uma bola de neve”, descreve.