Não é nenhuma novidade dizer que o papel da mulher na sociedade mudou. Por isso mesmo, a criação dos filhos não é mais um dever exclusivamente feminino. Pelo menos, não deveria ser.
Engana-se quem pensa que todos os homens acham bom que outra pessoa decida, por exemplo, em que escola o filho vai estudar ou qual o melhor pediatra para acompanhar a criança. Muitos pais fazem questão de participar ativamente das decisões do dia a dia dos filhos.
O projeto de lei da guarda compartilhada é um reflexo dessas mudanças. Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última semana, a guarda compartilhada passaria a ser obrigatória também em casos de litígio – ou seja, quando o casal divorciado não entra em acordo quanto à guarda dos filhos. O projeto de lei segue para votação em plenário.
Essa resolução, porém, já existe no Código Civil. Ainda assim, é muito comum que as mães tenham direito à guarda unilateral. Isso acontece porque as autoridades acreditam que o casal precisa estar de acordo para que a guarda compartilhada seja aplicada.
“A guarda não é um direito apenas dos pais. Ela também é um direito dos filhos. Muitos adultos entendem que a guarda funciona como um troféu, que as decisões só podem ser tomadas por quem detém a guarda. Pai e mãe devem acompanhar o desenvolvimento dos filhos, integralmente”, explica José Roberto Moreira Filho, advogado e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
Apesar de não ser novidade, a lei vem para reforçar a proposta da guarda compartilhada. De acordo com os especialistas, essa é a que melhor atende às necessidades da criança, em comparação à guarda unilateral e à guarda alternada.
Na compartilhada, os pais tomam todas as decisões em conjunto no que diz respeito à criação dos filhos. Escola, médicos, viagens e outros assuntos pertinentes aos pequenos devem ser conversados pelos adultos, para que ambos estejam de acordo. A guarda tem o objetivo de perpetuar o vínculo parental, ainda que com a dissolução do casamento.
“Temos que parar de usar as crianças como moeda de troca ou arma contra o outro cônjuge. Os pais precisam entender que a responsabilidade é de ambas as partes. Se durante o casamento existia uma relação legal com filhos, por que não mantê-la, depois da separação? O bom senso deve prevalecer”, defende José Roberto.
Coisa de pai
Toda vez é a mesma coisa. Maria Eduarda, de dois anos e meio, agarra o pai Rodrigo Padron. São momentos de pura saudade. Ela o vê toda semana, na noite de quarta para quinta-feira, além dos sábados e domingos em que Rodrigo pode visitá-la – a cada 15 dias.
Desde o divórcio, há mais de um ano, o jornalista luta pela reversão da guarda unilateral da filha. “Sempre demonstrei a vontade de exercer a minha função de pai, dividindo todas as responsabilidades com a minha ex-mulher. Mas o que eu penso não foi considerado na hora da decisão. Fiquei profundamente triste, me tiraram esse direito porque eu sou homem. É uma cultura machista, que garante aos pais apenas a responsabilidade de pagar as contas do filho”, critica Rodrigo.
A lei prevê que as condições de cada tutor sejam analisadas pelo juiz. Sendo assim, a guarda unilateral só seria aplicada em casos de falta de condições – físicas e emocionais – para cuidar de uma criança ou quando um dos tutores abre mão da guarda. Não foi o que aconteceu com Rodrigo, segundo ele mesmo alega.
Rodrigo acredita que não só a Justiça, mas a própria sociedade dialoga apenas com um lado, o das mães. São poucos os estabelecimentos, por exemplo, que têm um banheiro masculino com fraldário. Quando pai e filha vão comprar roupas juntos, o estranhamento é ainda maior.
“Tem toda uma consultoria dos funcionários das lojas, como se eu não pudesse ajudar a minha filha a escolher o que vestir. Até mesmo as escolas trazem um pouco desse preconceito”, reforça ele.
Alienação parental
A vivência equilibrada com os pais é extremamente positiva para a relação familiar. Os filhos percebem a participação e o interesse dos adultos.
“As crianças se sentem cuidadas pelos pais, de forma igualitária. O pai que visita os filhos de 15 em 15 dias não pode fazer muita coisa, só levam para passear. As crianças precisam de referências e visão de mundo distintas, mantendo contanto com as duas famílias, do pai e da mãe”, pontua Andreia Calçada, psicóloga e coautora do livro “Guarda Compartilhada – Aspectos Jurídicos e Psicológicos” (Editora Equilíbrio).
A guarda compartilhada também é um instrumento contra a alienação parental. “Ela acontece quando o pai ou a mãe tenta destruir a imagem que a criança tem do outro genitor. A guarda unilateral estimula esse sentimento de posse sobre os filhos. É uma arma para os casais que não querem se entender, prejudicando o crescimento das crianças”, atenta a psicóloga e advogada Alexandra Ullman, especialista em Vara de Família.
Ao contrário do que alguns pais imaginam, a guarda compartilhada não torna obrigatória a alternância dos filhos entre as residências. Se e pai e mãe morarem perto um do outro, é possível que a criança se divida durante a semana, para conviver com ambos. O que o projeto de lei estabelece, porém, diz respeito à tomada de decisões na criação dos filhos.
Mesmo que a criança manifeste interesse em passar alguns dias na casa da mãe e o restante na casa do pai, especialistas garantem que a noção de “rotina” não é prejudicada. Os pequenos se adaptam às diferentes situações estabelecidas pelos adultos. Tudo o que eles precisam é de segurança.
“A lei acaba com a ideia de hierarquia entre homens e mulheres. O pai tem um papel tão importante quanto o da mãe, e essa convivência é um direito da criança. Imagina o que se passa na cabeça dela, quando um dos pais nunca está presente. Nós só vamos conseguir enxergar novos formatos de família e relacionamentos na sociedade se olharmos à frente, parando de replicar erros e preconceitos”, acredita Rodrigo.