A agente comunitária de saúde Rosinete Palmeira deu à luz, aos 51 anos, os dois netos. Para a moradora de uma pequena cidade de Pernambuco, a expressão "barriga de aluguel" era somente tema de novelas e filmes, mas precisou entender o que significa quando a filha descobriu que não poderia engravidar após o diagnóstico de útero infantil.
— Nunca me senti mãe deles e nunca tive vontade de não devolvê-los [à filha]. Eu entendi bem que apenas havia emprestado a barriga. Temos um elo forte porque eles saíram de mim, mas sempre me senti apenas avó. Realizei o sonho da minha filha.
Sem se dar conta, Rosinete seria personagem de uma das primeiras decisões judiciais no Brasil em que a identificação da gestante não consta no registro de nascimento do recém-nascido.
Ainda durante a gestação, a família entrou com um processo judicial e conseguiu com os gêmeos fossem registrados diretamente como filhos de Claudia Michele (a filha de Rosinete).
Em casos anteriores, a gestante registrava a criança e depois o casal que ficaria com o bebê, pais biológicos, tinham de mover uma ação para mudar o documento.
A juíza Rosana Garbin, de Porto Alegre, explica que atualmente a Justiça tem permitido que a DNV (declaração de nascido vivo) seja emitida de forma que os pais que recorreram à barriga de aluguel possam levar declaração a um cartório e fazer o registro em seus nomes no mesmo dia do nascimento. O recurso também é permitido para casais homoafetivos.
— Tem aumentado a procura de casais pelo útero cedido, uma vez que se comprova que a gravidez não será possível. A Justiça tem feito um bom papel em reconhecer as necessidades da sociedade e facilitado o processo.
Rosana explica que a DNV será concedida uma única vez. Embora o termo "barriga de aluguel" seja corrente, o empréstimo de útero não pode ser comercializado. Para se recorrer ao empréstimo, é preciso também comprovar por meio de laudos médicos que realmente a mulher não tem condições de engravidar.
— Qualquer indício de fraude detectado, como tráfico de crianças ou pagamento pelo procedimento médico, impedirá a emissão do documento.
O primeiro passo para a escolha da barriga de aluguel é procurar uma clínica de fertilização. A avaliação e aprovação da gestante precisa passar pelos critérios do CFM (Conselho Federal de Medicina). De acordo com o médico Adelino Amaral, membro da Comissão Técnica do CFM, o ideal é que a mulher escolhida seja parenta de até terceiro grau. Uma pessoa sem vínculo familiar será escolhida em último caso.
— Além de uma avaliação física, será necessário saber se a mulher que vai ceder o útero tem condições psicológicas de fazer esse ato de solidariedade. Ela precisa ter certeza que não terá a intenção de ficar com o bebê.
O segundo passo, durante a gravidez, é procurar a Justiça para entrar com o pedido da DNV.
O advogado Danilo Montemurro acompanhou o processo recente do empresário Wilson Francisco Capellini Neto, 31 anos, e a mulher dele, a veterinária Heline Pimenta Capellini, 31 anos, de São Paulo. A veterinária sofreu um aborto em 2012 e precisou remover o útero decorrente de complicações para tirar a criança. Uma amiga de infância de Heline se ofereceu.
Danilo explica que a declaração facilita o registro e a obtenção imediata de benefícios como convênio médico.
— Registrar a criança direto em nome dos pais traz uma tranquilidade para este momento tão importante. Sem contar que é possível já fazer um plano de saúde, vincular contas e ou qualquer procedimento que seja necessário. Sem isso, é preciso esperar todo o trâmite de mudança, o que pode demorar, ainda mais quando a mulher que gerou desiste de entregar a criança.
Os netos de Rosimeire têm sete anos. Eles moram em uma cidade distante cerca de 40 minutos de Paulista, onde ela vive com o marido. Ela conta que viaja toda semana para vê-los e que tem orgulho de contar como eles nasceram.
— Eu vivo correndo e sem tempo, mas quando o assunto vira meus netos, eu paro tudo que estou fazendo. Morro de orgulho disso e falo que, se morresse hoje, eu morreria feliz, feliz, feliz por ter realizado esse feito.