Genuinamente alagoano, o trio de música eletrônica, com influências de ritmos jamaicanos Tequilla Bomb chega ao Teatro Deodoro nesta quarta-feira (1º), às 19 horas, trazendo o show ‘Seja Luz’, no projeto ‘Teatro Deodoro é o Maior Barato’. Os ingressos (R$ 10 a entrada inteira e R$ 5 a meia-entrada) já estão à venda na bilheteria do teatro.
Surgido em meados de 2011, o grupo começou com a ideia de experimentação musical eletrônica e utilização de instrumentos e efeitos sonoros ao vivo, com influências do dub, ragga, jungle e embolada. Com Carlos Peixoto (beatmaker, groove, fx), Bruno Brandão (synth, percussão, fx) e Toninho ZS (vocal), o Tequilla Bomb vem contribuindo para o cenário alagoano com uma nova sonoridade que representa a “cultura do grave”.
Lançado em 2013, o primeiro EP, ‘Bomb Style’ possui cinco faixas autorais. No mesmo ano, a banda lançou o clip com a faixa-título do EP, sendo premiada com o 3º lugar na II Mostra de Clipes Alagoanos em 2014, pelo júri popular. O álbum ‘Seja Luz’, lançado recentemente, contém 8 faixas e conta com as participações de GA Barulhista, artista sonoro e músico da banda Constantina de Belo Horizonte e o produtor e tecladista Dinho Zampier, que trabalha com artistas renomados como Wado, Mopho, Cris Braun, entre outros.
O trio já participou vários festivais, como em três edições do Grito Rock, festival de artes integradas realizado todos os anos em cidades de diversos países, duas em Maceió (2013 e 2014), e uma em João Pessoa (2014), como único representante do estado de Alagoas. Para o show desta quarta, a banda conta com algumas surpresas, novos arranjos e a participações de Hudson Feitosa (guitarra), Dany Percussion (percussão) e Dinho Zampier (teclado e sintetizador).
‘Seja Luz’
A certa altura de “Original ZS”, quinta faixa do recém lançado “Seja Luz”, do trio alagoano Tequilla Bomb, ouve-se a voz de Toninho ZS disparando o desenho e a proposta do grupo: “No riddim eu denuncio e ainda boto pra dançar”. A canção se inicia com o sample de um ataque de caixa de bateria característico do reggae e seus cognatos, horizonte de referências do Tequilla; riddim é a denominação que se dá a bases instrumentais utilizadas em ritmos como o próprio reggae, o dub, o dancehall. A partir de uma mesma base, versões incontáveis são possíveis pela intervenção da voz e instrumentos dos executantes, que nela interferem ao vivo.
Tudo isso nos remete, em história e estética, à Jamaica. Por outro lado, ao longo da canção uma constante sirene de polícia passeia da esquerda para a direita e para a esquerda do estéreo. Essa espécie de “agudo contínuo” é um dos elementos da sugestiva ambientação sonora elaborada pelo grupo, também prevista no verso acima: a denúncia é acionada pela sirene, que aqui é som apropriado pela narrativa musical.
De um terceiro ângulo, o apelo das células e repetições rítmicas de pegada eletrônica e jamaicana (característica que se acentua com o trabalho de percussão) conectam, misturando-os, os gestos da escuta com os gestos dos braços, quadris e pernas. E eis uma definição provisória, mas possível, para o trabalho do Tequilla Bomb: riddim, denúncia e dança.
Passeando pelo rebento, e tomando de empréstimo parte do título da primeira faixa (Jangada Inna Babylon), fica a impressão de que o Tequilla navega atento ao que está ao redor da embarcação e, ainda assim, não perde a referência de que o rio, lá em cima como aqui, é outro mas é o mesmo. Esclareço.
O que circunda essa jangada? A facilidade de acesso que hoje temos às tecnologias de produção musical. Softwares como o Fruit Loops, Reason, Acid, Garage Band (licenciados ou "torrentizados"), bibliotecas de samples com sons que vão do mugido de uma vaca a papel sendo rasgado ao som da chuva no telhado, plugins variados de simulação do ruído do vinil e de deformações inimagináveis do som, periféricos como os controladores midi etc.
Na hora de compor e/ou executar, um cardápio de células rítmicas e timbrísticas à disposição da curiosidade do músico. Aliás, à disposição inclusive do erro, da aposta, do “monta no olho e ouve depois”; no palco, a dois palmos de distância das congas, vê-se um notebook. Sinais dos tempos em que vivemos.
Essas facilidades, sem substituir práticas musicais e artísticas anteriores, criam dinâmicas novas, relativizam preceitos e deixam sua marca na produção, distribuição e recepção de grande parte da música feita hoje. Algumas denominações, rótulos e estilos simplesmente não teriam lugar caso não houvesse o ambiente tecnológico hoje disponível.
Mas não é só a favor dos beats e clics e duns que o ouvido do Tequilla se abre: o entorno da jangada é encontrado também no som da conversa na calçada, na fala da âncora do telejornal noticiando índices de violência em Alagoas (Sankofa), na voz de um homem que, falando de canabis, delineia um contraponto com quem só consegue pensar tais assuntos em termos de criminalização (Herb is a plant) – isso tudo, ao lado dos sons sintetizados, são os sons do disco; apontam para um lugar de fala, uma escolha e corte específicos: a periferia. É desse ponto de vista que as letras do grupo cantam e contam de seus “a favor” e “contras” (Original ZS).
Ou, como em “Sankofa”, em que as imagens se fragmentam e formam um mosaico cujas peças, ainda que distantes geograficamente, se comunicam pela pobreza, pela exclusão.
Mas e a história do rio lá em cima? Talvez, exatamente por navegar nas águas (e ondas) em que navega, o Tequilla conectam procedimentos de agora com práticas de outros tempos. É uma questão simples de apropriação: essa, a do grave, é uma cultura que não desautoriza o passado.
Como no brega, em que é possível ouvir ainda hoje, com certa facilidade, José Orlando e outros “monstros” nas esquinas, festas e “pega-bebos”, é possível também que num passeio pelo Jacintinho, pela Ponta da Terra ou pelo Vergel você ouça uma pedra como “Going Mad”, de um disco de 1975, do Jimmy Cliff. Ou algo como “Dreader Loks”, de Lee Perry e Junior Byles, se irradiando pelas curvas e quinas das grotas, que funcionam como um canal amplificador do som (para alegria de uns e desespero de outros, óbvio).
O que quero dizer é que a viagem no tempo aqui não é só comum como é uma fonte constante de alimentação, e o ponto de partida (ou chegada, a depender do viajante e da viagem) nunca ficam distantes dos sound systems. Do modo como foi gestado na Jamaica, a partir da década de 60 do século passado, o sound system é um construto de verdadeiras colunas de caixas de som em que os graves têm papel preponderante; orbitando ao redor disso, uma confluência de ritmos, práticas, propostas e, especialmente, experiências coletivas.
A coisa se espraiou pelo mundo, atingindo a Inglaterra, os States, o Brasil. Nas letras de Toninho ZS, a menção a ritmos ligados a esse universo marca canais de comunicação do trio, indica filiações e diagrama a travessia das referências pelo Atlântico: Dancehall, Dub, Ragga.
É nessa corrente, tomando pra si e atualizando sonoridades, que os “maluco criativo” do Tequilla Bomb escaneiam as quebradas e nos propõem mais camadas de ver e ouvir esta (e a partir dela) cidade do litoral nordestino brasileiro. Confira o álbum completo em https://soundcloud.com/tequillabomb
SERVIÇO
Teatro Deodoro é o Maior Barato – 15ª edição
Teatro Deodoro
‘Seja Luz’
Tequilla Bomb
Data: 1º de outubro (quarta-feira)
Horário: 19h
Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)
Ponto de venda: bilheteria do Teatro Deodoro (a partir das 14 horas)
Informações: 3315-5656 / 8765-3812