Emissoras de televisão e rádio privadas deixaram de pagar — entre 2004 e 2013, período analisado pelo DIA através de dados fornecidos pela Receita Federal — R$ 3,5 bilhões em impostos, com a desculpa de que o valor é um ressarcimento pelas transmissões de programas eleitorais. Somados aos R$ 839,5 milhões previstos para este ano pela Receita Federal, o Brasil terá aberto mão, ao fim de dez anos, de R$ 4,3 bilhões. A quantia é maior do que o PIB (total de riquezas produzidas) de 75 dos 92 municípios do Estado do Rio.
Os dados constam em relatórios divulgados no site do fisco, que não libera, no entanto, quanto cada emissora reteve de imposto. O órgão alega “sigilo fiscal”. Para o grupo Intervozes, que reúne especialistas e ativistas que militam pela democratização, liberdade e pluralidade nos veículos de comunicação, classificou como “escândalo” o valor da renúncia fiscal.
“O espectro pelo qual as empresas exploram rádio e TV pertence ao cidadão, que não deveria pagar para receber informações de interesse público, como as do programa eleitoral”, afirma Ana Mielke, porta-voz do coletivo, que faz parte do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
Nem sempre foi assim.Quando, em 1997, a reforma eleitoral que instituiu a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi aprovada, incluíram a “compensação fiscal”, após forte lobby da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
O valor do desconto nos impostos varia de emissora para emissora de acordo com o seu lucro, numa lógica em que, quanto maior o faturamento, mais desconto ela terá.
Partidos e candidatos não podem comprar espaço publicitário na televisão, como empresas normalmente fazem, limitando-se aos horários estabelecidos conforme o tamanho de cada bancada no Congresso Nacional.
Como exibem as propagandas partidárias todos os anos, mesmo naqueles em que não há eleição, o benefício é concedido e calculado pelas emissoras a partir das tabelas de publicidade destes veículos.
A grosso modo, é como se a sociedade pagasse 80% do valor cobrado a uma empresa pelo tempo em que as inserções de anúncios são feitas.
“Não entendemos ser uma renúncia fiscal. Nós entendemos como ressarcimento pela cessão do nosso tempo. O horário eleitoral muda todos os anos, aumentando sempre. Para as emissoras é extremamente danoso”, reclama Luís Roberto Antonik, diretor da Abert, para quem o horário eleitoral interrompe o segmento normal das estações de rádio e TV: “ A audiência cai e não conseguimos recuperar depois. As empresas pagam para poder explorar a frequência e precisam de espaço para obter remuneração e se manter saudáveis economicamente.”
Utilidade pública
A lei que regula a radiodifusão estabelece a divisão do tempo total de programação em 75% (6.570 horas por ano) para conteúdo — como telejornais, shows e entretenimento — e 25% (2.190 horas/ano) para os anúncios comerciais.
Se houver segundo turno para presidenciáveis e candidatos ao governo do estado, o horário reservado para os partidos e políticos terá ocupado, desde o início do ano, 120 horas — apenas 1,7% do tempo de conteúdo das TVs.
Nesta conta, cada hora de programação terá custado aos cofres públicos R$ 7 milhões, no fim de 2014. Como comparação, a Igreja Internacional da Graça pagou pela hora, em 2013, para ocupar a faixa nobre na TV Bandeirantes, R$ 10,9 mil.
Como existem 1.922 estações registradas na Abert, segundo dados de 2010, cada uma caberia o ressarcimento de R$ 3,6 mil. Entretanto, a conta não é esta. Segundo Antonik, as quatro maiores emissoras de TV — Globo, Record, SBT e Band — são as que mais faturam.
“Para as médias e pequenas estações de rádio e TV não vale a pena pedir o ressarcimento fiscal, pois é preciso pessoal especializado, que custa caro e elas normalmente não tem, para fazer os relatórios mensais necessários. Então, elas assimilam o horário eleitoral sem descontar nada dos impostos sobre faturamento”, explica ele.
Os ativistas do Intervozes, porém, acreditam que não deveria haver isenção alguma. “É obrigação das emissoras transmitir informações de interesse público”, reforça Ana Mielke.
Espaço permite a ampliação do debate
O cientista político João Feres Júnior, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, vai além e defende a obrigatoriedade do horário eleitoral, “de fato gratuito”, também para as emissoras de TV paga.
De acordo com ele, conforme vai se popularizando o acesso aos canais por assinatura — hoje são 18,8 milhões de assinantes — e a audiência migra para as novas mídias, o eleitor perde contato com o espaço de diálogo entre partidos, políticos e cidadãos. “O programa partidário, em que os partidos se apresentam, ou os eleitorais, que são dedicados aos candidatos, são espaços onde ocorre a divulgação de informações para além do controle e mediação da grande mídia”, afirma ele.
Na mesma linha vai o professor da Escola de Comunicação da USP Laurindo Leal Filho, que concorda com a declaração do cientista político. Ele afirma que o horário eleitoral é muito positivo, pois permite a ampliação do debate público. “Eu sou a favor deste espaço, que é de diálogo e foge, de certa forma, dos interesses de grupos de comunicação e amplia vozes que não seriam ouvidas de outra maneira”, diz Leal, acrescentando que o que tem de ser discutido é o conteúdo, não sua relevância.
Porta-voz do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Ana Mielke afirma que a previsão do espaço deveria constar no contrato de outorga. “Investimos anualmente, através do governo, uma exorbitante quantia de dinheiro nessas emissoras para veicular publicidade e propaganda de campanhas de vacinação, de prevenção de doenças e de acidentes de trânsito. Até esse outro tipo de informação de interesse público deveria ser gratuito nas concessões”, conclui ela.