Escolarização, mesmo se pouca e tardia, atua como antídoto contra Alzheimer

Mesmo com a doença, pessoas que estudam formam mais conexões entre os neurônios e são menos propensas a apresentar sintomas como perda de memória, típicos da demência.

Getty ImagesEspecialista afirma que ao estudar são formados novas conexões entre os neurônios, aumentando a possibilidade de contornar lesões cerebrais

Especialista afirma que ao estudar são formados novas conexões entre os neurônios, aumentando a possibilidade de contornar lesões cerebrais

A máxima de que a educação é uma questão de saúde pública ganhou recentemente uma carga ainda maior. Pesquisadores brasileiros provaram que doenças devastadoras como Alzheimer e outras demências ligadas ao envelhecimento podem ser contornadas com o acesso à educação. Eles observaram que pessoas com maior grau de escolaridade tinham menor risco de desenvolver sintomas clínicos, como a perda da memória, resultantes de lesões cerebrais.

No estudo, realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foram analisados 675 cérebros de indivíduos que tinham mais de 50 anos. Paralelamente à análise, foram feitas entrevistas com parentes próximos destas pessoas. “Surpreendentemente, notamos que alguns indivíduos que tinham o cérebro tomado por lesões, o que levava a crer que se tratava de alguém doente, não apresentavam sintoma clínico nenhum de demência”, disse o geriatra e pesquisador da Faculdade de Medicina da USP, José Marcelo Farfel, que liderou o estudo.

Entre os indivíduos com mais de 80 anos e que não tiveram sintomas de demência, 30% deles apresentaram lesões no cérebro compatíveis com doença de Alzheimer em estágio moderado ou avançado.

Este maior número de conexões, chamadas de sinapse, são resultado do que os cientistas chamam de reserva cognitiva. Estas conexões, caminhos que ligam um neurônio e outro, ampliam a possibilidade de contornar as lesões cerebrais. “Eles tinham um cérebro mais plástico e, embora o órgão estivesse tomado por lesões, era possível contorná-las”, disse.

Estudos prévios realizados nos Estados Unidos já mostravam esta relação entre nível de escolaridade e menor propensão em desenvolver sintomas de demência na velhice, porém no estudo americano foram analisados cérebros de pessoas com média de 18 anos de estudo. No Brasil, a média de estudo dos analisados era de apenas quatro anos. “Mesmo com apenas quatro anos de estudo é possível notar melhora. E esta melhora é linear. Um cérebro de quem estudou quatro anos é melhor do que o de quem estudou três, que é melhor do de quem estudou dois”, disse.

Para Farfel, outro dado interessante é que é possível criar a reserva cognitiva a qualquer momento da vida. O pesquisador defende que nunca é tarde demais para começar a estudar e a aprender. “Quando uma pessoa está estudando ela exercita várias funções cognitivas, como compreensão, cálculo e outros. Diferente de atividades como o sudoku, ou palavras cruzadas, por exemplo, que são muito propagadas mas que desenvolvem apenas uma ou duas destas funções”, disse o pesquisador, que agora vai passar a estudar o cérebro de idosos alfabetizados tardiamente.

De acordo com o IBGE, o Brasil tem aproximadamente 15 milhões de adultos sem instrução ou com menos de um ano de estudo. São seis milhões de pessoas com 60 anos ou mais que não sabem ler nem escrever, e todos eles estão no grupo de risco para desenvolver sintomas de demência. Entre as demências que mais acometem os idosos, o Alzheimer está em primeiro lugar no ranking.

Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, é possível prever um grande aumento de doenças como Alzheimer e Parkinson. Farfel afirma que o impacto social e financeiro disso para a sociedade já é pesado, e no futuro, se os níveis de escolaridade não melhorarem, ficará insustentável. “Promover a alfabetização de idosos é algo possível e prático – muito mais eficaz do que qualquer exame e remédios caros. Além disso, nunca é tarde demais para começar a estudar e aprender coisas novas”.

Exceções

Mas nem tudo é boa notícia. O pesquisador ressalta que até mesmo indivíduos com alta reserva cognitiva podem desenvolver sintomas de demências senis, como é o caso do escritor colombiano e prêmio Nóbel de literatura, Gabriel Garcia Márquez. “A reserva cognitiva ajuda o cérebro a contornar as lesões, mas dependendo do grau de agressão é impossível não desenvolver sintomas deste tipo de doença”, disse.

Fonte: iG

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