Brigadas Militares e empresas adotam uso de bermuda em Porto Alegre

CAROLINE BICOCCHI /PALÁCIO PIRATINI/JCBrigada Militar liberou o uniforme de verão aos policiais que atuam no Centro da Capital

Brigada Militar liberou o uniforme de verão aos policiais que atuam no Centro da Capital

Todos os anos, o forte calor trazido pelo verão costuma reacender a discussão sobre o vestuário adequado para os locais de trabalho. Em 2014, com as temperaturas batendo recordes – janeiro foi o mês mais quente desde o início da medição pelo Instituto Nacional de Meteorologia em Porto Alegre, em 1916 – o questionamento quanto à obrigação do uso de ternos, calças e manga compridas, vigente em boa parte das empresas, ganhou ainda mais força. O chamado bermudismo, que libera roupas mais leves em busca do conforto e do melhor rendimento de funcionários, começa a ganhar terreno em companhias e até em órgãos públicos.

Tradicionalmente mais abertas a inovações e à informalidade, empresas de publicidade e tecnologia são, também, as que mais aderem ao movimento. Na sede do Gaveteiro, loja eletrônica de utensílios para escritório, em São Paulo, por exemplo, as altas temperaturas motivaram a liberação das bermudas há cerca de dois meses. “Mesmo com o ar-condicionado, o calor foi muito forte, então liberamos para deixar todos em um ambiente mais cômodo”, conta o fundador da empresa, Joshua Kempf.

Ex-funcionário do Goldman Sachs, um dos principais bancos de investimento do mundo e que exige o uso de terno, Kempf brinca sobre a situação. “Acho que os clientes lá iriam embora se algum funcionário chegasse de bermuda, mas é outro tipo de negócio”, afirma ele, para quem o fato de o Gaveteiro não lidar diretamente com clientes torna a decisão mais fácil. “Cria um ambiente mais legal, estimula a troca de ideias, porque as pessoas se sentem mais comuns, menos formais”, complementa.

Outras empresas, porém, já autorizam o uso de bermudas e até de sandálias há mais tempo, como a fabricante de roupas jovens Budha Khe Rhi, de Porto Alegre. Segundo um dos sócios do negócio, Claudio Stein, a liberação tanto no escritório quanto nas lojas, que vem desde a fundação da empresa, em 2005, tem a ver com a construção da própria marca. “É descolada, diferente, e não combinaria passarmos uma mensagem de vida tranquila, confortável e não proporcionar isso a nossa equipe interna”, afirma.

Stein acredita, também, que o grande desafio ao tomar essa decisão é não deixar com que a equipe perca o foco. “Não é porque pode vir de bermuda que isso dá direito à equipe de não ser produtiva, de fazer o que bem entender nas tarefas de trabalho”, afirma o sócio da Budha Khe Rhi, que conta com 15 funcionários. “Mas a gente parte do princípio de que eficiência também se dá através de conforto, e não de algum dress code. Se o corpo da pessoa estiver confortável, isso acaba auxiliando ela a atingir as metas”, defende.

Mesmo assim, Stein conta que mantém calças e camisas sociais em seu escritório para reuniões ou visitas de gerentes de bancos ou fornecedores. A tática tem muito a ver, ainda, com a imagem ruim que possa ser passada pelo uso de roupas menos tradicionais ao mercado de trabalho. “A bermuda ainda é muito associada à esportividade, ao lazer”, afirma o proprietário da loja Confraria Masculina, Carlos Frederico Schmaedecke, que atua no mercado de roupas masculinas desde 1990. “Diferentemente da mulher, que possui os acessórios e peças pra combinar com uma saia, o homem dificilmente consegue fazer um uso elegante da bermuda”, continua.

Essa percepção, porém, acaba sendo vista, muitas vezes, como um sintoma de imposição cultural. “Vivemos em um país tropical, por que usar uma moda pensada séculos atrás para a Europa, onde faz frio e faz sentido ter esse hábito?”, questiona o fundador do GetNinjas, plataforma digital para contratação de serviços gerais com sede em São Paulo, Eduardo L’Hotellier, que autoriza o uso de bermudas para seus 32 funcionários desde o início do negócio, em 2011.

L’Hotellier também acredita que, com o tempo, naturalmente haverá uma flexibilização ainda maior no vestuário corporativo. “Há quem não libere por medo da recepção da imagem pelos clientes, mas os próprios clientes já estão utilizando bermudas”, afirma. “Quando duas pessoas de terno se reúnem, provavelmente as duas estejam pensando em como seria bom estar sem terno”, continua.

Campanha motivou até decisões de órgãos públicos em favor da vestimenta casual

Criado em janeiro por três publicitários cariocas, o site Bermuda Sim, que disponibiliza uma ferramenta de envio de e-mails automáticos aos chefes pedindo a liberação das bermudas, fez com que até o poder público aderisse ao movimento. Em Taquara, no Vale do Paranhana, o prefeito Tito Lívio Jaeger Filho publicou, no último dia 22, um decreto, válido até o fim do horário do verão, liberando o uso de bermudas a todos os funcionários, com exceção dos profissionais da saúde.

“Não me lembro na história recente de média de temperatura tão alta. Isso gera um desconforto nos servidores, causa um mal-estar, e afeta o rendimento”, justifica o prefeito, que baseia sua decisão na busca pelo melhor rendimento dos empregados. “Queríamos que as pessoas pudessem trabalhar com mais tranquilidade, de uma forma mais confortável, para atender melhor à população”, segue.

Jaeger Filho, que conta ter se inspirado também em um decreto semelhante publicado no Rio de Janeiro há mais de uma década, se diz surpreso pela repercussão da decisão. “Recebemos ligações de vários municípios pedindo informações. Grande parte da população da cidade apoiou a medida, e eu também tenho usado bermudas”, conta o prefeito.

Na semana passada, por conta do forte calor, até a Brigada Militar (BM) decidiu liberar o seu uniforme de verão aos policiais que atuam no Centro de Porto Alegre. O kit, composto por bermuda e sandálias, era restrito apenas aos brigadianos que atuam no litoral gaúcho.

O sucesso do Bermuda Sim também repercutiu na Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre, onde, após pedidos dos funcionários, foi criado o Dia da Bermuda, no último dia 24 de janeiro. “Para nossa surpresa, tivemos adesão de quase metade do quadro, inclusive de pessoas em posição de liderança”, relata a consultora de gestão de pessoas da CDL, Scheila Penna.

Com a aceitação dos funcionários, desde então a liberação passou a ser definitiva, conta Scheila. “Para nós, o que importa é a questão da produtividade e do desempenho do funcionário. Talvez trabalhando mais à vontade, mais confortável, o rendimento possa ser melhor”, afirma a consultora. “Com o cliente, o vendedor ou consultor vai sempre se portar de uma maneira mais formal, a questão é poder mudar o conceito. Se dentro de casa já é possível, por que não com o cliente?”, questiona.

Fonte: Jornal do Comércio - RS

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