O debate sobre a descriminalização da maconha no país começa a ganhar corpo, apesar do conservadorismo incrustado no Congresso Nacional como reflexo da visão da sociedade sobre o tema, e embora falte a chamada “vontade política” ao governo e a sua base no parlamento. A opinião é do deputado federal Jean Wyllys, autor do Projeto de Lei n° 7270/2014, que descriminaliza a maconha e regula a produção, a industrialização e a comercialização de cannabis. Para ele, a hora de tocar no assunto é agora. “Não há momento mais propício para pelo menos a gente iniciar esse debate no Brasil”, diz.
Nesta entrevista à RBA, Wyllys diz estimar que cerca de 60% das pessoas que se manifestam sobre o tema, nas redes sociais, se mostram a favor da descriminalização da maconha ou pelo menos de discutir posições nesse sentido, e outros 40% são formados por “aquela gente conservadora, reacionária, que de maneira raivosa e eivada de preconceito não se permite sequer ler os argumentos do projeto”.
O parlamentar afirma não estar preocupado com os efeitos que seu projeto possa ter em sua candidatura à reeleição. “Há quem ache que eu comprometi minha carreira política, mas, se comprometi, paciência. Para mim era fundamental travar o debate, não estou preocupado com a reeleição”, diz o parlamentar. “Eu não nasci deputado, estou deputado. Então, se perder o mandato, continuo no ativismo político. De cena é que não vou sair.”
Leia os principais trechos da entrevista.
Na sua opinião, os atuais debates apontam para a definição de um novo paradigma social para a maconha?
Acho, sim, que o momento é esse. Quando o presidente dos Estados Unidos sinaliza para uma nova política de resposta ao consumo de maconha, quando um conjunto de líderes mundiais de notáveis como como Kofi Annan, Bill Clinton, os ex-presidentes da Colômbia [César Gaviria], do México [Vicente Fox] e do Brasil [Fernando Henrique Cardoso] se juntam para dizer ao mundo que a atual resposta às drogas é um equívoco, quando nosso vizinho Uruguai legaliza e regulamenta a cannabis, é porque o momento é esse. Não há momento mais propício para pelo menos a gente iniciar esse debate no Brasil. O custo da guerra às drogas é muito grande, custo econômico-financeiro aplicado no policiamento, no efetivo policial, armamento, toda a infraestrutura das polícias para enfrentar o tráfico, como o custo de vidas e da população carcerária. Somos o quinto país que mais gasta com população carcerária no mundo e a quarta população carcerária mundial. Apesar disso, o consumo de maconha só aumentou nos últimos anos. Então a resposta não pode ser essa.
Como avalia a resposta do governo brasileiro em relação ao tema?
O governo brasileiro está silente, como em tantas outras questões. O governo não se posiciona em relação à violência homofóbica, à violência contra a mulher. Em relação ao projeto, a resposta foi muito melhor do que eu imaginava. Há os reacionários que tentam deturpá-lo, mas de maneira geral a resposta é muito positiva.
Como o senhor espera que se dê o debate no Congresso Nacional, que é bastante conservador quanto a temas morais?
É bem conservador, mas, se a gente pensar no Congresso que a gente tem, não se propõe nada, a gente vai ficar eternamente refém de um Congresso majoritariamente conservador. Mas o papel de um parlamentar é também provocar esse tipo de discussão e enfrentar esse conservadorismo, esse senso comum. Espero pautar esse debate com honestidade intelectual, em primeiro lugar; com audiências públicas, ouvir movimentos a favor da legalização, ouvir os movimentos de quem é contra, embora argumentos que não se sustentam muito. Mas sobretudo dando voz à ciência e à história.
É paradoxal, porque a maconha está liberada, na prática, mas continua criminalizada…
Ela é liberada e criminalizada. Mas é sempre assim. O aborto também, é liberado e criminalizado e, apesar de criminalizado e estigmatizado, é largamente praticado no Brasil por mulheres pobres que morrem vítimas de abortos clandestinos. O mesmo se passa com a maconha. Essa é a maneira que o Brasil responde, porque temos um governo covarde, que está há 12 anos no poder e com acúmulo de forças e de recursos financeiros, tendo se transformado numa máquina eleitoral como o PT se transformou, não tem coragem de honrar suas bandeiras históricas e enfrentar esse debate. Não estou me referindo só aos parlamentares – também a eles, mas no meio deles têm alguns mais corajosos –, mas me refiro ao governo não encarar, mobilizar sua base como [o presidente do Uruguai] Mujica fez. O Mujica ganhou por pouco, mas mobilizou a base, convenceu a base da importância do debate, disse à nação que esse é o melhor caminho, é o que se espera de um governante.
Mas o Brasil não é politicamente muito mais complexo em relação ao Uruguai, que tem apenas 3 milhões de habitantes?
Eu não nego que o Brasil seja mais complexo, negar isso seria uma estupidez, o Brasil é um país de dimensões continentais, com uma diversidade muito grande. Mas, a despeito disso, pode iniciar um debate. É para isso que existe a representação e os governos, para dizer à maioria quais são os melhores caminhos de uma maneira honesta e clara. Lugares mais ou tão complexos quanto o Brasil encararam isso, uma outra política de drogas, essa não é a melhor das desculpas. Na verdade o que está em jogo aí é cálculo eleitoral e medo de perder o poder. É não encarar os preconceitos arraigados há anos por essa política de drogas com medo de perder as eleições.
Seu projeto é um contraponto ao do Osmar Terra?
Ele é um contraponto ao conservadorismo do projeto dele. Meu projeto é um gatilho para um debate. Algumas organizações estavam também no armário. Há quem ache que eu comprometi minha carreira política, mas, se comprometi, paciência, para mim era fundamental travar o debate, não estou preocupado com a reeleição, eu não nasci deputado, estou deputado, então, se perder o mandato, continuo no ativismo político.
De cena é que não vou sair. Muitos usuários de maconha que estavam no armário estão com mais coragem. É uma saída do armário muito parecida com a que acontece com a orientação sexual. É preciso ter coragem para enfrentar a ignorância, o insulto, o preconceito para assumir algo que é um direito seu. Tenho direito de escolher, como meu pai fez. Ele sabia que o cigarro poderia levá-lo ao câncer, mas optou por fumar, era o prazer dele. Cada vez que ele comprava um maço de cigarro, por mais pobre que fosse, pagava o imposto embutido no consumo. A gente sabe quanto a tributação no Brasil é regressiva, uma tributação sobre o consumo, então cada pessoa paga imposto e espera que isso seja revertido em serviços de saúde de qualidade. É tão somente isso. A pessoa tem de ter o direito de plantar em casa, poder comprar uma maconha sem sangue, sem violência. Eu não quero colaborar com a força do narcotráfico, associar minha droga ao narcotráfico de armas, ao tráfico de pessoas.
Na sua opinião, se o projeto for aprovado, haverá uma disputa entre o setor privado, uma disputa entre mercado e estado?
Tomei alguns cuidados no projeto exatamente por conta da experiência do cigarro, para impedir que o mercado encareça o produto. A gente não pode excluir o mercado, mas pode regulamentar a participação do mercado nesse comércio. Limitar, não excluir a presença, porque a gente vive num mundo capitalista. Não posso ignorar o mercado nesse momento, mas limitar muito a atuação dele na produção e comercialização, e também impedir que o agronegócio, essas empresas não se apropriem disso para transformar a maconha num produto como a soja. O projeto proíbe a manipulação genética da maconha, para não ter maconha transgênica. Se a gente permitir um mercado sem controle, ele pode encarecer o preço do produto e manter o tráfico, a pessoa vai comprar clandestinamente num outro preço.
Já teve audiências públicas para debater o projeto?
Estamos esperando definir a comissão especial. Como o Eurico Junior, do PV, apresentou um projeto menor que o meu, mas antes de mim, apenas pra não perder o mérito de ter sido o primeiro partido na história que tocou nesse tema, o meu foi apensado ao dele e o Paulo Teixeira será o relator de ambos os projetos na comissão especial.
Como espera que a sociedade encare o projeto?
Eu diria que 60% nas redes sociais se mostraram a favor, depois de ler a argumentação compreende que é o melhor caminho; e tem outros 40%, aquela gente conservadora, reacionária, que de maneira raivosa e eivada de preconceito não se permite sequer ler os argumentos do projeto. A dificuldade maior que estou tendo é mesmo com a imprensa, sobretudo não com os grandes jornais, mas jornais controlados por grupos políticos no que a gente chama de Brasil profundo, no Norte, Nordeste, jornais que têm feito um desserviço, não tratando a questão de maneira séria. Um jornal no Maranhão deu a manchete: “Deputado propõe o uso da maconha”. Cheguei a achar que era um pouco de analfabetismo funcional, as redações agora estão tomadas por analfabetos funcionais, mas não era, é uma deturpação mesmo. Eu não proponho o uso da maconha, a maconha já é usada, não proponho o uso de nada.
Qual sua perspectiva de tramitação?
Agora é a comissão especial. Cria-se a comissão, que designa o relator, são feitas audiências públicas, vota-se o relatório na comissão especial e vai a plenário. Minha expectativa é de que na próxima legislatura a gente consiga aprovar esse projeto. Acho que este ano a gente inicia o debate, o debate será aprofundado no início da legislatura que vem. Se eu for reeleito vou estar aqui encampando o PL, se não for reeleito estarei na sociedade defendendo o projeto de qualquer jeito, vou mobilizar algum aliado que desarquive, caso ele seja arquivado na virada da legislatura. Mas o principal ganho agora não é nem um ganho legislativo, é um ganho político, é ter colocado esse debate na agenda nacional. E me orgulho de ter conseguido fazer isso.
Para o seu projeto, qual a diferença entre possíveis cenários políticos em 2015? Qual seria mais favorável: a reeleição de Dilma, o senador Aécio Neves ou Eduardo Campos?
Dilma já mostrou que não construiu cenário positivo para nenhuma agenda ligada a minorias e a comportamento. Ela provou isso no mandato dela. A questão LGBT e a violência homofóbica, que é uma desgraça, a questão indígena, tudo ficou esquecido no governo dela. Não sei se com esse comportamento e com as alianças vai ter um cenário positivo. O Randolfe Rodrigues, o pré-candidato nosso, vai defender esse projeto porque está no programa do partido defender isso. E fora o Randolfe há uma possibilidade da candidatura do Aécio tratar disso por causa do FHC. Fernando Henrique é um dos caciques do PSDB e defende isso. Como vai ser para Aécio Neves, durante a campanha, ser contra a uma nova política de drogas, se o ex-presidente, do partido dele, defende a legalização? Por um lado tem isso, mas por outro o PSDB tem pendido muito pra direita, é um partido de centro-direita hoje, então pode ser que Aécio não fale dessa questão. E Eduardo Campos, pode ser que ele trate por causa da presença da Marina, que tem a Rede Sustentabilidade e de alguma maneira tem um acúmulo nessa questão da maconha e de uma nova resposta às drogas também dessa perspectiva da sustentabilidade.