Eles já conquistaram a fama e experimentaram o sucesso. Têm muito mais em comum do que o primeiro olhar faz supor. Se aventuraram na política aproveitando a popularidade conquistada longe dos palanques e, deputados de primeiro mandato, descobriram na prática o que é um recomeço. Por maior que seja sua notoriedade, Jean Wyllys (PSOL-RJ), Romário (PSB-RJ), Tiririca (PR-SP), Danrlei (PSD-RS) e Stepan Nercessian (PPS-RJ) aprenderam o quão difícil é aprovar um projeto na Câmara dos Deputados. Passaram os primeiros quatro anos de sua recém-iniciada carreira no Congresso Nacional sem aprovar nenhum projeto. Alguns deles soltam o verbo em críticas ao Executivo a ao próprio Parlamento. Outros conformam-se e aceitam a escassez de aprovação como algo normal.
Francisco Everaldo Oliveira Silva (PR-SP) foi o maior fenômeno de votos para o parlamento desde Enéas Carneiro. Recebeu do PR paulista um número valioso para disputar a eleição, 2222, e incorporou um de seus personagens para alavancar a propaganda. Como Tiririca, foi ao horário eleitoral esbanjando irreverência e ridicularizando a ordem vigente ao decretar que “pior que está não fica”. Admitiu a própria ignorância sobre a labuta política ao perguntar para o eleitor o que faz um deputado federal. “Na realidade, eu não sei, mas vote em mim que eu te conto”, disse Tiririca na época. Quatro anos depois, ele tem muito a contar, mas talvez não o faça no horário eleitoral.
“Pensei que ia ser fácil, com a força que cheguei aqui, mas quando você vê a mecânica aqui…”, diz Tiririca fazendo referência aos 1.353.820 votos que conquistou e que ajudaram mais o PR a obter mais cadeiras na Câmara do que ao próprio deputado eleito. Ao contrário do personagem que alavancou votação histórica, Tiririca é uma figura discreta no plenário. Na maior parte do tempo, senta-se nas cadeiras laterais do plenário, sempre acompanhado de dois assessores do PR, assiste às sessões sem alarde. Discursos na tribuna são raros. A discrição vai embora quando ele é questionado sobre a falta de projetos aprovados.
“É um jogo de interesses políticos. A mecânica aqui é complicada para caramba. No começo cheguei a me estressar”, admite ele, que diz que observando a rotina da Câmara percebeu não ser o único a sofrer do mau. “Tem deputado aqui que tem vários mandatos e não aprova nada. É tudo interesse político, de partido ou de governo. Às vezes, determinado projeto não é bom para o partido, ou para o governo. Quando as propostas chegam aqui, já vêm com interesse por trás”, afirma ele, para em seguida decretar: “quem manda aqui são os líderes, eu sou apenas mais um”, diz Tiririca, contrariando a lógica eleitoral. “Se dependesse de votação… Mas não depende só da gente. Então ou você fica puto ou esfria a cabeça e faz o seu”, acrescenta ele.
Crítica e autocrítica
Ator consagrado, Stepan Nercessian reforça a tese sobre as dificuldades gerais de aprovação de projeto. “Não acredito que isso seja ‘privilégio’ de estreante. O processo aqui é emperrado”, diz o deputado. “O que mais sinto falta aqui é a existência de um mecanismo natural de tramitação. A tendência é emperrar”, afirma ele. “Acho antidemocrático, terrível o vício que existe aqui, que é o assassinato do legislativo, de se só votar o que tem consenso”, reforça o parlamentar fluminense fazendo uma crítica ao presidente da Casa Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Nercessian faz uma ironia com as discussões entre os líderes na busca por consenso para viabilizar as votações. “Antigamente eu ia para a porta do colégio esperar a saída das meninas. Hoje, eu fico na porta da presidência esperando o colégio de líderes”, critica. Ele diz que os deputados dificilmente têm chance de falar no plenário e que os poucos momentos que pode fazer isso acontecem quando ele usa a palavra como vice-líder. O Executivo também é alvo do deputado, que critica a quantidade de Medidas Provisórias que o Planalto manda para o Congresso. “O Executivo não só manda como sufoca. E aos poucos o Legislativo foi se submetendo, se rebaixando. O Legislativo abdicou de seu poder”, diz ele.
O deputado fala a respeito do projeto que mais gostaria de aprovar, para que concessionários de serviços públicos perdessem a concessão caso deixassem de recolher o FGTS e pagar o INSS de seus funcionários por período maior do que três meses. Nercessian faz uma autocrítica também. “Me frustrei porque me cobro. A tarefa aqui exige mais dedicação do que tive. Fui um deputado mais ou menos bom. Não fui uma vergonha, uma decepção, mas fica essa frustração. Hoje, já não prometo coisas que achei que conseguiria fazer”, admite ele.
Regra do jogo
Vice-campeão mundial com o Grêmio em 1995, o goleiro Danrlei experimentou o sucesso antes de iniciar sua carreira política. Ele diz que, como no esporte, as coisas tem seu momento e que não teve a ilusão de que chegaria a Câmara abafando. “Não achei que chegaria aqui e aprovaria tudo que quero. Tudo é uma luta. A minha luta como atleta foi assim”, diz Danrlei. “Não vejo como problema (não ter aprovado projetos). Existem os trâmites normais. Os partidos dão prioridade para os projetos que já estão em pauta. Há deputados que estão aqui há mais tempo e têm prioridade por ter projetos já apresentados”, diz o deputado gaúcho, que afirma acreditar que o eleitor sabe entender essa situação. “As pessoas entendem. Sabem que não estamos na inércia aqui. Sabem que a culpa não é nossa”.
Ele critica a atitude de alguns colegas que protocolam um sem número de projetos apenas, segundo ele, para dar a ideia de que estão trabalhando. O parlamentar diz preferir trabalhar com uma pauta menor, mas mais bem elaborada. “Sou novo aqui, não tenho experiência, mas você dança conforme a música. Isso é normal, gostaria que não fosse assim, mas deputado de primeiro mandato não é a mesma coisa de quem já está aqui faz tempo”, reflete ele. Danrlei diz que o projeto de seus sonhos é modificar a legislação para que o bolsa atleta seja pago a esportistas iniciantes a partir dos 9 anos de idade e não a partir dos 14 anos, como é feito hoje. “Em alguns países, atletas com 15 anos já estão competindo e ganhando e o Brasil quer começar a investir aos 14?” questiona Danrlei.
Provocar o debate
Vencedor do reality show Big Brother 5, Jean Wyllys diz que atualmente sua atuação política já não se confunde com a notoriedade que ganhou como participante do programa. Sobre a questão da aprovação de projetos, Wyllys diz sua preocupação não é somente ter suas propostas votadas. “Não acho que eu sofra para aprovar projetos, até porque não sou um deputado com uma produção grande de projetos. Dedico-me. Propus poucos, mas projetos consistentes. Lógico que quero aprová-los, mas tão importante quanto isso é também provocar o debate sobre os temas”, diz ele.
Wyllys engrossa o coro dos que reclamam da influência do Executivo sobre o Legislativo. “A dinâmica da Casa e a relação do Executivo com sua base prejudica muito. O Executivo pauta e o Legislativo não tem muita autonomia”, declara ele. O deputado do Rio de Janeiro defende que o Legislativo passe a funcionar com mais independência em relação ao Planalto. “Não podemos ficar dependendo do que o Executivo quer pautar”, diz. “O Fernando Henrique foi criticado por governar através de Medidas Provisórias. Criticado pelo PT, inclusive. E o que aconteceu? O PT agora faz o mesmo no governo”, afirma ele.
O deputado do PSOL diz que a proposta de sua autoria que ele mais gostaria de ver aprovada é a que trata da regulamentação da maconha. “É uma questão que envolve Segurança Pública. Acho que é um projeto de relevância”, resume ele. Wyllys diz também que o Congresso perdeu a chance de debater a regulamentação da atividade de prostituição e ter uma legislação vigente durante os movimentos turísticos provocados pela realização da Copa do Mundo.
Romário, campeão mundial de futebol com a seleção de 1994 e ganhador do prêmio Bola de Ouro da Fifa, que escolhe o melhor jogador do mundo anualmente, no mesmo ano, passa pelo mesmo problema. O ex-jogador não conseguiu aprovar nenhum projeto de sua autoria nesta estreia no Congresso Nacional. A reportagem procurou o deputado para comentar a situação, mas não obteve resposta.