Enquanto divide opiniões no Uruguai, a lei que autoriza produção, distribuição e venda de maconha no país vizinho causa preocupação no Rio Grande do Sul, como mostra reportagem do Teledomingo, da RBS TV (confira no vídeo abaixo). Nos cerca de 2 mil km de fronteira entre o Brasil e o país vizinho, há cidades como o Chuí, onde basta atravessar uma rua para estar no Uruguai.
"Comprar do lado uruguaio e traficar, não tenha duvida que vai acontecer, e isso é uma das preocupações. Este contrabando da maconha, no dia em que for liberada, somos conscientes de que vai existir", disse o prefeito do Chuí, Renato Martins (PP).
No dia 6 de maio, o presidente do Uruguai, José Mujica, assinou um decreto autorizando o Estado a controlar o cultivo e a venda da droga. A lei, no entanto, permite que apenas pessoas de nacionalidade uruguaia ou com residência permanente no país se registrem para comprar o entorpecente legalmente.
A lei derrubou a proibição da produção e do comércio, mas há 40 anos é permitido usar a droga no país. "Eles já fumam, do lado uruguaio fumam na praça, ali. E é um cheiro insuportável", reclama a comerciante Eudocia Babaiane, moradora do Chuí.
Martins teme que a cidade se torne destino para turistas atraídos pela ideia de consumir livremente a droga, e que a possível facilidade aumente o número de dependentes químicos. Segundo ele, o município não tem estrutura para internação em saúde mental, e o tratamento só pode ser feito a mais de 200 quilômetros de distância.
"Não fica nem no Chuí e nem em Santa Vitoria [do Palmar, cidade próxima]. Ele [o dependente químico] vai fazer seu tratamento na cidade de Rio Grande ou Porto Alegre, ou Pelotas", argumentou.
A lei passou a vigorar na última terça-feira. Desde então, é possível ver pés de maconha cultivados em residências no Centro de Montevidéu. É mais um traço de um país pioneiro em mudanças de costumes na América Latina, onde o divorcio é permitido desde 1907, o aborto foi aprovado em 2012 e, no ano passado, entrou em vigor lei do casamento entre homossexuais.
Também é possível ver jovens na Plaza Independencia, fumando maconha em frente ao Palácio Presidencial e a policiais. No entanto, nem todas as pessoas são simpáticas à mudança.
"Não existe forma de controle", diz a recepcionista uruguaia Melanie Leites. "Não sabem, por exemplo, se pessoas drogadas vão dirigir. Eu tenho 18 anos, tenho amigos que fumam, mas não concordo", critica.
Já a estudante Lucia Cano tem outra opinião. "Eu sou a favor, mas apenas do cultivo para consumo próprio, e não que o estado distribua. Não acho certo que o governo lucre com a venda de maconha", afirma.
Deputados divergem sobre efeitos da lei
De acordo com o deputado Julio Bango, do Partido Socialista Frente Amplio, um dos autores da lei, colocar o mercado da droga nas mãos do Estado é uma forma de combater os traficantes a partir de uma lógica capitalista: tirando seus consumidores.
"Antes quem administrava o problema era o narcotráfico. Agora, o estado é que vai se encarregar. As políticas públicas de saúde vão melhorar, assim como o tratamento dos dependentes de drogas", afirma.
A ideia é que os usuários regularizados tenham registro e acompanhamento de agentes de saúde. Oposicionistas consideram inviável.
"O governo não consegue controlar nada", dispara o deputado Pablo Iturralde, do Partido Nacional. "Estamos com problemas graves de segurança, e o governo quer controlar o narcotráfico? O que eles acham? Que traficantes vão tocar a campainha nas delegacias dizendo: ‘oi, estou aqui pra me regularizar’?", ironiza.
Iturralde acredita que multinacionais financiaram a campanha de liberação da droga para lucrar com pesquisas científicas e venda de sementes. "Estão usando nossos jovens como cobaias. O consumo da droga vai aumentar. O governo diz que a maconha vai ser mais barata, que vai ser fácil de comprar na farmácia da esquina. Estão incentivando o jovem a usar maconha", afirma.
"Nossa meta não é promover o consumo", responde Julio Bango. "Mas como resolvemos um problema de exercício de direitos, de segurança e de saúde? Sem a lei, o uso de maconha aumentou nos últimos 10 anos. A proibição só gerou violência, mortes e tráfico de armas", argumentou.
Usuários celebram mudança, mas criticam detalhes da lei
Enquanto segura um cigarro de maconha com uma mão e a cuia do chimarrão na outra, na orla do Rio da Prata, o estudante Martin Aloe elogia a iniciativa do governo. "As pessoas vão deixar drogas mais pesadas de lado, porque é melhor fumar maconha do que crack", diz.
Esse é um dos argumentos da Organização Proderechos, que atuou na reformulação da política de drogas uruguaia, como mostra a segunda reportagem especial do Teledomingo (assista ao lado). A entidade fez campanha nas ruas e com os principais lideres de opinião para apoiar a lei da regulação da cannabis.
"Hoje o mercado de drogas ilegais no Uruguai é basicamente composto por maconha, que é utilizada por 90% dos usuários. Tirar essa fonte de dinheiro do mercado negro vai reduzir o narcotráfico e a violência", diz Martin Collazzo, integrante da Proderechos.
Apesar de já permitir o consumo, antes da mudança o país não era brando com o cultivo da cannabis sativa, a planta que dá origem à maconha. Em 2010, havia cerca de 600 pessoas presas por portarem menos de 10 gramas, ou por terem hortas com maconha entre flores e pés de couve.
Pequenas plantações de cannabis vinham se tornando muito comuns no Uruguai. A lei regulamentada na última terça-feira prevê três formas de acesso legal à droga: plantação para consumo próprio, em que cada residência pode ter até seis plantas ou produção de no máximo 480 gramas por mês; clubes de consumo, com de 15 a 45 sócios, cultivando até 99 plantas; ou a compra da droga produzida pela iniciativa privada, a um preço de cerca de 1 dólar – pouco mais de R$ 2 por grama. O usuário só pode se cadastrar em uma dessas alternativas.
A regulamentação estabelece que a cannabis oferecida nas farmácias ou em clubes de consumo tenha, no máximo, 15% de THC, que é a substancia psicoativa. A expectativa é de que a venda comece até o fim deste ano.
Para ter acesso, é preciso ser cidadão uruguaio ou com residência no país e maior de idade, e estar inscrito no Instituto de Regulación y Control de Cannabis. Nesta semana, o governo uruguaio informou que aqueles que não fizerem o registro, ou que não respeitarem qualquer uma dessas regras, serão considerados traficantes e estarão sujeitos à prisão.
"Não me interessa nenhum tipo de controle sobre a minha pessoa", contesta a artista plástica Claudia Barcelona, que diz ser usuária. "E acho que ninguém que queira consumir maconha vai ir até uma farmácia para fumar, porque ela sempre esteve acessível para todo mundo sem precisar participar desse tipo de coisa", acrescenta.
Aloe faz a mesma crítica. "Vão levar a polícia em sua casa todos os meses para fazer o registro e te controlar. Eu não concordo com isso", diz.
O estudante não acredita que a lei será eficaz contra o narcotráfico. "As bocas que existem vão continuar e vão vender a mesma coisa que o Estado, porque muita gente prefere continuar comprando dos traficantes. E são esses que vão pegar na farmácia e depois revender para os estrangeiros que venham. Como os brasileiros, por exemplo", afirmou.