Aposentadoria de Joaquim Barbosa encerra ‘julgamento de exceções’ no STF

Legado de Barbosa à frente do Supremo foi o julgamento da AP 470, conforme especialistas. Agora, desafio é trazer a Corte para julgar ações de interesse de toda a sociedade.

Durante pouco mais de um ano e meio à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa se notabilizou pela rigidez com que conduziu ações penais, como a do mensalão. No entanto, a demonstração de que políticos também podem ser condenados e presos trouxe um efeito colateral: a Suprema Corte brasileira, na era Barbosa, deixou de lado a sua vocação constitucional – julgar casos de grande alcance social.

Especialistas ouvidos pelo iG apontam como grande legado de Barbosa o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, que demandou mais de 60 sessões no Supremo Tribunal Federal e colocou na cadeia políticos da estirpe do ex-presidente do PT José Genoino, do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha. O julgamento, considerado até hoje como um “ponto fora da curva” no Supremo, conforme especialistas, diminuiu a sensação de impunidade no Brasil.

O doutor em Direito Constitucional e professor da Universidade de Brasília (UNB), Cristiano Paixão, afirma que Barbosa, nesse um ano e meio como presidente do Supremo, transformou a Corte em um tribunal penal, função que até então era considerada acessória no sistema jurídico brasileiro. “O julgamento da Ação Penal 470 deveria ser uma exceção. O STF é um tribunal feito para efetivar a Constituição, ser uma corte de vanguarda em uma ideia de garantia de direitos fundamentais”, disse Paixão. “Eu acho que o STF tem um grande desafio que é se reafirmar como corte constitucional. O STF ficou muito tempo no processo do mensalão e isso deu ao STF a dimensão de um tribunal penal. Mas o STF não é um tribunal penal”, complementou.

O especialista em Direito Constitucional e membro consultor da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rodrigo Lago, declarou que durante a gestão Barbosa o Supremo viveu “um ponto fora da curva”, parafraseando artigo do ministro Luís Roberto Barroso, escrito quando ele ainda estava fora da Corte.

Para Lago, a tendência é que a Corte agora, sem Barbosa, adote uma postura ainda mais garantista. O garantismo é um princípio jurídico que se configura em decisões que observam as bases da Constituição, com a preservação de garantias e direitos individuais e que respeitam a harmonia e independência entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

Esse retorno ao garantismo foi iniciado com a entrada do ministro Teori Zavascki no final de 2012, intensificado no ano passado após a chegada de Barroso e agora deve ter um desfecho com a saída de Barbosa. “Com a saída de Barbosa, o Tribunal deve retomar essa aposição mais garantista sem maiores dificuldades ou maiores traumas. A saída dele da Corte facilita com que o STF retome o ponto que estava fora da curva”, analisa.

Para o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto, Barbosa personificou a independência e honestidade exigida de um ministro do Supremo. “Esses três são os principais legados (de Barbosa): independência, desassombro (coragem) e honestidade”, disse Britto ao iG. “Do ponto de vista funcional, o marco da trajetória, o marco mais expressivo do desempenho dele no Supremo é a AP 470, em que ele atuou como um relator devotado, estudioso e persistente”, analisou o ex-ministro e hoje palestrante.

Na própria Corte, colegas como o ministro Marco Aurélio Mello apontam a AP 470 como o marco da atuação de Barbosa à frente do Supremo. Mas eles tem dificuldades em apontar outros casos importantes julgados pelo Supremo na era Barbosa.

Fonte: iG

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