A cheia dos rios da Amazônia, que deixa submersa parte da floresta por ao menos três meses ao ano, altera o comportamento das onças-pintadas que vivem na região. Acostumadas ao seu habitat original, que é o chão, nos períodos de inundação esses animais passam a viver “nas alturas”, sobre árvores que têm entre 20 e 30 metros de altura, onde criam seus filhotes e se alimentam de macacos e preguiças, até que a inundação retroceda.
A descoberta foi feita pelo pesquisador Emiliano Esterci Ramalho, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que é responsável pela administração de uma imensa área protegida no interior da Amazônia, localizada a 650 km de Manaus.
Desde abril do ano passado, Ramalho observa esses felinos amazônicos e se surpreendeu com a capacidade de adaptação da espécie, considerada vulnerável na natureza, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Estima-se que 10 mil onças-pintadas vivam na Amazônia, 500 delas apenas no interior da reserva. A população caiu 10% nos últimos 27 anos, em razão da fragmentação do habitat e desmatamento, segundo um estudo recente.
Do buxixo à comprovação
O pesquisador acompanha oito onças-pintadas, quatro machos e quatro fêmeas, que receberam uma coleira com GPS.
O foco inicial do trabalho era saber se os mamíferos saíam da área da reserva para locais secos. A região é considerada a única área de floresta exclusivamente de várzea.
Após ouvir relatos de moradores que teriam visto as onças em cima das árvores nas áreas alagadas, ele resolveu investigar e comprovou a alteração.
“É uma descoberta interessante, porque é um comportamento que não tinha sido descrito para um felino de grande porte como a onça-pintada. Não só ressalta a flexibilidade ecológica desse animal, como a importância de manter preservada as florestas de várzea da planície de inundação da Amazônia”, explica Emiliano. O material deve ser publicado em breve em uma revista científica.
Turismo sustentável
Entre abril e junho, os rios que integram a Reserva Mamirauá sobem cerca de dez metros devido ao ciclo da cheia amazônica. É neste período que as onças sobrevivem entre os galhos dos apuís, uma árvore cheia de ramificações, que formam uma trilha seca para que esses felinos continuem a caçar e criar seus filhotes enquanto não conseguem voltar para o chão.
Por não se sentirem ameaçadas com a presença humana, o pesquisador conta que teve início na última semana um projeto de observação dessas onças. O objetivo é fomentar uma estratégia de conservação na reserva. O dinheiro arrecadado vai auxiliar a população ribeirinha e dará continuidade a pesquisas com esses carnívoros.
Os primeiros turistas a realizarem a visitação foram um brasileiro, um inglês e dois alemães. Cada um desembolsou cerca de R$ 6 mil. A observação é feita de maneira silenciosa, em canoas, ao longo de três dos sete dias incluídos no pacote.
"A ideia é realizar um turismo de baixo impacto. Vamos seguindo os animais com equipamento de telemetria, sem fazer barulho. O que for arrecadado vai nos ajudar a financiar estudos vinculados ao turismo", explica Emiliano, doutor em ecologia e conservação.