O Senado está prestes a votar um projeto de lei que vai ampliar a atuação do Programa Universidade para Todos (ProUni) para candidatos estrangeiros. Hoje, esse programa do governo federal – que dá bolsas de estudo integrais ou parciais (50%) em faculdades privadas – é voltado, exclusivamente, a estudantes brasileiros de baixa renda.
Depois de três anos de tramitação, o projeto foi recentemente aprovado pela Comissão de Relações Exteriores e encaminhado para a Comissão de Educação da Casa. Lá, ele será analisado em caráter terminativo. O texto, contudo, ainda deve passar pela Câmara.
Proposta pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) em 2011, a ampliação do alcance do ProUni é defendida com dois argumentos pelo parlamentar. A primeira justificativa é que, com a entrada de estrangeiros no programa, as universidades, centro universitários e as faculdades privadas brasileiras iriam contar com mais alunos procedentes de outros países no seu corpo discente.
"Nas mais respeitadas universidades norte-americanas, os estrangeiros giram em torno de 20% do quadro discente. Na Universidade de São Paulo (USP), a mais renomada do País, esse índice mal chega a 3%. Essa deficiência é ainda mais acentuada nas instituições privadas", explica Crivella em seu relatório. Ele ainda lembra que a presença de estudantes estrangeiros constitui um dos critérios de avaliação em rankings de educação, além de favorecer intercâmbios culturais entres os alunos.
A outra justificativa defendida pelo senador é que, com a ampliação do ProUni – com foco declarado para candidatos da África e da América Latina -, será possível "fortalecer os laços que unem as nações" desses continentes.
O relator da matéria, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), afirma que tal movimento estaria de acordo com iniciativas adotadas anteriormente por outros países e que beneficiaram, inclusive, estudantes brasileiros.
"Ao longo de décadas, os Estados Unidos e países da Europa ofereceram bolsas de estudo para jovens brasileiros. Estes programas serviram para trazer conhecimento para o Brasil. [Hoje,] o País adquiriu um nível capaz de oferecer o mesmo tipo de apoio a países mais pobres, da África e América Latina", diz o texto de Buarque. Ele votou de forma favorável pela aprovação do projeto.
Polêmica
A grande polêmica, contudo, é que o ProUni sequer atende a demanda total de alunos brasileiros interessados no programa. Só no 1º semestre deste ano houve mais de 1,2 milhão de inscritos para as 191 mil vagas oferecidas. Ou seja, a realidade é que a oferta de vagas atuais é bem inferior ao número de candidatos que, semestralmente, buscam uma bolsa. Só nessa última seleção, mais de um milhão de participantes ficaram de fora.
Esse quantitativo de estudantes que não foram contemplados nesta primeira edição de 2014 é quase o mesmo número de candidatos que já foram atendidos pelo programa de 2005 a 2013. Quer dizer, nesses nove anos, já foram concedidas mais de 1 milhão de bolsas pelo ProUni. A maioria delas (69%) isentam o estudante de quaisquer pagamentos de mensalidades. Todos os dados, a que o iG Educação teve acesso, são da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (SESu/MEC).
"Não se trata de xenofobia, mas é demagógico atender um aluno africano ou de qualquer país do mundo sem deixar de contemplar o estudante brasileiro. Enquanto o governo não atender o aluno brasileiro que ainda não consegue ingressar no ensino superior por não ter condições financeiras, medidas como essas serão nada mais que ações demagógicas", afirma Celso Frauches, consultor educacional da Assossiação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que representa cerca de 350 instituições privadas.
O senador Cristovam, no entanto, prevê a possibilidade de "pedir ao governo para ampliar os recursos destinados ao ProUni" com vistas a contemplar o aumento no número de vagas, nas quais seriam incluídos os estrangeiros. Dessa forma, estaria mantida a prioridade aos candidatos brasileiros.
Consultado, o senador Paulo Paim (PT-RS), membro da Comissão de Educação, afirmou que a "competição" de vagas entre brasileiros e estrangeiros pode ser evitada com a criação de programas mútuos de intercâmbio. "Nós temos que estabelecer a parceria com outros países. Assim, ao mesmo tempo que abrimos vagas para estrangeiros, ofereceremos bolsas para alunos brasileiros estudarem em instituições no exterior", diz Paim.
Atualmente, já existe o Programa Prouni Salamanca de Bolsas de Graduação Plena, que concede auxílios para que estudantes cursem a universidade na Espanha. Na seleção de abril, no entanto, apenas 20 alunos com o perfil do ProUni foram beneficiados.
Além desse programa, alunos de faculdades privadas também podem se candidatar ao Ciência sem Fronteiras, que banca bolsas de estudos no exterior. Os números do programa até então, contudo, mostram que a grande maioria das vagas são ocupadas por alunos de universidades públicas.
Ajuda humanitária
Se a possibilidade de abertura de vagas para estrangeiros levanta discussões contrastantes, as razões que levaram os parlamentares a priorizarem os candidatos africanos e latinos em situação regular no País geram opiniões mais uniformes.
"Essa medida faz parte de uma estratégia de política externa de aumentar aquilo que, em relações internacionais, se chama de ´softpower´. Quer dizer, com essa ação, o Brasil busca aumentar sua influência junto a países da África e da América Latina. A China também concede bolsas para estudantes de países com os quais ela quer ter maior proximidade", explica Elizabeth Balbachevsky, professora de Ciências Políticas da USP.
A opinião é compartilhada por Alexandre Nonato, analista de mercado da consultoria Hoper Educação, baseada em Foz do Iguaçu (PR). "Essa é uma tendência do atual governo que se abre cada vez mais para a América Latina. Aqui em Foz, já existe a Unila [Universidade Federal da Integração Latino-Americana] que tem cotas para alunos de países como o Paraguai. Trata-se de uma política do governo atual", diz Nonato. Dos parlamentares da Comissão de Relações Exteriores que aprovaram projeto, a maioria deles são senadores do bloco de apoio ao governo.
O fato é que, com a aprovação do texto, jovens africanos e latinos, como haitianos e boliviados – em número cada vez maior em capitais como Rio Branco (AC), São Paulo e cidades da região Sul – poderão ser contemplados com bolsas de estudo em faculdades privadas. "Na minha cidade de Caxias do Sul (RS) já há muitos africanos que foram recebidos como mão-de-obra por empresários. Com o projeto permitindo a o ingresso no ensino superior, eles serão mais prestigiados e, com a boa formação, serão mais remunerados", diz o senador Paim.
MEC
Consultado, o Ministério da Educação informou que não comenta projetos em tramitação.
O MEC, contudo, já tem uma ação que concede bolsas para que estrangeiros provenientes de países em desenvolvimento possam estudar em universidades federais.
O Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), no entanto, não é tão popular e têm pouca adesão. Além disso, de 2008 a 2012, o número de participantes caiu 35%, passando de 853 para 552, de acordo com dados da própria pasta.