A Telexfree é "sem dúvida" uma pirâmide financeira, diz a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) brasileira, que recomendou ação contra a empresa "antes que os prejuízos sejam maiores". O recado, entretanto, não foi repassado às "autoridades competentes", como mostram documentos sobre o caso.
As conclusões fazem parte do processo, ao qual o iG teve acesso, em que o xerife do mercado de capitais brasileiro investigou o negócio e, ao concluir que se trata de uma pirâmide, isentou-se de responsabilidade sobre ele.
A apuração foi feita após o Procon do Acre denunciar à CVM, em 15 janeiro de 2013, que a Telexfree estava captando investidores on Estado, por meio da internet e em reuniões presenciais.
Nove dias depois – 24 de janeiro –, uma das superintendências da CVM concluiu que "trata-se, sem dúvida, de uma pirâmide financeira" e que, por isso, o caso não seria de responsabilidade da comissão.
Em 10 de março, o funcionário de outra superintendência alertou para o risco trazido pela Telexfree.
"Trata-se, conforme entendo, tão somente de mais um esquema de ‘pirâmide’ e, segundo assim, sugiro o pronto encaminhamento dos autos às autoridades competentes para as devidas providências, antes que os prejuízos sejam maiores",
Esse encaminhamento, entretanto, não foi feito. A Procuradoria Federal Especializada junto à CVM entendeu que o Ministério Público do Acre (MP-AC), a autoridade competente para investigar a Telexfree em seu entender, já tinha conhecimento do caso, e arquivou a investigação.
Para o advogado do braço brasileiro da Telexfree, Danny Cabral Gomes, o arquivamento do caso prova que a Telexfree não é pirâmide financeira.
"O processo da CVM foi arquivado em razão de aquele órgão ter entendido que jamais houve captação de poupança popular. Ora, se jamais houve captação, como então falar em pirâmide financeira", afirmou Cabral Gomes.
Diferentemente da Securities and Exchange Comission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana), que obteve o bloqueio das contas da Telexfree nos Estados Unidos, a CVM brasileira entende que não tem competência para coibir pirâmides financeiras.
O argumento é que, como os integrantes – no caso da Telexfree, os chamados divulgadores – precisam convencer mais gente a colocar dinheiro no negócio para poderem lucrar, as pirâmides não são contrato de investimento coletivo e, por isso, não são algo contra o que a CVM tenha de atuar.
A investigação da CVM brasileira, entretanto, ignorou uma oferta de investimento em um hotel feita pela Telexfree aos seus associados. A proposta foi vista como uma oferta de investimento irregular pela Divisão de Valores Mobiliários do Estado de Massachussetts, onde fica a sede da Telexfree nos EUA.
"Uma rentabilidade inigualável para o seu capital. Investindo em cotas do Best Western Telexfree Tijuca, você pode ter tendimentos acima de 0,7% ao mês depois de estabilizado. É isso mesmo, um dos melhores investimentos disponíveis no mercado", diz o vídeo, disponível na internet desde pelo menos novembro de 2012 – antes, portanto, da investigação da CVM.
A Telexfree firmou o contrato com uma empreiteira para construir o hotel em outubro de 2012. Ou seja, também antes das apurações da CVM.
Gomes, advogado da Telexfree afirma que "jamais foi captado nenhum centavo" e que o objetivo da Telexfree era "vender os imóveis após o empreendimento, que seria construído com recursos próprios, ficar pronto."
A mera oferta de investimento, entretanto, já pode ser considerada irregular se não houver autorização da CVM, segundo a Graciela Casanova Barros, do Velloza e Girotto Advogados Associados.
"E se a oferta é feita de forma indiscriminada [a qualquer pessoa], pode ser caracterizada como oferrta pública", diz a advogada, ressaltando que o uso de internet – como foi feito no caso da Telexfree – pode caracterizar uma oferta ampla.
Graciela afirma, ainda, que a CVM tem se debruçado sobre casos de vendas de cotas de hotéis que são apresentadas como vendas de parcelas de hoteis.
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Apesar de ter se isentado de responsabilidade sobre o caso no ano passado, em fevereiro deste ano a Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto à CVM voltou a levar o assunto Telexfree a uma reunião.
Procurada pelo iG, a CVM alegou que o conteúdo da reunião é sigiloso. Sobre as cotas de hotel da Telexfree, o xerife do mercado informou que a empresa "nunca obteve registro nesta Autarquia para ofertar publicamente valores mobiliários no mercado brasileiro", mas não detalhou se investiga o caso.
Entenda o caso
Criada pelo brasileiro Carlos Wanzeler e pelo americano James Merrill em 2002, a Telexfree ganhou popularidade a partir de 2012, quando começou a operar no Brasil com a promessa de lucros na revenda de pacotes de telefonia VoIP e colocação de anúncios na internet. A empresa estima ter 1 milhão de divulgadores no País.
Em 18 de junho de 2013, a 2ª Vara Cível do Acre bloqueou formalmente as atividades do negócio, a pedido do Ministério Público local (MP-AC), que acusa a empresa de ser a maior pirâmide financeira da História do País.
O argumento é que o faturamento da empresa se sustenta dos investimentos de quem entra no negócio, e não dos serviços de telefonia. Por isso, os promotores pediram à Justiça a extinção da Telexfree e o ressarcimento de eventuais lesados. O caso ainda não foi julgado.