Geração após geração, os pais ensinam às crianças que elas não devem aceitar presentes de estranhos, seja um brinquedo ou um doce. Os motivos para esse cuidado são óbvios: preocupação com a segurança dos filhos e medo de que eles sejam afastados da família (física ou psicologicamente). Mas não raro surgem dúvidas sobre a dinâmica dessa orientação. Como fazer os pequenos entenderem por que devem agir dessa maneira? E a partir de quando eles assimilam tais informações?
“Não é fácil”, reconhece a psicóloga Suely Palmieri Robusti, diretora da Escola Novo Ângulo Novo Esquema, que explica: “Tudo isso envolve falar sobre coisas de que a criança não gosta, como violência, furtos, sequestros. Mas não pode simplesmente não falar, ela precisa entender a realidade do mundo”.
Na opinião de Suely, o primeiro papo sobre não conversar com estranhos e não aceitar nada que eles ofereçam pode ser tão logo a criança entre em uma escola e, consequentemente, passe a ficar mais tempo longe dos pais. “Mesmo que ela tenha dois anos de idade, já saberá interagir, pedir para ir ao banheiro, sociabilizar. É importante ela entender que há pessoas em quem pode confiar além da família, como os professores, e outras de quem não deve aceitar aproximação, que são os estranhos”, afirma.
Para Luciana Fevorini, doutora em psicologia escolar pela Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Colégio Equipe, os pais podem esperar um pouco mais. “É à medida que a criança cresce que uma conversa sobre segurança e como lidar com abordagem de estranhos faz sentido. Quando ela é muito pequena, quase sempre estará acompanhada de um adulto, é mais difícil haver oportunidade para isso na realidade dela”, defende.
Atenção ao tom
Mesmo com visões inicialmente diferentes, Suely e Luciana concordam quanto ao cuidado com o tom da argumentação dos pais. “Se os adultos falam com muita aspereza sobre estranhos e os perigos que eles representam, podem acabar despertando um pânico nas crianças”, diz Suely. Luciana complementa: “Isso pode, inclusive, gerar uma dificuldade no processo posterior de autonomia dos filhos, na pré-adolescência”.
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Então qual deve ser o tom dessas conversas? “O de uma conversa normal”, aconselha Suely. “Tem que explicar para a criança que ela deve recusar com educação algo que seja oferecido por um estranho, porque não se sabe o que há ali e quais são as intenções dele. Que mesmo que seja um indivíduo com aparência de ‘bonzinho’, não se deve confiar, porque ele não é conhecido. Também é importante reforçar que ela sempre deve contar para a mamãe e o papai quando acontecer alguma abordagem dessas. Os pais têm que estar por dentro do que acontece na vida do filho”.
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Quando chega a pré-adolescência e a adolescência, novas perspectivas devem ser acrescentadas às orientações sobre o assunto
Mais velhos
Quando chega a pré-adolescência e a adolescência, novas perspectivas devem ser acrescentadas às orientações sobre o assunto. “Na realidade atual das cidades grandes, essa preocupação com a abordagem de estranhos vem atrelada à própria questão da segurança no espaço público. Mais velhos, ao andarem sozinhos na rua com seus pertences de valor, os filhos estão vulneráveis a abordagens violentas, inclusive, e os pais devem alertá-los sobre isso”, afirma Luciana.
Drogas e sexualidade também cabem nesses papos, como destaca Suely: “Cada faixa etária precisará de mais informações, porque o universo de experiências torna-se mais amplo com o passar do tempo. É preciso falar para o pré-adolescente que estranhos – e até conhecidos – tentarão seduzi-lo com drogas e que elas fazem mal. O adolescente tem que saber que sua sexualidade poderá ser notada por quem ele não conhece e ele deve impedir esse contato”.
E se o filho sair da linha?
Mesmo com todas as instruções dos pais, nada impede que em algum momento a criança, o pré-adolescente ou o adolescente decida aceitar algo de um estranho. Lidar com isso depende de como os pais descobriram o fato.
“Se o filho aparecer com o objeto ou o alimento em casa e mostrar para os pais que pegou, mas não utilizou, é sinal de que os ensinamentos estão assimilados e ele quer a validação dos adultos. Nesse caso, deve-se reforçar que ele fez o certo ao expor o acontecido aos pais e explicar que, como não se sabe a origem daquilo, será jogado fora”, recomenda Suely.
Mas se o deslize tiver chegado aos ouvidos dos pais por meio de terceiros (pais de um amigo, por exemplo), o jeito é sentar e conversar. “Sem broncas”, diz Luciana. “As broncas podem impedir a comunicação. Deve-se ouvir o filho e entender por que ele fez aquilo, o que aceitou e explicar mais uma vez as consequências de seu ato”, esclarece.
Suely sugere o uso de auxílios visuais nesse diálogo: “Além de contar que no que ele aceitou poderia haver drogas – se é que não eram drogas de fato –, vale mostrar fotos da decadência em que entram a aparência e a saúde de que as consome. São essas fotos em estilo ‘ano a ano’ que sempre vemos na internet. As imagens normalmente têm um impacto muito maior”.