Dia 12 de junho de 2000. Há exatos 14 anos, um mês e um dia a Alemanha entrava em campo no Estádio de Sclessin, em Liége, na Bélgica. A esmagadora maioria de torcedores germânicos na arquibancada não acreditou quando Moldovan abriu o placar para a Romênia ainda com 5 minutos de bola rolando. Nem no decepcionante empate por 1 a 1 ao apito final. A poderosa seleção alemã começava uma campanha desastrosa na Eurocopa. Que de tão péssima daria início a uma nova era no país.
De volta a 2014, agora em 13 de julho, Rio de Janeiro. A Alemanha renasceu para o futebol. Aprendeu com seus próprios erros após o vexame da Euro 2000, quando passou pela humilhação de ser eliminada ainda na primeira fase, com a segunda pior campanha do torneio e nem uma vitória sequer. E se antes os germânicos se achavam os melhores do planeta, a partir do fiasco tiveram a humildade de recomeçar e iniciaram um projeto que pode atingir o ápice neste domingo, no Maracanã, na decisão da Copa do Mundo de 2014 contra a Argentina.
"Na verdade é bonito de ver algo que começou há 14 anos, quando a Alemanha foi eliminada na primeira fase da Eurocopa 2000. A federação alemã então reestruturou o futebol para os clubes, que passaram a ter obrigatoriamente centro de treinamento para base, senão não teriam licença para disputar prmieira divisão. E hoje é bonito ver a molecada jogando nesse time", analisou o atacante brasileiro Cacau, que disputou a última Copa pela Alemanha.
"Antes disso pensávamos em sistemas de dois anos, da Eurocopa para a Copa. Da Copa para a Eurocopa. Se ganhássemos a Copa, tudo estava ótimo e não precisava fazer nada. E ficávamos sem fazer nada, enrolando dois anos. E assim íamos levando, ganhando e perdendo, sem mudar nada. Mas se você vencer qualquer coisa sem jogar um bom futebol, um futebol de bom nível, você precisa pensar. E para mudar seu futebol tem que mudar em seis, oito anos", disse o ex-jogador Paulo Breitner.
Mas como o futebol alemão mudou?
Se no início dos anos 90 a Alemanha era a maior potência do futebol mundial, tudo mudou no fim da década. A seleção passou a ser presa fácil dos rivais, e os líderes tiveram humildade de perceber que era preciso mudar. Após a Euro 2000, os alemães se reuniram para constatar que estavam atrasados no futebol. Assim, clubes, federações e jogadores montaram um plano para reerguer o futebol germânico em longo prazo. Criando uma base para brilhar no futuro, independente dos resultados recentes.
"Não adianta mudar com jogadores de 17, 18 e 19 anos. E sim meninos de 11, 12 e 13 anos. E você realmente precisa mudar coisas que importam. É o caminho. Quando você diz que nosso último título foi em 1996, foi um dos divisores de águas no futebol alemão. Desde o início dos anos 90 o futebol muito e no início da última década. E nós estávamos pensando que éramos os melhores, que não tínhamos que aprender nada com ninguém. É a situação que o futebol brasileiro está hoje", explicou Breitner.
De fato, ele está certo. Na atual seleção alemã, o trabalho com jovens que se iniciou há mais de uma década colhe os frutos agora. Thomaz Muller, o atacante que já havia assombrado o mundo na Copa de 2010, por exemplo, é um desses casos. Com apenas 24 anos, já tem 10 gols em Mundiais e é um dos símbolos dessa nova geração germânica. Uma explicação perfeita de como a Alemanha transformou seu futebol força em um futebol mais técnico e vistoso de se jogar. E assistir.
Investimentos em centros ultrapassam R$ 2 bilhões
Desde o vexame da Eurocopa 2000, o governo alemão direcionou gastos que superam 1 bilhão de dólares no futebol. São, hoje, 370 centros de treinamentos para menores em todo o país, com mais de 25 mil jovens tentando a sorte no esporte. Outro ponto importante é o quesito bilheteria: os preços de ingressos foram mantidos congelados, o que faz com que os torcedores sempre lotem os estádios – a média de público da Bundesliga supera 45 mil pessoas por jogo.
Magnatas e empresários estrangeiros foram proibidos de comprar agremiações. Isso se reflete no fato de que todos os clubes da Bundesliga estão em dia com suas finanças. O poderoso Bayern de Munique, por exemplo, tem cinco campos de treinamento repartidos em 70 mil metros quadrados que treinam quase 200 jogadores, 90% deles da região, com clara ideia de criar atletas identificados com as raízes da agremiação da Baviera – são R$ 10 milhões por ano investidos na base.
"Mudamos o que se priorizava até então na Alemanha, que era a condição física. Esse trabalho demora 4, 5 ou 6 anos para ter efeito. E agora, nesses últimos dois ou três anos, podemos ver a primeira geração de 19, 20 e 21 anos. Um time jovem que tem um grande futuro pelos próximos quatro, seis anos. Ainda tem muito o que aprender esse time. O time tem se desenvolvido passo a passo e seremos um dos favoritos para conquistar a Copa no Brasil e também na Rússia, em 2018, pois agora estamos no caminho certo", expressou Paul Breitner.
Investimento na base e exemplo do Barcelona
O investimento vem desde cedo. Os meninos de sete anos precisam ter presença obrigatória nos 12 treinos mensais. Os mais brilhantes têm tratamento diferenciado, com hospedagem nas próprias instalações do Bayern – a exemplo do que acontece no Barcelona. Aliás, diferentemente do que acontece no Brasil, com casos de astros mirins sem sequer jogar no profissional são comuns, as futuras estrelas alemãs são blindadas e proibidas de falar com a imprensa, evitando exposição precoce. Sem boas notas na escola, as crianças são eliminadas do programa.
Uma das formas que os alemães encontraram para mudar seu estilo de jogo foi mais recente, mais precisamente no Barcelona, do então técnico Pep Guardiola. O time catalão que encantou o planeta Terra venceu, em quatro anos, dois Mundiais, duas Liga dos Campeões da Europa, duas Supercopas da Uefa, três Campeonatos Espanhóis, duas Copas do Rei e três Supercopas da Espanha. Com um futebol, soberano, que não apenas ganhava, mas dava show. O 4 a 0 dos catalães no Santos de Neymar e Ganso foi um dos marcos da gritante diferença do "futebol moderno" para o futebol que se pratica no Brasil.
"Como resultado dessa mudança no nosso trabalho nós temos uma forma diferente de jogar futebol na Bundesliga. Bayern e Borussia são exemplos. E a seleção alemã. É parecido com o futebol do Barcelona. Até 2002 tínhamos um líbero, marcação individual, sem nos interessar o que acontecia ao nosso redor, e vimos que era o caminho errado. Estávamos jogando um péssimo futebol. E começamos a mudar os treinamentos da base equalizando habilidade física com condição física", opinou Breitner.
"O Brasil dormiu em cima dos louros de 2002, quando ganharam no Japão. Vocês dormiram e não observam o que está acontecendo em outros países, como por exemplo fizemos na Alemanha, e vocês têm que fazer isso. Têm que aceitar que estão jogando um futebol do passado. Quando vejo o Brasil jogando, vejo um futebol ultrapassado. E nós jogamos mirando o exemplo do Barcelona e da seleção espanhola, tentando aprender com eles e tentando jogar um futebol moderno", finalizou o ex-jogador. E que seja assim daqui para a frente.