No café da manhã? Leite. Almoço? Leite. Um lanchinho à tarde? Leite. Na janta? Leite. Há três anos, essa tem sido a dieta de Damasceno Lopes dos Santos, morador de Cachoeira do Sul, município da região central do Rio Grande do Sul, a 196 km de Porto Alegre. O aposentado – que, segundo os documentos tem 90 anos, mas que jura ter feito 100 anos em 2014 – diz que nunca se sentiu tão bem desde que decidiu adotar a alimentação radical e que esse é um dos segredos de sua longevidade.
Seu Zeca, como é conhecido na cidade onde mora, conta que resolveu mudar seus hábitos alimentares após ter problemas estomacais. Desde então, o idoso passou a se alimentar exclusivamente com leite, comprado direto de produtores rurais, sem intervenção industrial. E garante: o cardápio lhe tornou mais saudável e livre de doenças.
“Nem água eu bebo mais. E estou me sentindo ótimo, tenho 82 quilos, meu peso está bom. Não consigo comer mais nada [além de leite]. Até mesmo um pedaço de pão me deixa mal”, contou ao G1 o aposentado, garantindo estar sendo acompanhada por médicos, que deram aval para o cardápio. “O máximo que faço é misturar com café solúvel”.
O consumo chega a três litros por dia, afirma o aposentado. Em um único mês, o total é de 90 litros. E para não correr o risco de ficar sem seu único alimento, ele passou a estocar a bebida na geladeira. Remessas de 20 litros de leite cru, direto da vaca, abastecem o refrigedor de seu Zeca a cada seis dias.
“De manhã eu tomo um litro. Na tarde e na noite, tomo mais dois. E me sinto feliz assim. Outro dia comi um pedacinho de pão. E me deu muita dor. Meu médico falou que a ‘boca’ do estômago está cansada”, detalhou o aposentado.
Questionado sobre receios diante de recentes escândalos de leite adulterado no estado – nesta semana, o Ministério da Agricultura encontrou álcool etílico em lotes produzidos por duas cooperativas –, o idoso disse “não ter ouvido falar” sobre o assunto. Mas foi direto ao opinar sobre o tema. “Esses de caixinha estão ‘envenenados’. Só tomo leite direto da vaca. Uma pessoa vende para mim e traz em casa”, contou.
Seu Zeca leva seu estoque de leite até mesmo em viagens. Com um dos filhos morando em Tramandaí, no Litoral Norte, o aposentado costuma passar temporadas na cidade pelo menos uma vez por ano. Na última, cerca de 10 litros de leite foram levados na bagagem. “Tenho que ficar forte o ano todo. Não pode faltar, né”, reforça o aposentado.
Café com leite no churrasco
para celebrar o centenário
No dia 21 de junho, a festa de aniversário de seu Zeca reuniu pelo menos 30 pessoas, entre amigos e familiares. A data era especial: seu 100º aniversário. Os documentos dele, no entanto, indicam que o nascimento ocorreu em 1924 e não em 1914, como ele afirma. Seu Zeca diz que, na época, falhas na documentação originaram o suposto erro. Outra hipótese é que ele só foi registrado bem depois de nascer, o que também era comum na época.
Mas apesar da discrepância de datas, para celebrar o "centenário", mais de 80 quilos de carne foram oferecidos aos convidados. O idoso, no entanto, não se arriscou e se manteve afastado do churrasco durante toda a comemoração: “Tomei meu leitinho com café, como faço sempre. O pessoal comeu churrasco, mas para mim seria perigoso”.
Ele também aposta que a dieta pode lhe garantir ainda mais longevidade. “Acho que sim, porque minha saúde está ótima. Costumo dizer que as crianças tomam leite no início da vida e depois passam a comer alimentos [sólidos] e comigo está acontecendo o contrário: envelheci, parei de comer e passei a beber leite”, constata.
Dieta é arriscada, alerta nutricionista
Para a nutricionista Beatriz Moser, o aposentado pode estar sob risco com o dieta baseada apenas em leite. Segundo ela, qualquer pessoa que consuma apenas o produto por um tempo tão exagerado, em tese, estará debilitada. “O fato de o leite não ser processado [industrialmente] é ótimo, caso a vaca não tem nenhuma doença. É um leite que não vai ter alteração industrial. Mesmo o leite de caixinha perde nutrientes. Porém, o leite não supre as necessidade proteicas, de vitaminas e minerais”, explicou.
A nutricionista ressalta ainda que o consumo abundante pode gerar mucos excessivos no organismo humano. “Bebendo leite, se formam mucos intestinais e pulmonares, por exemplo. Isso atrapalha o processo de absorvição de nutrientes. Por isso, muitos médicos condenam o consumo humano. Mas eu não sou tão contra assim. Se a pessoa consumir de maneira equilibrada, sou muito a favor, porque ocorrerá uma boa absorvição de cálcio”, diz.
No caso de Zeca, o uso de café solúvel na alimentação exclusiva de leite pode tornar a dieta ainda mais perigosa, avaliou a nutricionista. “Tenho uma linha de trabalho baseada em alimentos orgânicos. E o café solúvel é tóxico para o organismo. Acho meio delicado e perigoso”, afirmou Beatriz Moser.
A alimentação do aposentado de Cachoeira do Sul também preocupa, segundo ela, pela idade avançada. “Especialmente os idosos precisam comer alimentos com mais minerais, como frutas e vegetais frescos. Tem que ter na dieta de todos. Além disso, com certeza faltam aminoácidos na proteína do leite”, concluiu a nutricionista.