Poucos treinadores de futebol conseguiriam estar empregados dias depois de protagonizar, no comando da seleção de seu país, um vexame da magnitude dos 7 a 1 sofridos pelo Brasil diante da Alemanha. Felipão conseguiu. Menos de um mês após o "Mineirazo" na semifinal da Copa do Mundo, Luiz Felipe Scolari era apresentado pela diretoria do Grêmio. Porque provavelmente o clube gaúcho ainda seja o único lugar em que o técnico possa caminhar tranquilo sem ouvir questionamentos ou dúvidas a respeito de seu trabalho.
Em duas passagens pelo Olímpico (1987 e de 1993 a 1996), ajudou o Grêmio a erguer três Campeonatos Gaúchos (1987, 1995 e 1996), uma Copa do Brasil (1994), uma Libertadores da América (1995), uma Recopa Sul-Americana (1996) e um Campeonato Brasileiro (1996). Um passado de glórias que, na opinião da diretoria gremista, o credencia a ser o cara certo para recolocar o clube no caminho das conquistas importantes.
Ainda que outras duas Copas do Brasil (1997 e 2001) e mais cinco Gauchões (1999, 2001, 2006, 2007 e 2010) tenham decorado a sala de troféus, desde a saída de Felipão o Grêmio sofreu um rebaixamento no Brasileirão e foi perdendo cada vez mais protagonismo nos cenários nacional e internacional, além de acompanhar o crescimento de seu principal rival, que só na última década faturou duas Libertadores, um Mundial Interclubes e uma série de Estaduais.
Aliás, essa superioridade do Inter em tempos recentes também foi um fator determinante para que Felipão voltasse a assumir o comando técnico, já que o retrospecto – não só na análise fria dos números, mas também na superioridade que tinha o Grêmio em relação ao rival nos anos 90 – é favorável ao ex-comandante da seleção brasileira.
Foram 15 clássicos, com sete vitórias, cinco empates e apenas três derrotas – números divulgados pela assessoria pessoal do treinador. Inclusive, sua reestreia acontecerá justamente no Gre-Nal de domingo, no Beira-Rio. O tipo de "fogueira" à qual dificilmente algum outro profissional seria submetido, tamanha a confiança no homem. Há também o "fator Abel": Luiz Felipe Scolari e Abel Braga se enfrentaram três vezes em 1995, com duas vitórias do Grêmio e um empate – um dos triunfos resultando no título gaúcho.
Felipão tem respaldo. Da direção e da torcida, que não vai cobrá-lo em caso de derrota no clássico. Claro que para o gremista, vencer o Internacional fora de casa é sempre importante e satisfatório, ainda mais depois da goleada por 4 a 1 sofrida na decisão do Gauchão deste ano. Porém, o resultado deste próximo Gre-Nal será somente uma pequena parte do que o técnico quer reconstruir. No fim do Brasileirão ou da Copa do Brasil em 2014, mais vale um novo troféu do que a alegria ou tristeza do domingo – com exceção, obviamente, de um novo "apagão", como foi a derrota para a Alemanha no Mundial.
No campo, em sua primeira semana de trabalho, difícil dar uma cara ao Grêmio que jogará no fim de semana. O treino desta sexta-feira, em que provavelmente foi definida a equipe ou boa parte dela, teve portões fechados. Na última quinta, foco na bola parada e também um trabalho tático. Nenhum sinal, porém, de escalação, uma vez que Felipão girou todo o elenco e usou praticamente dois times diferentes para treinar com os titulares.
No plano tático, o Grêmio variava do 4-2-3-1 para o 4-1-4-1 assim que perdia a bola, o que pode significar a presença garantida de um volante fixo à frente da área (Wallace, de apenas 19 anos, e Edinho devem brigar pela vaga). Nessa formação, Barcos atuou como único homem da última linha ofensiva, dando lugar depois à dupla Dudu e Luan, em um 3-5-2. Quem cobre o clube vê semelhança entre essa semana e a semana que antecedeu a preparação para o jogo contra a Alemanha. Muitos nomes, variações, nenhuma definição.
"Tenho jogadores para jogar com três volantes, mas não sei se eu vou fazer. Vocês vão ter que ficar na dúvida, como ficaram com o Abel. Vocês vão ficar sempre em dúvida. E eu também. Posso jogar com três, e posso não jogar. Fica a dúvida. Se algumas coisas acontecerem a partir do Gre-Nal, tudo bem. Se nós não tivermos o êxito no Gre-Nal, pelo menos vou poder observar algumas questões", afirmou, em entrevista coletiva concedida na última sexta-feira, deixando claro também que não usará três zagueiros.
Com Felipão, o Grêmio do presidente Fábio Koff – trabalharam juntos na década de 90 – não olha para o futuro. Ainda mais após a Copa do Mundo, associar a imagem do treinador ao planejamento do amanhã soa estranho. O que o Grêmio quer e busca é, respaldado pelo bom passado, fortalecer o presente e voltar a ganhar títulos hoje. Para depois, quem sabe, construir um futuro muito melhor que aquele vivido no pós-Felipão, futuro que o levou justamente a trazer o técnico de volta.