O presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, disse em entrevista à BBC Brasil que a atual crise hídrica em São Paulo e em outras cidades do Sudeste é uma "oportunidade" para esta região do país, que deveria se inspirar no exemplo do Nordeste para enfrentar o problema.
Segundo Braga, daqui em diante, o uso mais eficiente da água e o preparo para enfrentar períodos de estiagem se tornarão uma prioridade, assim como houve uma busca por eficiência energética e medidas capazes de evitar a falta de energia elétrica após os apagões do início da década passada.
"Em meio a essa crise no Sudeste, ninguém fala do Nordeste, que vive uma seca há três anos", destaca o hidrologista, que também é professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
"Esta região aprendeu com as crises do passado e criaram uma infraestrutura para conseguir sobreviver a este momento díficil. O Ceará é um bom exemplo disso."
Tarifa exponencial
Braga também defende que haja uma mudança no atual modelo de cobrança de tarifas de consumo de água.
Para o especialista, somente um aumento exponencial do preço seria capaz de fazer consumidores usarem este recurso de forma racional.
O hidrologista defende que seja imposto um limite "razoável" de consumo para cada residência e que, a cada metro cúbico utilizado além dele, o valor da tarifa seja em primeiro lugar triplicado.
Caso seja ultrapassado um segundo patamar de consumo, o preço seria elevado em seis vezes, e assim por diante.
"A única forma de fazer as pessoas reduzirem seu consumo é gerar um impacto no bolso."
A Sabesp já aplica um aumento progressivo do valor da tarifa de acordo com o consumo.
A empresa cobra em São Paulo um preço fixo de R$ 16,82 pelo uso de até 10m³.
Entre 11m³ e 20m³, a tarifa por metro cúbico sobe 56%. Se forem usados entre 21m³ e 50m³, o preço sobe mais 149%. Acima disso, há um acréscimo de 10% no valor do metro cúbico.
"Minha proposta é que o valor seja triplicado após um limite razoável para cada residência. Depois, sextuplicado", afirma Braga.
"Quando o consumidor receber a conta, vai perceber que não tem como pagá-la e ai vai entender que há uma crise e economizar."
Aumento do consumo
A proposta de Braga ganha relevância diante de números divulgados na última terça-feira a investidores pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Esses números mostram que, mesmo em meio a pior crise de água já registrada na região atendida pela empresa, quase um quarto das residências paulistas teve um aumento no consumo de água.
A porcentagem das casas com esse aumento ficou em 24% em maio, baixou para 21% em junho, subiu para 26% em julho e está em cerca de 22% em agosto, segundo dados parciais contabilizados até o último dia 11.
Os dados da Sabesp ainda mostram que um bônus oferecido a paulistas que reduzirem seu consumo de água em 20% não foi capaz de gerar uma grande economia de água.
Desde fevereiro, as residências que cumprem com esta redução ganham um desconto de 30% na conta no fim do mês.
Mas o consumo nas 43 cidades da região metropolitana de São Paulo terminou o primeiro semestre com um aumento de 1,1%. Isso ocorreu por causa de um aumento de 4% entre janeiro e março.
Já entre abril e junho, houve uma redução de 2%, o equivalente a 6 bilhões de litros, algo que a Sabesp considerou "significativo" diante do aumento de 5% nas ligações de água neste período.
‘Falta de consciência’
Para Braga, isso é um sinal de que a população não está consciente da crise hídrica, "caso contrário não haveria aumento do consumo".
"A mídia fala muito da crise, mas, se não impactar no bolso do cidadão, ele acha que é assim mesmo e que não é uma situação tão grave assim, porque tem água na torneira", diz o especialista.
O governo estadual paulista chegou a anunciar em abril que iria cobrar uma multa de 30% pelo aumento do consumo de água. A medida veio após quedas sucessivas do nível do Sistema Cantareira (que abastece a Grande São Paulo) por causa de uma escassez de chuvas.
A multa seria aplicada a partir de maio, foi adiada para junho e nunca chegou a sair do papel.
Crise hídrica
O alerta sobre a estiagem soou em São Paulo em dezembro, quando choveu 72% abaixo do normal. Em janeiro e fevereiro, a média foi 66% e 64% menor, respectivamente. Foi a estiagem mais intensa desde 1930.
Para agravar a situação, o último verão foi o mais quente desde 1943, quando começaram as medições. A temperatura média, de 31,3°C, ficou 3°C acima do que no verão passado.
Em abril, o nível do Sistema Cantareira estava em 12%.
Desde então, o nível do Sistema Cantareira chegou a zero pela primeira vez na história e foi preciso usar metade do chamado "volume morto" (cerca de 200 bilhões de litros), a água que se encontrava abaixo dos níveis de captação usados até então.
Isso elevou o nível do Cantareira, que voltou a cair e está em 12,6% atualmente.
O governador paulista Geraldo Alckmin desistiu da medida em julho por considerá-la desnecessária diante do aumento do número de consumidores que aderiram ao programa de bônus da Sabesp.
Ele disse que "91% da população aderiu ao uso racional da água. Quase 40% ganhou o bônus", disse o governador na época.
Segundo dados de agosto da Sabesp, 78% dos consumidores reduziram seu consumo até agora.
"A multa gera muita confusão porque seu processo legal é complicado e ela pode ser questionada pelo Ministério Público", diz Braga.
"O aumento exponencial da tarifa é possível porque é uma decisão que cabe exclusivamente à agência reguladora."
Volume morto
Diante da perspectiva de falta de chuva até novembro, o governo do estado já obteve autorização para captar uma segunda parte do volume morto, estimada em 100 bilhões de litros.
Braga considera a medida "absolutamente necessária porque não há como fazer uma previsão climatológica de longo prazo".
"É uma forma de se precaver em relação a verão menos chuvoso, porque nenhuma obra de infraestrutura para levar mais água para o Sistema Cantareira será concluída no curto prazo", diz Braga.
"Obras já são por si só algo demorado e isso se agrava no nosso país, porque temos uma legislação ambiental e de licitações altamente complexa, o que faz com que obras levem dez vezes mais tempo aqui do que na China, por exemplo."
O especialista acredita que a escassez recorde de chuvas entre o final de 2013 e o início deste ano dificilmente se repetirá, mas esclarece que isso não significa que a crise estará resolvida.
"As previsões do CPTEC (Centro de Estudos do Tempo e Estudos Climáticos, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia) indicam que teremos um verão normal. Se isso se confirmar, chegaremos nesta mesma época do ano que vem com o nível dos reservatórios em 30%", diz Braga.
"Isso é preocupante, porque ai dependeremos de novo da chuva, e não podemos ficar à mercê da chuva."