Um grupo radical deseja criar um governo próprio no Oriente Médio. O autoproclamado Estado Islâmico tem espalhado o terror pela Síria e Iraque. E ainda quer chegar à Turquia.
Nesta semana, eles mostraram a crueldade de que são capazes: decapitaram um jornalista americano diante das câmeras, para todo mundo ver. O correspondente Rodrigo Alvarez mostra de onde eles vêm e o que pretendem.
Depois de quase dois anos em poder dos extremistas, o jornalista americano James Foley está agora de joelhos, em um deserto, prestes a ser executado.
"Convoco meus amigos, família e pessoas queridas a se voltarem contra meus verdadeiros assassinos: o governo dos Estados Unidos", diz Foley na gravação.
Foley foi condenado sem julgamento. Não cometeu crime nenhum. E o algoz nem tenta provar o contrário, apenas atua conforme o planejado, na propaganda terrorista gravada com duas câmeras, e um microfone no colarinho da vítima.
Depois do jornalista, o algoz assume o comando da cena. Em um inglês perfeito, com sotaque britânico, ele aponta o dedo para câmera e fala diretamente ao presidente americano: “Qualquer tentativa sua, Obama, de negar aos muçulmanos o direito que eles têm de viver em segurança sob o governo islâmico vai resultar em derramamento de sangue do seu povo".
Em poucos instantes, a faca na mão do terrorista é usada para decapitar o americano. É bárbaro, assustador e faz parte da rotina do grupo que se autodenomina Estado Islâmico. Decidido a criar um país novo a que eles chamam de califado.
Depois que o vídeo correu o mundo, os Estados Unidos admitiram ter feito uma missão secreta com soldados e aviãos na tentativa de resgatar James Foley e outros prisioneiros, mas voltaram de mãos vazias.
As autoridades americanas foram acusadas de falharem ainda mais gravemente porque passaram anos vendo o terrorismo crescer monstruosamente na Síria, e no Iraque, sem fazer praticamente nada. E os alertas foram inúmeros. Os próprios terroristas divulgam pela internet a selvageria, em vídeos que muitas vezes lembram superproduções do cinema americano.
Os combatentes do Estado Islâmico atacam carros em movimento e executam os motoristas.
Fazem caçadas a homens desarmados. Matam pelas costas. Fazem fuzilamentos em série. Matam soldados iraquianos que, como eles, são muçulmanos.
Nos últimos três anos, os extremistas se aproveitaram do vazio de poder criado pela guerra civil da Síria, se infiltraram entre os rebeldes sírios, roubaram armas enviadas pelos americanos para tentar derrubar o regime do ditador Bashar Al-Assad, enfrentaram os próprios rebeldes de quem foram aliados e tomaram mais de 30% da Síria, inclusive campos de petróleo, que agora ajudam a financiar o terrorismo. Em junho, os extremistas avançaram pelo Iraque.
Conquistaram, entre outras, a segunda maior cidade iraquiana, Mosul. E estão a 100 quilômetros de Bagdá.
Há duas semanas, para conter o avanço dos extremistas, a Força Aérea Americana atacou o Iraque pela primeira vez em quase três anos. Segundo Barack Obama, foi para proteger cidadãos americanos que trabalham na região e milhares de iraquianos cercados pelo Estado Islâmico.
Depois da execução do jornalista James Foley, Obama ganhou mais argumentos. O secretário de Defesa americano, Chuck Hagel, agora diz que o Estado Islâmico não é ‘apenas um grupo terrorista’. "Eles unem ideologia com sofisticação militar e são extremamente bem financiados. Vai além de tudo o que nós já vimos", afirma.
Seriam, portanto, mais organizados, ricos e perigosos até do que a rede terrorista Al-Qaeda, que derrubou as torres gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001.
Um documentário produzido pelo canal de notícias da revista canadense Vice mostra em detalhes as ambições e a crueldade dos extremistas na Síria. O documentarista foi guiado por Abu Mosa, o homem que se apresenta como assessor de imprensa do Estado Islâmico.
Abu Mosa aparece na gravação enfrentando as tropas do ditador sírio Bashar al-Assad e desafiando os Estados Unidos: "Não sejam covardes, atacando nossos homens com veículos não-tripulados. Mandem seus soldados, como aqueles que humilhamos no Iraque".
Dias depois, naquele mesmo lugar, as cabeças de 15 soldados sírios foram expostas em praça pública. O comandante de toda essa barbárie é Abu-Bakr al-Baghdadi, também chamado de "príncipe dos fiéis". Ele assumiu o mesmo nome do primeiro sucessor do profeta Maomé, e fez uma de suas poucas aparições públicas numa mesquita. Foi quando se autoproclamou "o califa dos muçulmanos".
O documentário mostra também combatentes que vieram da Europa. Abdullah, o "Belga", ensina ódio ao filho na frente da câmera. "Por que matamos os infiéis?", o Abdullah pergunta. "Porque eles matam muçulmanos", o menino hesita, mas responde.
Fiscais do Estado Islâmico proíbem propagandas com fotografias nas lojas. Proíbem a venda de bebidas alcoólicas. E quem é preso por descumprir a lei do califado sabe que o mínimo que pode acontecer com eles é levar chibatadas. Mas para quem comete crimes graves, como um homem apanhado com drogas, a pena é de morte.
"Queiram ou não, vamos estabelecer a lei islâmica nesta terra", diz o combatente Abu Laith.
Quer dizer então que o Estado Islâmico representa os muçulmanos do mundo? Representa, por exemplo, os palestinos que rezam pacificamente em uma mesquita em Jerusalém? Representam os trabalhadores turcos que lavam seus pés antes de entrar na mesquita azul de Istambul?
Apesar do que disseram os assassinos do americano James Foley, apesar da propaganda desse grupo extremista que se autodenomina Estado Islâmico, eles não representam os muçulmanos do mundo. E as lideranças islâmicas fazem questão de deixar isso bastante claro.
Em Hamala, o líder mulçumano mais importante da Palestina, o mufti Mohamed Hussein, disse ao Fantástico que a mensagem de Deus está sendo distorcida pelos extremistas. "Eles não praticam os ensinamentos do Islã, é um grande erro usar a violência em nome de uma religião que prega a justiça e a compaixão", disse.
O marinheiro Burak aprendeu que aos olhos de Deus, todos os seres humanos têm a mesma importância. "Nossa religião diz que temos que ser sempre boas pessoas, temos que acreditar no nosso Deus e nos profetas, Maomé, Jesus…Todos eles", afirma.
Os extremistas já fizeram ataques dentro do país e, há dois meses no Iraque, sequestraram 49 diplomatas turcos, que nunca mais foram vistos. A violência praticada em nome da religião não é mais novidade na Turquia. Quando Istambul ainda se chamava Constantinopla, no século XV, a principal igreja da cidade foi cenário de uma batalha sangrenta entre muçulmanos e cristãos, e acabou transformada em mesquita. Na Hagia Sophia, ou Santa Sofia, as marcas da violência aparecem até hoje nas cruzes de madeira e de mármore arrancadas para que ninguém se lembrasse que o templo, um dia, tinha sido uma igreja.
Mas na religião defendida a bala pelos extremistas do Estado Islâmico, a mensagem do Alcorão, o livro que segundo a tradição islâmica foi revelado por Deus a Maomé, fica restrita a algumas linhas que, segundo estudiosos, foram mal interpretadas.
“Destruímos a cruz que ficava no alto da igreja", diz o extremista. "O lugar virou um centro islâmico onde rezamos para Alá, diz um extremista"
Mas é justamente no suposto Centro Islâmico que as crianças se esquecem de Deus, e só falam em terrorismo.
"Prometemos a vocês carros-bomba e explosivos", diz o menino. "Vamos destruir todos aqueles que forem contra o Estado Islâmico. Vamos lutar por Abu-Bakr al-Baghdadi".