“Já faço uso de maconha há muito tempo e acho que salvou minha vida. Recebo com muita alegria esta decisão, porque sei que isso vai abrir porta para muita gente”, comemora a estudante Juliana de Paolinelli, de 35 anos, que obteve da Justiça a primeira autorização para importar um remédio com maior concentração de tetraidrocanabinol, o THC, de uso e comercialização proibidos no país.
A substância, que gera os efeitos cognitivos e psicológicos conhecidos como “barato” da planta, é usada para fins terapêuticos no exterior.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi notificada da decisão na tarde de quarta-feira (27) e tem cinco dias corridos para providenciar a permissão. Embora caiba recurso, o órgão informou que vai cumprir e, com isso, liberar pela primeira vez a entrada deste medicamento no Brasil. Um outro pedido para o mesmo remédio foi recebido em julho deste ano diretamente pela Anvisa, sem demanda judicial, mas o paciente não apresentou os documentos necessários.
Não posso perder tempo. É um remédio, a gente quer simplesmente viver um pouco melhor”, disse Juliana sobre a decisão de procurar a Justiça. Moradora de Belo Horizonte, ela tem duas filhas e tenta levar uma vida normal, apesar das dores intensas decorrentes de um problema de coluna. Para se locomover, faz uso de bengala, coletes ortopédidos, em algumas ocasiões, e de uma cadeira de rodas.
Pedidos de importação de medicamentos à base de canabidiol, o CBD, outro componente da maconha, já vêm sendo autorizados no Brasil. De acordo com a Anvisa, até o momento, já foram autorizados 50 dos 72 pedidos para remédios com até 1% de THC e maior concentração de CBD. No caso de Juliana, a medicação solicitada tem em torno de 45% de THC, conforme a Anvisa. Os componentes teriam aplicações em tipos distintos de tratamento.
Em abril deste ano, o juiz Bruno César Bandeira Apolinário, da 3ª Vara Federal de Brasília, liberou que os pais da menina Anny, de 5 anos, importem o medicamento canabidiol (CBD), que tem substâncias derivadas da maconha e é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil. A decisão judicial impede a agência de barrar a importação do produto, que é legalizado nos Estados Unidos. A reportagem foi exibida no Fantástico.
Além de forte medicação, inclusive o uso prolongado de morfina, Juliana fez duas cirurgias e, depois da segunda, surgiram os espasmos generalizados e nos membros inferiores.
“Diariamente, são ao menos seis crises. Eram espasmos fortíssimos, de o meu joelho bater na boca. Eu precisava ser levada para o hospital amarrada", conta. Segundo a paciente, a doença foi descoberta no último grau, em 1997, e não tem uma explicação clara para as causas. Ela afirma que, com o uso dos componentes da maconha, é possível ter o controle da dor causada pela compressão e esmagamento na coluna. Num vídeo publicado na internet, ela mostra um pouco de sua rotina.
De acordo com a estudante, o uso da planta ainda gera muito preconceito e a sensação de ilegalidade, por isso a importância da liberação do remédio. A partir da decisão, faz cotações para dar início ao processo de importação e teme o custo alto.
A importação do medicamento é pelo período inicial de 12 meses e especificamente para o caso de Juliana. O relatório médico considerado pelo juiz Valmir Nunes Conrado, da 13ª Vara Federal de Belo Horizonte, afirma que foram tentadas todas as medicações pertinentes disponíveis no país e que nenhuma teria sido capaz de controlar o quadro clínico da paciente.
“Foi considerado basicamente o laudo médico, que retratava um caso de patologias graves, como problemas sérios na coluna e uma síndrome que causa dores e espasmos em razão da compressão da coluna. Este dava conta que era a única alternativa terapêutica para permitir uma qualidade de vida melhor. A morfina, por exemplo, já estava causando dependência química”, afirmou o juiz.
Segundo o magistrado, o cumprimento deve ser imediato, ainda que a Anvisa decida questionar a decisão. O caso ainda será julgado no tribunal, em segunda instância, mas não há prazo. Enquanto isso, o tratamento já pode ser iniciado.
O médico Leandro Ramires, que tem um filho em tratamento com óleo à base de canabidiol, explica a diferença do uso das substâncias CBD e THC, os componentes mais conhecidos da maconha.
“O CBD é excelente para quem tem convulsões cerebrais, pois estabiliza o sistema nervoso e impede que descargas de nervos transmissores aconteçam. Já o THC bloqueia o impulso nervoso responsável pela dor, por isso diminui as contraturas como as da Juliana, que tem compressão da medula nervosa. O tetraidrocanabinol também potencializa o efeito de analgésicos comuns”, disse. Segundo o médico, a morfina, por exemplo, causa mais dependência química e psíquica que o THC.
Pedido excepcional de importação
A Anvisa informou que criou mecanismos para que as pessoas possam importar medicamentos sem registro no Brasil, evitando a necessidade de demandas judiciais. O procedimento pode ser feito por meio de um "pedido excepcional de importação" para uso pessoal.
Para isso, é necessário que o paciente envie uma solicitação, contendo prescrição médica detalhada com assinatura e carimbo do médico, laudo médico descrevendo o caso e justificando a utilização do medicamento não registrado no Brasil e termo de responsabilidade assinado pelo médico e paciente ou responsável legal. De acordo com a assessoria da Anvisa, os pedidos levam em média uma semana para apreciação e autorização.