A hepatite B é uma das infecções virais mais comuns em todo o planeta: pelo menos um terço da população mundial já carregou o vírus em algum momento de sua vida. A maioria dos infectados consegue se curar rapidamente — alguns nem desenvolvem sintomas —, mas em alguns casos a doença pode acarretar o desenvolvimento de cirrose ou câncer no fígado, causando a morte de 600.000 pessoas todos os anos. Uma nova pesquisa publicada na revista Nature Communications mostra que a história desse vírus é mais antiga do que se pensava. Ele existe há pelo menos 82 milhões de anos, quando infectava os primeiros ancestrais das aves, que ainda conviviam com os dinossauros.
Estudar o passado de uma linhagem de vírus costuma ser muito difícil, pois eles não deixam nenhum tipo de registro fóssil no ambiente. Para conhecer sua evolução, os pesquisadores têm de procurar pistas em outros locais — como o DNA de seus hospedeiros. Isso é possível porque, para se reproduzir, um vírus precisa invadir uma célula e se apropriar de seu DNA, obrigando-a a produzir cópias dele mesmo. Em alguns momentos, algo dá errado nesse processo e, em vez de dominar o genoma da célula, o vírus acaba sendo absorvido por ele. Assim, o vírus passa a fazer parte do DNA do hospedeiro, e é transmitido às gerações seguintes.
A partir desses restos de vírus que são herdados pelos descendentes, os pesquisadores conseguem encontrar pistas de suas origens e evolução. “A partir do momento em que é inserido no genoma hospedeiro, esse DNA viral pré-histórico fica congelado em seu estado original, continuando discernível até o presente. Nós chamamos essas sequências de DNA fóssil”, diz Jürgen Schmitz, pesquisador da Universidade de Münster, na Alemanha, e um dos autores do estudo.
Foi seguindo essa técnica que, em 2010, pesquisadores relataram a descoberta do DNA de um vírus ancestral da hepatite B em meio ao genoma de passarinhos mandarins, uma espécie originária da Oceania. Os dados apresentados, no entanto, não eram suficientes para saber exatamente quando esse vírus havia sido absorvido pelas aves.
Paleontologia genômica — Em busca de informações mais detalhadas, os pesquisadores da Universidade de Münster resolveram procurar pelas mesmas sequências de DNA viral em outras espécies de pássaros. Se elas fossem encontradas, isso significaria que já estavam presentes em um antepassado comum — e os cientistas poderiam traçar a data correta da infecção original.
A partir dos novos dados, os cientistas concluíram que o vírus ancestral infectou um antepassado dos pássaros modernos que viveu há 82 milhões de anos, no final do Cretáceo. Nessa época, as aves ainda dividiam a Terra com os dinossauros — um grupo de répteis a partir do qual elas teriam evoluído alguns milhões de anos antes. “A descoberta de que o genoma quase completo do vírus ficou preservado por tantos anos como um fóssil molecular é incrível”, afirma Alexander Suh, um dos autores do estudo.
Segundo os pesquisadores, boa parte das proteínas desse vírus ancestral são semelhantes às encontradas no vírus da hepatite B atual. Uma das exceções é uma sequência conhecida como proteína X, que permite ao vírus infectar seres humanos e é um dos responsáveis por causar o câncer de fígado. “Nosso resultado indica que o gene X emergiu relativamente tarde na evolução dessa família de vírus”, afirma Suh. Isso significaria que o vírus da hepatite B se originou nas aves, só depois adquirindo as características que o permitiria infectar mamíferos e humanos.
CONHEÇA A PESQUISA
Título original: The genome of a Mesozoic paleovirus reveals the evolution of hepatitis B viruses
Onde foi divulgada: periódico Nature Communications
Quem fez: Alexander Suh, Jürgen Brosius, Jürgen Schmitz e Jan Ole Kriegs
Instituição: Universidade de Münster, na Alemanha; entre outras
Dados de amostragem: Sequências do DNA do vírus da hepatite B presentes no genoma de uma série de espécies de aves
Resultado: Os pesquisadores descobriram que a origem comum desse DNA — e da infecção viral — é de um ancestral das aves que viveram há 82 milhões de anos